Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial da União
A Secretária de Atenção à Saúde - Substituta, no uso de suas atribuições, adota a seguinte Consulta pública e determina sua publicação,
Considerando a importância do papel que desempenha o uso de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas para a melhoria da qualidade dos processos de atenção à saúde, para a prescrição segura e eficaz, para a democratização do conhecimento médico, para o aperfeiçoamento da educação médica continuada, para a melhoria da qualidade da informação prestada aos pacientes tornando-os partícipes das decisões a serem tomadas e para a melhoria dos processos gerenciais dos programas assistenciais;
Considerando a necessidade de estabelecer Protocolo Clínico para Doença Celíaca, observando ética e tecnicamente a prescrição médica, regulamente as indicações e esquemas terapêuticos e estabeleçam mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliação de resultados, garantindo assim a prescrição segura e eficaz;
Considerando a necessidade do Protocolo Clínico para Doença Celíaca a ser estabelecido seja fruto de consenso técnico e científico, que seja formulado dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;
Considerando a necessidade de se promover ampla discussão deste Protocolo Clínico para Doença Celíaca, possibilitando a participação efetiva da comunidade técnico-científica, sociedades médicas, profissionais de saúde e gestores do Sistema Único de Saúde - SUS, na sua formulação, resolve:
Art. 1º - Submeter à Consulta Pública o Protocolo Clínico para Doença Celíaca, constante do Anexo deste Ato.
Art. 2º - Estabelecer o prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da publicação desta Consulta Pública, para que sejam apresentadas contribuições, devidamente fundamentadas relativas à proposta de que trata o Artigo 1º deste Ato.
§ 1º As sugestões devem ser encaminhadas para o seguinte endereço eletrônico: mediacomplexidade@saude.gov.br.
§ 2º As sugestões enviadas deverão, obrigatoriamente, estar fundamentadas por Revisão Sistemática da Literatura e Meta-análises;
§ 3º As sugestões deverão ser acompanhadas pelos documentos que as fundamentam, conforme previsto no parágrafo 2º.
Sendo que no caso de publicações estrangeiras, as mesmas deverão ser enviadas na versão original, sem tradução.
Art. 3º - Determinar que o Departamento de Atenção Especializada - DAE/SAS/MS por meio da Coordenação Geral da Alta Complexidade, avalie as proposições apresentadas, elaborando a versão final consolidada do Protocolo Clínico da Doença Celíaca ora submetido à Consulta Pública, para que, findo o prazo estabelecido no Artigo 2º, esse seja aprovado e publicado, passando a vigorar em todo o território nacional.
Art. 4º - Esta Consulta Pública entra em vigor na data de sua publicação.
ANEXO
Protocolo Clínico da Doença Celíaca
1. Introdução
A doença celíaca é uma intolerância permanente induzida pelo glúten - principal fração protéica presente no trigo, centeio e cevada - que se expressa por enteropatia mediada por linfócitos T, em indivíduos geneticamente predispostos.
Estudos de prevalência da Doença Celíaca (DC) têm demonstrado que esta doença é mais freqüente do que anteriormente se acreditava (1), e que continua sendo subestimada. A falta de informação sobre a patologia e a dificuldade de diagnóstico prejudica a adesão ao tratamento e limitam as possibilidades de melhora do quadro. Outra particularidade é o fato da doença celíaca ser considerada uma patologia predominantemente da raça branca, embora existam relatos de sua incidência em indivíduos mulatos e negros. Estudos revelam que o problema atinge pessoas de todas as idades, mas compromete principalmente crianças de seis meses a cinco anos. Também foi notada uma freqüência maior em mulheres em relação aos homens (duas mulheres para cada homem). O caráter hereditário da doença torna imprescindível que parentes de primeiro grau de celíacos façam testes de triagem para detecção da patologia.
