Diretrizes Estratégicas
A saúde constitui um direito social básico para as condições de cidadania da população brasileira. Um país somente pode ser denominado "desenvolvido" se seus cidadãos forem saudáveis, o que depende tanto da organização e do funcionamento do sistema de saúde quanto das condições gerais de vida associadas ao modelo de desenvolvimento vigente. Não basta ter uma economia dinâmica, com elevadas taxas de crescimento e participação crescente no comércio internacional, se o modelo de desenvolvimento não contemplar a inclusão social, a reversão das iniqüidades entre as pessoas e as regiões, o combate à pobreza e a participação e organização da sociedade na definição dos rumos da expansão pretendida.
É dessa percepção geral que as ações para a saúde se inserem na política de desenvolvimento do presidente Lula, voltada para aliar o crescimento econômico com o desenvolvimento e a eqüidade social. O movimento de democratização do Brasil colocou na Constituição Federal de 1988 um conjunto importante de direitos sociais, inserindo a saúde como um dever do Estado e direito da população. Essa percepção foi um marco do atual processo histórico de conformação de um sistema de proteção social no País. No período recente, o Brasil tem avançado, do ponto de vista da inclusão social e da atenuação das desigualdades sociais, de modo reconhecido pelas mais diversas e independentes correntes de pensamento.
O Sistema Único de Saúde (SUS) constitui um projeto social único no conjunto dos países em desenvolvimento, cujos princípios de universalidade, integralidade e eqüidade estão firmados na Carta Magna do País de 1988, dando um sentido às ações propostas. Em que pesem as dificuldades históricas e estruturais de implementação de um projeto de tal envergadura, o SUS já ocupa de fato um espaço importante na sociedade e na percepção dos direitos de cidadania, espaço este que vai muito além da retórica e do terreno das intenções.
A título de exemplos destacados da abrangência
e do impacto do SUS, podem ser citados os seguintes marcos
atingidos no período recente, sabendo-se que mais de
70% da população brasileira depende exclusivamente
do SUS:
- 87 milhões de brasileiros são acompanhados
por 27 mil Equipes de Saúde da Família (ESF),
presentes em 92% dos municípios, sendo a base para
um novo modelo assistencial.
- Cerca de 110 milhões de pessoas são atendidas
por Agentes Comunitários de Saúde (ACS),
que atuam em 95% dos municípios brasileiros.
- O SUS realizou, em 2006, 2,3 bilhões de procedimentos
ambulatoriais, mais de 300 milhões de consultas
médicas e 2 milhões de partos.
- Nas ações de maior complexidade, foram realizados
11 mil transplantes, 215 mil cirurgias cardíacas,
9 milhões de procedimentos de quimio e radioterapia
e 11,3 milhões de internações.
- A qualidade e o impacto de alguns programas nacionais
de saúde são altamente reconhecidos em termos
internacionais, a exemplo dos programas de imunização,
de AIDS e do controle do tabagismo, atingindo resultados
dificilmente igualáveis no mundo.
- O SUS constitui um exemplo destacado de pacto federativo
democrático, no qual as ações são
acordadas em instâncias formais com a participação
das três esferas da Federação, havendo
uma prática já disseminada de controle e
de participação social, que constitui um
modelo para outras iniciativas em curso nas políticas
públicas do País.
No campo econômico, a saúde pode ainda ser olhada
por um outro prisma. A experiência internacional mostra
que a saúde configura um complexo de atividades produtivas
de bens e serviços que permite alavancar segmentos-chave
da sociedade contemporânea, baseada no conhecimento
e na inovação. A estimativa internacional disponível,
apresentada pelo Fórum Global para a Pesquisa em Saúde
em 2006, indica que a saúde responde por 20% da despesa
mundial, pública e privada, com as atividades de Pesquisa
e Desenvolvimento Tecnológico (P&D), representando
um valor atualizado de US$ 135 bilhões, sendo claramente
uma das áreas mais dinâmicas do mundo.
A saúde possui, assim, duas dimensões que se
associam a uma nova aposta para o desenvolvimento do Brasil.
É parte da política social e do sistema de proteção
social e fonte de geração de riqueza para o
País. O direito à saúde articula-se com
um conjunto altamente dinâmico de atividades econômicas
que podem se relacionar virtuosamente num padrão de
desenvolvimento que busque o crescimento econômico e
a eqüidade como objetivos complementares.
