1.3.4 Leishmaniose
 

Tendo em vista a diversidade de cenários epidemiológicos associados à ocorrência das leishmanioses, considera-se que há necessidade de fomentar investigações que contribuam para o esclarecimento da efetividade e eficiência de estratégias de controle nessas distintas situações, particularmente aquelas que contemplem os impactos potenciais de aspectos relacionados às heterogeneidades do processo de transmissão na disseminação dessas doenças.

 

Levantamento das necessidades de P&D&I

O especialista destacou os temas: Entomologia, Diagnóstico e Resistência dos parasitos aos medicamentos e apresentou suas contribuições sobre necessidades P&D&I para cada um:

Entomologia: O conhecimento escasso sobre os flebótomos mais importantes na cadeia de transmissão, a distribuição não homogênea do vetor nas regiões geográficas e a relação parasita/hospedeiro implicam na necessidade de mais pesquisa básica.

Diagnóstico: Há uma necessidade de identificação de casos falsos positivos, devendo ser considerada a utilização de nanotecnologia nessa área.

Resistência dos parasitos aos medicamentos (antimoniais pentavalentes): deve ser uma preocupação da pesquisa básica, assim como a agressividade destas drogas, que causam vários efeitos colaterais. O estudo sobre o bloqueio de transmissão através do desenvolvimento de vacina também foi citado.

A Área técnica do Ministério da Saúde destacou como prioridades de pesquisa da área:

  1. Estudo clínico para avaliar a eficácia do Desoxicolato de Anfotericina B e Anfotericina B Lipossomal, comparado com o Antimoniato de Meglumina em pacientes com visceral.
  2. Estudo para avaliar o custo efetividade do Antimoniato de Meglumina, Desoxicolato de Anfotericina B e Anfotericina B Lipossomal em pacientes tratados com leishmaniose visceral
  3. Estudo clínico para avaliar a eficácia do Desoxicolato de Anfotericina B, comparado com o Antimoniato de Meglumina em pacientes com leishmaniose tegumentar.

O Coordenador do GT/Leishmanioses apresentou as seguintes reflexões:

Transmissão vetorial: Problemas ou Falhas no conhecimento?

  • Conhecimento da diversidade de espécies de flebótomos presentes no Brasil e sua distribuição geográfica.
  • Relacionamento entre espécies de flebótomo e leishmania.
  • Variação nos hábitos alimentares e da composição da saliva dos flebótomos;
  • Impacto das alterações ambientais decorrentes da ocupação humana.
  • Papel dos anticorpos anti-saliva de flebótomo como marcadores da exposição ao vetor e da distribuição dos flebótomos.

Leishmanioses: Identificação de parasitas mais virulentos.

  • É possível identificar precocemente parasitas de maior virulência, independentemente de cepa?
  • Os parasitas causadores de leishmaniose cutâneo-mucosa e cutâneo-difusa diferem dos demais?
  • Esta identificação terá reflexo sobre o tratamento?

Leishmanioses: diagnóstico clínico e laboratorial: problemas e falhas.

  • Detecção precoce da infecção.
  • Como identificar a infecção em casos pauciparasitários?
  • Investigação de formas latentes do parasita.
  • Identificação de recaídas.

Como distinguir parasitas vivos e mortos nos exames baseados em tecnologia molecular?

  • Identificação precoce de falha terapêutica.
  • Desenvolvimento de kits diagnósticos.

Leishmanioses: Interação com outras enfermidades

  • Que outras enfermidades acometem freqüentemente os leishmanióticos?
  • As outras enfermidades podem afetar o curso ou resposta terapêutica na leishmaniose?
  • Infecções com forte componente th2 (hanseníase, esquistossomose) influenciam a leishmaniose tegumentar?

Leishmanioses: Identificação precoce de resistência a drogas

  • Qual a importância de resistência a drogas entre as leishmanias?
  • É possível identificar os parasitas que não responderão bem ao tratamento?
  • Há esquemas terapêuticos alternativos no caso de tal identificação?

Leishmanioses: Desenvolvimento de novas drogas

  • Necessidade de drogas menos tóxicas.
  • Há conhecimento básico suficiente?
  • Quem será responsável pelo desenvolvimento?
  • Qual a efetividade de novos regimes terapêuticos das drogas existentes?
  • É viável investigar a combinação de drogas?
  • Qual o potencial de uso de drogas não clássicas, como citocinas?