Três formas de apresentação clínica da doença celíaca são reconhecidas: clássica ou típica, não clássica ou atípica, e assintomática ou silenciosa (14,15):
• forma clássica: caracterizada pela presença de diarréia crônica, em geral acompanhada de distensão abdominal e perda de peso. O paciente também pode apresentar diminuição do tecido celular subcutâneo, atrofia da musculatura glútea, falta de apetite, alteração de humor (irritabilidade ou apatia), vômitos e anemia. A forma clínica clássica pode ter evolução grave, conhecida como crise celíaca, que pode ocorrer quando há retardo no diagnóstico e tratamento adequado, particularmente entre o primeiro e o segundo ano de vida, e freqüentemente desencadeada por infecção. Esta complicação potencialmente fatal se caracteriza pela presença de diarréia grave com desidratação hipotônica grave, distensão abdominal importante por hipopotassemia, desnutrição grave, além de outras manifestações como hemorragia e tetania.
• forma atípica: caracteriza-se por quadro mono ou paucisintomático,
onde as manifestações digestivas estão ausentes ou quando
presentes ocupam um segundo plano. Os pacientes deste grupo podem apresentar
manifestações isoladas, como por exemplo: baixa estatura, anemia
por deficiência de ferro refratária à ferroterapia oral,
anemia por deficiência de folato e vitamina B12, osteoporose, hipoplasia
do esmalte dentário, artralgias ou artrites, constipação
intestinal refratária ao tratamento, atraso puberal, irregularidade
do ciclo menstrual, esterilidade, abortos de repetição, ataxia,
epilepsia (isolada ou associada a calcificação cerebral), neuropatia
periférica, miopatia, manifestações psiquiátricas
- depressão, autismo, esquizofrenia -, úlcera aftosa recorrente,
elevação das enzimas hepáticas sem causa
aparente, fraqueza, perda de peso sem causa aparente, edema de aparição
abrupta após infecção ou cirurgia.
• forma silenciosa: caracterizada por alterações sorológicas
e histológicas da mucosa do intestino delgado compatíveis com
DC associada a ausência de manifestações clínicas.
Esta situação pode ser comprovada especialmente entre grupos
de risco para a DC, como, por exemplo, familiares de primeiro grau de pacientes
com DC, e
vem sendo reconhecida com maior freqüência nas últimas duas
décadas após o desenvolvimento dos marcadores sorológicos
para a doença celíaca.
Deve-se mencionar a dermatite herpetiforme, considerada doença celíaca da pele, que se apresenta com lesões de pele do tipo bolhosa e extremamente pruriginosa, que se caracteriza por também ser uma intolerância permanente ao glúten.
2. Classificação CID 10
K90.0 Doença celíaca
3. Critérios de inclusão
Serão incluídos neste protocolo pacientes que apresentarem as formas de apresentação clínica clássica e atípica.
Também deverão ser incluídos os indivíduos pertencentes
a grupos de risco, cuja prevalência de DC é consideravelmente
maior do que a população geral, como, por exemplo: familiares
de primeiro grau de pacientes com DC (16-19); indivíduos com anemia
por deficiência de ferro refratária à ferroterapia oral
(20); com redução da densidade mineral óssea (21-22);
com atraso puberal ou baixa estatura sem causa aparente (23-24); portadores
de doenças auto-imunes como diabetes melito insulino dependente (25),
tireoidite auto-imune (26), deficiência seletiva de IgA (27), Síndrome
de Sjögren (28), colestase autoimune (29), miocardite autoimune (30);
indivíduos com síndrome de Down (31); com síndrome de
Turner (32); com síndrome de Williams (32); com infertilidade (33);
com história de aborto espontâneo
(34); com dermatite herpetiforme (35).
4. Diagnóstico
Para o diagnóstico da DC é imprescindível a realização da biópsia de intestino delgado (considerada o padrão ouro no diagnóstico da doença) que pode ser obtida através da pinça de biópsia de endoscopia gastrointestinal, devendo-se obter pelo menos 4 fragmentos da porção mais distal do duodeno, pelo menos segunda ou terceira porção (32). Também, é possível a obtenção de fragmento de biópsia de intestino delgado mediante cápsula peroral, localizando-a no jejuno. Há uma tendência progressiva de substituição da biópsia intestinal com cápsula pela biópsia endoscópica com pinça.
Os marcadores sorológicos são úteis para identificar os indivíduos que deverão realizar biópsia de intestino delgado, especialmente aqueles com: ausência de sintomas gastrointestinais, doenças associadas à DC, rastreamento de familiares de primeiro grau assintomáticos, e para estudos epidemiológicos para se determinar a prevalência de DC. São três os principais testes sorológicos para a DC: anticorpo antigliadina, anticorpo antiendomísio e anticorpo antitransglutaminase.