Com base nessa perspectiva, o entendimento das ações
voltadas para a promoção, a prevenção
e a assistência à saúde como um ônus
ou um fardo que apenas onera o orçamento público
mostra-se limitado para se pensar a saúde como parte
constitutiva da estratégia de desenvolvimento e como
uma frente de expansão para um novo padrão de
desenvolvimento comprometido com o bem-estar social. A saúde
contribui tanto para os direitos de cidadania quanto para
a geração de investimentos, inovações,
renda, emprego e receitas para o Estado brasileiro. Em termos
econômicos, a cadeia produtiva da saúde, englobando
as atividades industriais e os serviços, representa
entre 7% e 8% do PIB, mobilizando um valor em torno de R$
160 bilhões, e constitui uma fonte importante de receitas
tributárias. Emprega diretamente, com trabalhos qualificados
formais, cerca de 10% dos postos de trabalho e é a
área em que os investimentos públicos com pesquisa
e desenvolvimento são os mais expressivos do País.
Em termos de empregos diretos e indiretos, em toda a cadeia
produtiva, o conjunto dessas atividades representa cerca de
9 milhões de trabalhadores inseridos, predominantemente,
em atividades intensivas em conhecimento.
Não obstante, há um descompasso entre a orientação
para a conformação de um sistema universal,
que possui um potencial destacado em termos de desenvolvimento,
e o processo concreto de consolidação do SUS.
Entre as grandes lacunas para que a saúde se constitua
num dos pilares da estratégia nacional de desenvolvimento,
cabe destacar:
- A reduzida articulação da saúde com
as demais políticas públicas, caracterizando
um insulamento das ações governamentais
diante das necessidades de qualidade de vida da população,
que depende da convergência de um amplo conjunto
de políticas.
- A presença de uma significativa iniqüidade
de acesso, observada em muitas doenças e agravos,
envolvendo, por exemplo, dificuldades para cobrir o conjunto
de pessoas com hipertensão e diabetes, para o acompanhamento
pré-natal das mulheres grávidas, para conferir
maior abrangência no fornecimento de orientação,
prevenção e tratamento para os diversos
tipos de câncer e para atender ao conjunto das necessidades
na área de doenças transmissíveis,
em grande parte negligenciadas pelos esforços mundiais
de pesquisa e de produção.
- A oferta de bens e serviços permanece fortemente
desigual na sua distribuição territorial,
reproduzindo a desigualdade pessoal e regional que caracteriza
o desenvolvimento brasileiro. Observam-se vazios assistenciais
dentro das regiões metropolitanas, em sub-regiões
menos dinâmicas e mais pobres de todo o País
e no nível das macrorregiões, no qual as
regiões Norte e Nordeste são claramente
carentes de condições adequadas de oferta
e de acesso.
- O descompasso entre a evolução da assistência
e a base produtiva e de inovação em saúde.
No momento em que o SUS iniciava sua consolidação
com a promulgação da Constituição
de 1988 e da Lei Orgânica nº 8.080, em 1990,
a base produtiva industrial em saúde se deteriorava.
Essa regressão é evidenciada pela explosão
do déficit comercial a partir dos anos 90, com
um crescimento de mais de sete vezes em termos reais,
atingindo um patamar superior a US$ 5 bilhões concentrado
nos produtos de maior densidade de conhecimento e de inovação,
o que representa uma séria vulnerabilidade da política
social.
- O movimento de descentralização e de municipalização
das ações de saúde, embora forte
e de alta relevância, ocorre de modo fragmentado,
perdendo-se uma visão regionalizada do País.
Assim, ainda há muito a avançar na organização
do SUS como uma rede federativa, regionalizada e hierarquizada,
de modo a superar a situação de desigualdade
na oferta e a conferir maior eficiência sistêmica
às ações implementadas.
- O predomínio de um modelo burocratizado de gestão,
segundo o qual o controle ineficiente dos meios ocorre
em detrimento dos resultados e da qualidade da atenção
à saúde. Esse modelo burocratizado perpassa
toda a organização do sistema, caracterizando
tanto a relação entre a União, os
estados e os municípios até o modelo de
gestão das unidades de saúde.
- O subfinanciamento do SUS, evidenciado tanto pelo gasto
per capita (6% do Canadá, 11% da Espanha, 56% do
México, para dar alguns exemplos) quanto por indicadores
simples, mas inquestionáveis, como o preço
da consulta médica (R$ 10 ) ou de uma cirurgia
cardíaca.
- A precarização do trabalho e o baixo investimento
na qualificação de recursos humanos, constituindo
uma deficiência expressiva que compromete o desempenho
do sistema, que abarca desde o nível federal até
a ponta do sistema, onde programas estratégicos
de atenção básica - como a Estratégia
Saúde da Família (ESF) - são claramente
fragilizados. Essa questão interfere tanto na qualidade
das ações de promoção, prevenção
e atenção quanto na própria conformação
da política de saúde como uma política
estável de Estado.