Leishmanioses: Desenvolvimento de vacinas efetivas

  • Há conhecimento suficiente sobre a imunoproteção nas leishmanioses?
  • Como os conhecimentos de células T reguladoras, imunidade inata, etc., afetam este campo?
  • É necessária a busca de novos antígenos parasitários? Como investigar?
  • Qual a perspectiva de uso de novos adjuvantes?
  • A vacina de DNA é uma alternativa adequada na leishmaniose?
  • Qual o potencial de novas abordagens em vacina: vacina contra produtos da saliva do vetor; vacina de bloqueio de transmissão, e.g.

Metodologia

Inicialmente foram identificadas por especialistas as necessidades de P&D&I para a área. A metodologia proposta foi utilizada para identificar as questões relevantes do tema e destacar o tipo de falha em cada problema apresentado. O grupo avançou na discussão e apresentou várias recomendações para o edital.

Definição de Prioridades de Pesquisa em Saúde - Resultados

Linhas Prioritárias

1. Leishmanioses: aspectos gerais

  • Incentivo a propostas formadas de projetos integrados envolvendo diferentes aspectos dos temas prioritários em leishmanioses.
  • Objetivo bem definido, para o qual os diversos projetos contribuam.
  • Claras inter-relações entre os projetos que resultem numa contribuição de maior relevância do que se realizados isoladamente.
  • Estudos interdisciplinares e/ou multicêntricos.

Submissão dos projetos em duas etapas

Carta de intenção – seleção & coordenação de eventuais grupos.

  • Propostas de pequeno porte.
  • Propostas de grupos associados: médio ou grande porte.

Proposta final – as propostas meritórias isoladas deverão ser integradas em programas de médio ou grande porte.

2. Leishmanioses: Estudos do Parasita

São reconhecidas as lacunas de conhecimentos básicos sobre a biologia do parasita e de sua interação com o hospedeiro, fatores centrais na determinação das formas clínicas da doença, sua gravidade e diferentes apresentações. Essas mesmas lacunas também comprometem a definição de alvos de drogas ou determinação de abordagens vacinais. O conhecimento da organização e composição dos genomas de três espécies de Leishmania (L.major, L.infantum, L.braziliensis) torna-se uma ferramenta e recurso a ser empregado para facilitar esses estudos. O grupo considera que os estudos devam ser conduzidos somente em espécies circulantes no Brasil que tenham relevância para a Saúde Pública.

  • Características do parasita que influenciem na apresentação clínica, resposta ao tratamento e virulência.
  • Características do parasita que orientem o desenvolvimento de vacinas ou drogas.
  • Estudos eficientes e inovadores utilizando técnicas de garimpagem e exploração das informações dos genomas, sem prejuízo de estratégias ‘clássicas’, imunológicas ou celulares/moleculares.

3. Leishmanioses: Estudos das Doenças

O pouco conhecimento de fatores genéticos e imunológicos do hospedeiro relacionados ao mecanismo das leishmanioses, assim como as modificações decorrentes da interação com outros agentes etiológicos, co-morbidades ou drogas utilizadas de forma concomitante, prejudicam a compreensão da evolução clínica, de fatores prognósticos, critérios de cura e da resposta terapêutica.

  • Abordagens prognósticas: desenvolvimento e avaliação de marcadores, de indicadores de gravidade e de resposta terapêutica.
  • Estudos da fisiopatologia da doença, genética e imunologia do hospedeiro.
  • Estudos de impacto clínico e terapêutico de co-infecção e co-morbidade¹. Ver Nota.

4. Leishmanioses: Diagnóstico

Dada a importância do diagnóstico da infecção canina nas ações de controle da LV, é necessária a avaliação e/ou desenvolvimento de testes rápidos e de fácil aplicabilidade considerando, entre outros aspectos, os índices de desempenho e a necessidade de produção em larga escala. Além disso, os testes disponíveis têm sensibilidade limitada em casos de crianças com menos de um ano de idade e na infecção assintomática, tanto humana como canina. O diagnóstico da LTA é hoje baseado primariamente na avaliação clínica associada ao teste de Montenegro o qual apresenta limitações para produção em larga escala. Portanto, testes que demonstrem a presença do parasita ou de seu DNA, aplicáveis à rotina, são necessários.