Com relação ao anticorpo antigliadina, descrito por Haeney et al., em 1978, determinada pela técnica de ELISA, deve-se mencionar que a especificidade do anticorpo da classe IgA (71 a 97% nos adultos e 92 a 97% nas crianças) é maior do que da classe IgG (50%), e que a sensibilidade é extremamente variável em ambas as classes (33).
O anticorpo antiendomísio da classe IgA, descrito por Chorzelski et al, em 1984, é baseado na técnica de imunofluorescência indireta. Apresenta alta sensibilidade (entre 88 e 100% nas crianças e entre 87 a 89% no adulto), sendo baixa em crianças menores de dois anos. A especificidade também é alta (91 a 100% nas crianças e 99% nos adultos) (36). No entanto, é um teste que depende da experiência do examinador, com custo relativamente alto e técnica mais trabalhosa do que a de ELISA.
Com relação ao anticorpo antitransglutaminase da classe IgA, descrito por Dieterich et al., em 1997, obtido pelo método de ELISA, observa-se elevada sensibilidade (92 a 100% em crianças e adultos) e especificidade (91 a 100%) (36).
Em resumo, há superioridade do anticorpo antiendomísio e do anticorpo antitransglutaminase, ambos da classe IgA, principalmente o anticorpo antitransglutaminase recombinante humana IgA, em relação ao antigliadina, e considerando a maior facilidade da dosagem do anticorpo antitransglutaminase, método de ELISA, este pode ser o teste recomendável para avaliação inicial dos indivíduos com suspeita diagnóstica.
Deve-se destacar que a deficiência de imunoglobulina A é responsável por resultados falsos negativos dos testes sorológicos antiendomísio e antitransglutaminase da classe IgA.
Os marcadores sorológicos, também, são úteis no acompanhamento do paciente celíaco, como, por exemplo, para detectar transgressão à dieta.
A suscetibilidade genética é determinada pelo antígeno de histocompatibilidade (HLA). Cerca de 90% dos pacientes com DC apresentam HLA DQ2, enquanto que, aproximadamente, 5% dos pacientes com DC que não apresentam HLA DQ2 apresentam HLA do tipo DQ8. Vale mencionar que 30% da população geral é DQ2 positivo (36).
Deve-se enfatizar que, até o momento, os marcadores sorológicos para DC não substituem a biópsia de intestino delgado que continua sendo o padrão ouro para o diagnóstico de DC.
Para que a interpretação histológica do fragmento de
biópsia de intestino delgado seja fidedigna é fundamental o
intercâmbio entre o endoscopista e o médico responsável
pela interpretação do diagnóstico de DC - de preferência
médico especializado em Gastroenterologia Pediátrica ou Clínica
- com o patologista. A orientação do fragmento de biópsia
pelo endoscopista e a inclusão correta deste material em parafina pelo
histotecnologista são de extrema importância para a avaliação
anátomo-patológica. A lesão clássica da DC consiste
em mucosa plana ou quase plana, com criptas alongadas e aumento de mitoses,
epitélio superficial cubóide, com vacuolizações,
borda estriada borrada, aumento do número de linfócitos intraepiteliais
e lâmina própria com denso infiltrado de linfócitos e
plasmócitos. Marsh, em 1992, demonstrou haver seqüência
da progressão da lesão da mucosa de intestino delgado na DC:
estágio 0 (padrão
pré-infiltrativo) com fragmento sem alterações histológicas
e, portanto, considerado normal; estágio I (padrão infiltrativo)
em que a arquitetura da mucosa apresenta-se normal com aumento do infiltrado
dos linfócitos intra-epiteliais (LIE); estágio II (lesão
hiperplásica) caracterizado por alargamento das criptas e aumento do
número de LIE; estágio III (padrão destrutivo) onde há
presença de atrofia vilositária, hiperplasia críptica
e aumento do número de LIE; e estágio IV (padrão hipoplásico)
caracterizado por atrofia total com hipoplasia críptica, considerada
forma possivelmente irreversível. Nos últimos anos, alguns autores
têm tentado aperfeiçoar este critério, tanto no que diz
respeito à valorização do grau de atrofia vilositária
(37), quanto em padronizar o número de linfócitos intraepiteliais
considerados aumentados (38-41).