O reconhecimento desse quadro e o empenho em intervir e superar
tal realidade configuram o sentido maior dessa estratégia.
O PAC Saúde objetiva aproveitar as potencialidades
oferecidas pelo setor como um dos elos vitais para um novo
padrão de desenvolvimento brasileiro, enfrentando os
enormes desafios ainda presentes. O "Mais Saúde", ora
apresentado à sociedade brasileira, contempla 73 medidas
e 165 metas num total de R$ 89,1 bilhões, estando R$
65,1 bilhões garantidos no Plano Plurianual (PPA) e
R$ 24 bilhões destinados à expansão das
ações. Esse conjunto de iniciativas permite
consolidar a percepção estratégica de
que a Saúde constitui uma frente de expansão
que vincula o desenvolvimento econômico ao social. Insere-se,
portanto, na perspectiva aberta pelo governo do presidente
Lula, ao lançar uma estratégia nacional de desenvolvimento
sinalizada pela formulação e pela apresentação
do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
à sociedade brasileira.
O programa busca, numa perspectiva mais abrangente, aprofundar
e atualizar os grandes objetivos da criação
do SUS, num contexto contemporâneo, agregando novos
desafios e dimensões para que os objetivos de universalidade,
eqüidade e integralidade possam se concretizar.
Com base nesse referencial, o PAC Saúde define as seguintes
diretrizes estratégicas que norteiam os Eixos de Intervenção,
as medidas adotadas, as metas-síntese e os investimentos
previstos que estruturam este documento:
- Avançar na implementação dos princípios
constitucionais para a consolidação de um
sistema de saúde universal, equânime e integral,
mediante um conjunto de ações concretas
organizadas em eixos que permitem associar o desenvolvimento
econômico e o social, envolvendo tanto o investimento
em capital físico quanto nos trabalhadores e profissionais
de saúde.
- Consolidar as ações de promoção
da saúde e a intersetorialidade no centro da estratégia,
como decorrência da articulação das
ações de saúde com a nova orientação
do padrão de desenvolvimento brasileiro, vinculando
crescimento, eqüidade e sustentabilidade com um novo
modelo de atenção centrado na busca de qualidade
de vida como uma política nacional e federativa
de governo.
- Priorizar, em todos os eixos de intervenção,
os objetivos e as metas do Pacto pela Saúde, na
dimensão do Pacto pela Vida, a saber: saúde
do idoso, mental, do trabalhador e da pessoa portadora
de deficiência; controle do câncer de colo
de útero e de mama; redução da mortalidade
infantil e materna; fortalecimento da capacidade de resposta
às emergências de saúde pública
de relevância nacional e à ocorrência
de doenças, com ênfase em dengue, hanseníase,
tuberculose, malária e influenza, além da
promoção à saúde e do fortalecimento
da Atenção Básica, tratadas em eixos
específicos deste programa.
- Aprofundar a estratégia de regionalização,
de participação social e de relação
federativa, seguindo as diretrizes aprovadas pelo Pacto
da Saúde, buscando um aumento decisivo da eficiência
sistêmica e organizacional em saúde e retomando
o papel central do governo federal na organização
de redes integradas e regionalizadas de saúde no
território brasileiro.
- Fortalecer o Complexo Produtivo e de Inovação
em Saúde, permitindo associar o aprofundamento
dos objetivos do Sistema Único de Saúde
com a transformação necessária da
estrutura produtiva do País, tornando-a compatível
com um novo padrão de consumo em saúde e
com novos padrões tecnológicos adequados
às necessidades da saúde.
- Dar um expressivo salto na qualidade e na eficiência
das unidades produtoras de bens e serviços e de
gestão em saúde, para associar a flexibilidade
gerencial ao compromisso com metas de desempenho, mediante
a introdução de mecanismos de responsabilização,
acompanhamento e avaliação e com uma clara
priorização dos profissionais de saúde
em termos de qualificação e do estabelecimento
de relações adequadas de trabalho.
- Equacionar a situação de subfinanciamento
do SUS, envolvendo a regulamentação da legislação
existente (EC 29) e a participação adequada
e estável da receita pública no financiamento
da saúde, de acordo com os preceitos constitucionais
que asseguram à população brasileira
a atenção universal, integral e equânime.
Em síntese, a estratégia adotada neste programa
articula o aprofundamento da Reforma Sanitária brasileira
com um novo padrão de desenvolvimento comprometido
com o crescimento, o bem-estar e a eqüidade. A melhoria
das condições de saúde do cidadão
brasileiro constitui o grande objetivo estratégico.
O conjunto de medidas e ações concretas volta-se
para a melhoria da qualidade de vida da população,
contribuindo para que o SUS seja definitivamente percebido
como um patrimônio da sociedade brasileira.