  • Na LV: Desenvolvimento e validação de testes de realização rápida.
  • Na leishmaniose tegumentar: Desenvolvimento de testes parasitológicos clássicos ou moleculares, relevantes para pauciparasitários, sem prejuízo de propostas para melhoria de diagnósticos já existentes.
  • Testes que permitam a detecção precoce da doença

5. Leishmanioses: Tratamento

Os esquemas terapêuticos adotados atualmente para o tratamento das leishmanioses apresentam diferentes problemas para a utilização em larga escala, como dificuldade de aplicação, toxicidade elevada, necessidade de monitoração clínica, laboratorial e eletrocardiografia, contra-indicações relativas ou totais para idosos, gestantes e pacientes com co-morbidades.

Portanto, deve ser estimulada a utilização de esquemas terapêuticos alternativos que otimizem a eficácia, a relação custo-efetividade e a segurança das drogas existentes. Adicionalmente, o desenvolvimento de novas drogas é um processo longo e extremamente caro. Entretanto, o desenvolvimento de ferramentas para viabilizar a realização de testes em larga escala de compostos já existentes ou bibliotecas de compostos é uma alternativa possível.

  • Desenvolvimento de ferramentas para viabilizar testes de ‘larga escala’ de bibliotecas combinatórias de compostos.
  • Desenvolvimento de novos regimes terapêuticos com as drogas existentes ou combinações das drogas já aprovadas, que contemplem aspectos como eficácia, custo efetividade e segurança;

Estudos de fase III.² Atenção para a Nota.

6. Leishmanioses: Vacinas

Embora exista uma clara compreensão do grupo quanto ao valor da vacinação no controle das leishmanioses, foi consensual a compreensão que o estágio atual do conhecimento dos mecanismos protetores nestas enfermidades não permite prever a obtenção rápida de uma vacina eficaz. A utilização de material obtido em estudos vacinais concluídos ou em curso na busca de marcadores de proteção foi vista como uma estratégia de elevado custo-efetividade.

  • Produção de conhecimento de mecanismos.
  • Avaliação de marcadores putativos de proteção no homem, outros primatas e cães. (Não há prioridade para testes de candidatos vacinais).

7. Leishmanioses: Vetores

Entende-se que a geração de conhecimentos sobre os flebotomíneos poderá preencher lacunas no conhecimento sobre a transmissão das leishmanioses considerando: (i) a complexidade da transmissão da LTA, diante da diversidade de parasitos e vetores determinando padrões epidemiológicos distintos em nichos ecológicos diversificados; (ii) a urbanização crescente da LV; (iii) a necessidade de subsidiar as campanhas de controle das enfermidades de forma eficaz na lógica de um programa de ação integrada e; (iv) aprofundar a relação vetor-homem.

  • Estudos da diversidade de espécies de flebotomíneos associados à transmissão das leishmanioses, sua distribuição geográfica e associação com impacto ambiental.
  • Avaliação da capacidade e competência vetorial de flebotomíneos sugeridos como vetores das leishmanioses.
  • Estudos sobre a composição da saliva dos flebotomíneos vetores e suas propriedades com os desdobramentos sobre patogênese e proteção.

Resposta anti-saliva como marcador epidemiológico na população em área endêmica.

8. Leishmanioses: Reservatórios

Tem-se a avaliação de que o melhor entendimento sobre a eco-epidemiologia das leishmanioses, bem como o êxito das ações de vigilância e controle passam, necessariamente, pelo conhecimento mais apurado sobre os hospedeiros naturais, associados ao ciclo de transmissão silvestre, bem como aos reservatórios que compõem a cadeia epidemiológica no ambiente urbano; tais estudos poderão auxiliar na compreensão dos padrões epidemiológicos de LTA e no processo de urbanização da LV.

  • Para entender a franca expansão da LV e sua urbanização é necessário perceber a importância dos reservatórios, silvestre e doméstico incluindo o homem. Estudos sobre capacidade e competência dos reservatórios para contribuir na manutenção do ciclo e transmissão das doenças.
  • Para entender a manutenção e transmissão da LTA é prioridade investigar a importância, capacidade e competência de reservatórios para L.braziliensis.

9. Leishmanioses: Controle

Tendo em vista a diversidade de cenários epidemiológicos associados à ocorrência das leishmanioses, considera-se que há necessidade de fomentar investigações que contribuam para o esclarecimento da efetividade e eficiência de estratégias de controle nessas distintas situações, particularmente aquelas que contemplem os impactos potenciais de aspectos relacionados às heterogeneidades do processo de transmissão na disseminação dessas doenças.

Recomenda-se:

A investigação da possibilidade de transmissão transfusional das leishmanioses.