É necessário comentar que a alteração de mucosa intestinal do tipo Marsh III, onde há presença de atrofia vilositária, demonstra evidência de associação de DC (32,36), embora não seja lesão patognomônica desta doença.
A primeira padronização do diagnóstico da DC foi proposta pela Sociedade Européia de Gastroenterologia Pediátrica em 1969 (42). Este critério recomendava a primeira biópsia diagnóstica, a seguir dois anos de dieta sem glúten e biópsia de controle; caso esta fosse normal, seria necessário o desencadeamento com dieta com glúten por três meses ou até aparecimento de sintomas, e a 3ª biópsia que, se mostrasse alterações compatíveis com a doença comprovaria definitivamente a DC. Caso não houvesse alteração nesta última biópsia, o paciente deveria permanecer em observação por vários anos, pois poderia tratar-se de erro diagnóstico ou retardo na resposta histológica.
Em 1990, após a introdução dos anticorpos e melhor experiência com a doença, a mesma Sociedade modificou estes critérios, dispensando a provocação e a 3ª biopsia na maioria dos pacientes (43). Exceções a isto quando o diagnóstico fosse estabelecido antes dos dois anos de idade, quando houvesse dúvida com relação ao diagnóstico inicial, como por exemplo, falta evidente de resposta clínica ao tratamento, não realização de biópsia inicial ou quando esta biópsia foi inadequada ou não típica da DC (43).
5. Tratamento e Prognóstico
O tratamento da DC consiste na dieta sem glúten, devendose portanto excluir da alimentação o trigo, centeio, cevada e aveia, durante toda a vida (44).
Com a instituição de dieta totalmente sem glúten há completa normalização da mucosa intestinal, assim como das manifestações clínicas.
É necessário destacar que as deficiências nutricionais decorrentes da má-absorção dos macro e micronutrientes devem ser diagnosticadas e tratadas, como, por exemplo, deficiência de ferro, ácido fólico, vitamina B12 e cálcio. Assim, deve-se atentar à necessidade de terapêutica medicamentosa adequada para correção destas deficiências.
Há relatos de uma série de complicações não malignas da doença celíaca como, por exemplo, osteoporose, esterilidade, distúrbios neurológicos e psiquiátricos (45). Dentre as complicações malignas estão o linfoma, carcinoma de esôfago e faringe, e adenocarcinoma de intestino delgado (46). O risco de complicações está associado com a não obediência à dieta isenta de glúten.
Portanto, esses dados justificam a prescrição de dieta totalmente isenta de glúten, durante toda a vida, a todos os pacientes com doença celíaca, independentemente das manifestações clínicas.
Forma clássica:
diarréia crônica
Forma atípica:
baixa estatura
anemia por deficiência de ferro refratária à ferroterapia
oral, anemia por deficiência de folato e vitamina B12
osteoporose
hipoplasia do esmalte dentário
artralgias ou artrites
constipação intestinal refratária ao tratamento
atraso puberal, irregularidade do ciclo menstrual
esterilidade
abortos de repetição
ataxia, epilepsia (isolada ou associada a calcificação cerebral),
neuropatia periférica, miopatia
manifestações psiquiátricas (depressão, autismo,
esquizofrenia)
úlcera aftosa recorrente
elevação das enzimas hepáticas sem causa aparente
fraqueza ou perda de peso sem causa aparente
edema de aparição abrupta após infecção
ou cirurgia
Grupos de risco:
familiares de primeiro grau de pacientes com DC
anemia por deficiência de ferro refratária à ferroterapia
oral
redução da densidade mineral óssea atraso puberal ou
baixa estatura sem causa aparente portadores de doenças auto-imunes
como diabetes melito insulino dependente, tireoidite auto-imune, deficiência
seletiva de IgA, Síndrome de Sjögren, colestase autoimune, miocardite
autoimune
síndrome de Down
síndrome de Turner
síndrome de Williams
infertilidade
história de aborto espontâneo
dermatite herpetiforme
6. Fluxograma de diagnóstico da doença celíaca:
Em Anexo (formato EPS)
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