PARECER No 01/93
Pela via da presente consulta, objetiva o Centro de Orienta��o e Atendimento (COA), da Secretaria de Estado da Sa�de do Paran�, manifesta��o da Comiss�o Estadual de Preven��o e Controle da Aids acerca de poss�veis situa��es envolvendo crian�as e adolescentes e aids.
O pedido foi encaminhado � aprecia��o da Subcomiss�o de �tica e Cidadania, cabendo-nos a tarefa de relat�-lo.
A mat�ria de indaga��o, referente � realiza��o de testes anti-HIV e respectiva comunica��o de seus resultados, comporta tratamento diferenciado conforme se trate de crian�a ou de adolescente, bem assim da situa��o social do adolescente, isto �, importa saber se ele:
1. � interno ou abrigado em entidade de atendimento;
2. faz da rua o seu espa�o de moradia e trabalho;
3. ou encontra-se em normal conviv�ncia dentro do ambiente familiar.
Para cada uma dessas situa��es pessoais o equacionamento da quest�o poder� ter diverso conte�do, dadas as peculiaridades de cada qual. � toda evid�ncia, n�o se dispensar-lhe-� igual tratamento.
Antes, por�m, de analis�-las em separado, cumpre fixar determinados pressupostos, aplic�veis a todas as hip�teses e que com elas est�o a interagir, quais sejam:
a) a impossibilidade de se ordenar, compulsoriamente, a realiza��o de testes para detec��o de anticorpos do v�rus HIV;
b) o sigilo a que se circunscreve a revela��o dos resultados dos testes levados a efeito; e
c) a situa��o peculiar de pessoa em desenvolvimento, que � a marca mais significativa da inf�ncia e da adolesc�ncia.
Em primeiro lugar, entendemos ser legalmente vedada a pr�tica do exame compuls�rio para detec��o de anticorpos do v�rus HIV. � que a sua realiza��o, contra a vontade do examinando, implica em viola��o � garantia constitucional assentada no princ�pio da legalidade, alicerce do Estado de Direito Democr�tico. Assim, nos termos do art. 5o, inc. II, da Constitui��o Federal, "ningu�m ser� obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa sen�o em virtude da lei". Por isso que, na esfera de prote��o da liberdade, a lei penal inscreve o delito de constrangimento ilegal ("constranger algu�m, mediante viol�ncia ou grave amea�a, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resist�ncia, a n�o fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela n�o manda" - art. 146), excetuando apenas a interven��o m�dica ou cir�rgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida ou a coa��o exercida para impedir suic�dio. Ainda, e em se tratando de agente funcion�rio p�blico, o art. 4o, da lei no 4.898/65 (que trata dos casos de abuso de autoridade), estabelece como conduta criminosa a de "submeter pessoa sob sua guarda ou cust�dia a vexame ou a constrangimento n�o autorizado em lei".
Para o caso em tela, vale ainda anotar que o Estatuto da Crian�a e do Adolescente, no seu art. 232, indica como comportamento delituoso o de "submeter crian�a ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigil�ncia a vexame ou a constrangimento". J� o C�digo de �tica M�dica, no cap�tulo pertinente aos direitos humanos, assevera ser vedado "efetuar qualquer procedimento m�dico sem o esclarecimento e o consentimento pr�vios do paciente ou de seu representante legal, salvo em iminente perigo de vida" (v. art. 46).
Assim, a conclus�o quanto a este primeiro ponto se faz no sentido de consistir em medida ilegal e eticamente reprov�vel a realiza��o de testes para diagn�stico de infec��o pelo HIV sem o conhecimento e consentimento do examinado (entendimento id�ntico, ali�s, j� foi manifestado por ocasi�o do Parecer datado de 12/09/92, em consulta formulada pelo Chefe da 15o Regional de Sa�de - Maring� a esta Subcomiss�o).
De igual teor � a Resolu��o Conjunta de no 01/92, da SESA/SEJU - PR, que, fundamentada nos arts. 36 e seguintes do C�digo de �tica M�dica, determinou, quanto � realiza��o de testes para detec��o de anticorpos contra o v�rus HIV, "que a solicita��o de testes seja fundamentada somente em crit�rios cl�nicos e epidemiol�gicos; que os testes sejam realizados com pr�vio conhecimento e autoriza��o do indiv�duo; que seja realizado aconselhamento pr�-teste com orienta��o sobre o seu valor, diagn�stico e progn�stico; que sejam estabelecidas a��es educativas sistem�ticas junto a indiv�duos com comportamento de risco e � popula��o em geral, para evitar a infec��o pelo HIV".
Exsurge, ent�o, mais adequado e significativo o desenvolvimento de a��es preventivas e esclarecedoras das quest�es que envolvam a aids, ao inv�s da realiza��o indiscriminada e compuls�ria de testes.
Em segundo lugar, no que concerne ao sigilo que limita a revela��o dos resultados de testes realizados em crian�as e adolescentes, fazemos por referendar as Resolu��es de nos 100/92, do Cremeri, e 266/92, do CRMPR, as quais tiveram por matriz o art. 103, do C�digo de �tica M�dica, que diz ser vedado ao m�dico "revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais e respons�veis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus pr�prios meios para solucion�-lo, salvo quando a n�o revela��o possa acarretar danos ao paciente".