Desenvolvimento e avaliação de estratégias de educação ambiental e em saúde, incluindo a associação de estudos entomológicos e de reservatórios, como método de controle de transmissão. (obs: avaliar se isso será contemplado com priorização para doenças negligenciadas no edital de comunicação e informação em saúde).

  • Avaliação da efetividade das atuais estratégias de controle. Serão priorizados estudos sobre o controle vetorial da LV.
  • Avaliação de custo-efetividade de diferentes formas de implementação e operacionalização das estratégias de controle da LV.
  • Desenvolvimento de modelos matemáticos, computacionais ou estatísticos que incorporem aspectos referentes às heterogeneidades associadas ao processo de transmissão das leishmanioses, de forma a subsidiar a avaliação das diferentes estratégias de controle.
  • Associação de estudos entomológicos voltados para as práticas de educação ambiental em saúde, relevantes para o controle das leishmanioses.

10. Linhas transversais – Poderão ser consideradas para todas as DN

  • Instrumentos de bioinformática para exploração dos genomas dos agentes infecciosos e/ou vetores das doenças alvo.
  • Sistemas de avaliação de alto desempenho para exploração de compostos ou bibliotecas combinatórias disponíveis.
  • Estímulo à investigação de tecnologias transversais em vacinologia (adjuvantes, novas abordagens, v.g.).
  • Aspectos de informação e educação para a sociedade.

Considerações gerais

As atuais abordagens de investigação nas leishmanioses são, usualmente, fragmentárias. Julgamos, assim, importante o desenvolvimento de programas que abordem, de forma integrada, expertises distintos e complementares do parasita, hospedeiro, vetor e de fatores externos (ambientais, drogas etc.).

Com tal objetivo, deverão ser incentivadas propostas formadas de projetos integrados envolvendo diferentes aspectos dos temas prioritários em leishmanioses. As propostas devem apresentar um objetivo bem definido, para o qual os diversos projetos contribuem. A proposta deve demonstrar claras inter-relações entre os projetos que resultem numa contribuição de maior relevância do que se fossem realizados isoladamente.

Visando o incentivo aos estudos interdisciplinares e/ou multicêntricos, mas evitando a indução artificial de colaborações, sugerimos que projetos independentes sejam aceitos com o compromisso de integração. Para tanto, sugerimos a submissão dos projetos em duas etapas:

  1. Carta de intenção – para seleção das melhores propostas e coordenação de eventuais grupos. Os projetos contemplando parasita/hospedeiro/vetor etc não precisariam ser integrados, mas ter, no mínimo, calibração de métodos/abordagens/modelos.
  2. Proposta final.

No sentido de promover a integração de grupos emergentes, com ênfase no N, NE e CO, as cartas de intenção, na primeira etapa, poderão ser apresentadas por grupos isolados (propostas de pequeno porte) ou por grupos associados em propostas de médio ou grande porte. Contudo, ao final do processo de seleção, as propostas meritórias isoladas deverão ser integradas em programas de médio ou grande porte.

 
Grupo de Trabalho
Aldina Barral
Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz da Fundação Oswaldo Cruz
Ângela Cruz (Relatora) USP- Universidade de São Paulo
Armando Schuback IPEC/FIOCRUZ - Instituto de Pesquisa Clinica Evandro Chagas
Carlos Henrique Nery Costa UFPI – Universidade Federal do Piauí
Claude Pirmez IOC/FIOCRUZ - Instituto Oswaldo Cruz
Elizabeth Rangel IOC/FIOCRUZ - Instituto Oswaldo Cruz
Guilherme Werneck UFRJ- Universidade Federal do Rio de Janeiro
Lourdes M. Garcez IEC/SVS/MS - Instituto Evandro Chagas da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde
Manoel Barral Neto (Coordenador) UFBA –Universidade Federal das BahiaCNPq- Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Rachel Tardin CONASEMS - Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde
 

¹ Estudos da associação de leishmaniose com HIV e/ou envelhecimento não deverão ser contemplados neste Edital, visto que são foco de outras ações ou serão objetos de Editais específicos.

² Os recursos disponíveis no programa não são suficientes para apoio a estudos de Fase III, contudo esta é uma prioridade elevada no tema. Sugerimos a abertura deste item no Edital, com o compromisso de fornecimento da droga pelo MS. O estabelecimento do limite financeiro dos projetos deverá sinalizar para a necessidade dos proponentes deste tipo de estudo terem acesso a recursos financeiros e/ou logísticos para complementação do volume de recursos necessários à sua realização adequada.