O sigilo m�dico existe para tutelar o paciente. Na rela��o m�dico-paciente se estabelece um v�nculo com componentes de confian�a, posto que o segundo revela ao primeiro aspectos de sua privacidade essencial para o equacionamento do problema de sa�de constatado. E isso vai ao ponto de o m�dico tomar conhecimento de pormenores que integram o recato pessoal. N�o poderia ele, assim, traindo a confian�a nele depositada, revelar a quem quer que seja o que veio a saber de seu paciente, m�xime em se tratando de mol�stia que provoca forte abalo nas rela��es interpessoais e de indiv�duo ainda em fase de desenvolvimento.
Em terceiro lugar, no que diz respeito � sua situa��o de pessoa com idade inferior a dezoito anos, cumpre salientar que cada fase de desenvolvimento do ser humano deve ser reconhecida como revestida de singularidade e completude relativas. Em outras palavras, a crian�a e o adolescente n�o s�o seres inacabados, a caminho da plenitude a ser consumada t�o logo atinja a idade adulta; ao diverso, cada etapa da vida �, ao seu modo, um per�odo de relativa plenitude, que deve ser compreendida e acatada pela fam�lia, pela sociedade e pelo estado.
O jovem se encaminha em dire��o a sua independ�ncia e maturidade, que v�o se traduzindo numa gradativa tomada de consci�ncia de si mesmo, pela observa��o do contexto social em que vive. Bem por isso, � da maior import�ncia que o jovem tenha acesso a informa��es verdadeiras a respeito de quest�es que envolvam temas sexuais, doen�a e at� morte.
No dizer de Ubaldino Calvanto Solare, referindo-se ao novo regime legal estabelecido para a inf�ncia e juventude, "o Estatuto considera que o adolescente, em determinadas circunst�ncias, possui a maturidade suficiente para formar sua opini�o e decidir sobre certos assuntos que o podem afetar e concernem � sua vida pr�pria e seu destino" (cite-se como exemplos nesse campo o seu necess�rio consentimento para ado��o, bem como, em caso de remiss�o, a sua concord�ncia quanto �
medida s�cioeducativa estabelecida pelo Minist�rio P�blico ou pela autoridade judici�ria, entre outros).
A partir dessas premissas, manifestamos o seguinte entendimento em rela��o aos quesitos da presente consulta:
I - Levando-se em considera��o que a crian�a atribui aos pais (ou figura substituta) autoridade �nica e refer�ncia universal, com quem se identifica totalmente, bem como deles esperando o aux�lio necess�rio para o enfrentamento de seus problemas, entendemos que, em qualquer situa��o, os resultados dos testes, nela realizados, s� deve ser comunicado em presen�a dos pais ou representantes legais.
Ressalte-se a imprescindibilidade de atendimento e acompanhamento da crian�a e de seus familiares por servi�o especializado.
II - Em rela��o aos adolescentes, � de se levar em conta as diferentes situa��es em que possa ele se encontrar:
1. Estando abrigado ou internado em entidade de atendimento e manifestando, por vontade pr�pria, desejo de se submeter ao exame, deve este ser realizado, recebendo o respectivo resultado do m�dico da entidade (o mesmo que fizera o aconselhamento pr�-teste), acompanhado de pessoa eventualmente indicada como refer�ncia.
Vale salientar que as entidades de atendimento a crian�as e adolescentes devem ser orientadas e supervisionadas quanto ao tratamento e acompanhamento necess�rios aos portadores do v�rus HIV.
2. Os adolescentes que possuam v�nculos familiares debilitados, elegendo a rua como seu espa�o de moradia, lazer e trabalho, acabam por depender exclusivamente do pr�prio esfor�o para satisfa��o de suas necessidades b�sicas. Assim, v�o construindo sua maturidade, n�o s� ao estabelecer as pr�prias condi��es de sobreviv�ncia, mas tamb�m ao imprimir maneiras e atitudes aptas ao enfrentamento da dura realidade que vivenciam.
Por conseq��ncia, entendemos mais adequado comunicar o resultado do exame em quest�o diretamente ao adolescente que espontaneamente o solicitou, nos termos das Resolu��es j� mencionadas, sem obrigatoriedade da presen�a de seus pais ou respons�vel.
Especialmente nesses casos, incumbe ao Poder P�blico a absoluta garantia de acesso a programas de tratamento aos portadores do v�rus HIV.
3. Por fim, em se tratando de adolescente que viva com sua fam�lia e, em raz�o disso, via de regra possua apoio psicol�gico, material e emocional, entendemos que cabe aos pais o acompanhamento do filho quando da feitura do exame, bem como por ocasi�o do recebimento do respectivo resultado. Assim, � porque os pais, na maioria dos casos, demonstram identifica��o e preocupa��o com os problemas enfrentados pelo filho, nas v�rias fases de desenvolvimento por ele experimentadas.
Tamb�m nesta hip�tese, � mister que se desenvolvam trabalhos de orienta��o e prepara��o junto � fam�lia e, posteriormente, de acompanhamento ao tratamento a ser recebido.
� o parecer.
Curitiba, 14 de setembro de 1993.
MINIST�RIO P�BLICO DO ESTADO DO PARAN�
PROCURADORIA GERAL DE JUSTI�A
PROMOTORIA DE DEFESA DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
COMISS�O ESTADUAL DE CONTROLE E PREVEN��O DA AIDS
SUBCOMISS�O DE �TICA E CIDADANIA
Olympio de S� Sotto Maior Neto
Procurador de Justi�a
Marcos Bittencourt Fowler
Promotor de justi�a
Tema: Paran� - Parecer da C�mara T�cnicas da �tica e Cidadania de dst/aids
Link: www.aids.gov.br/final/biblioteca/legislacao/vol3_37.htm