Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial da União
O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,
Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre a síndrome de Guillain-Barré no Brasil e de diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;
Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;
Considerando a Portaria SAS/MS nº 375, de 10 de novembro de 2009, que aprova o roteiro a ser utilizado na elaboração de PCDT, no âmbito da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS;
Considerando a Consulta Pública SAS nº 08, de 10 de novembro de 2009; e
Considerando a avaliação do Departamento de Atenção Especializada - DAE/SAS, resolve:
Art. 1º Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - SÍNDRO-ME DE GUILLAIN-BARRÉ.
§ 1º O Protocolo objeto deste artigo, que contêm o conceito geral da síndrome de Guillain-Barré, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes;
§ 2º É obrigatória a observância desse Protocolo para fins de dispensação do medicamento nele previsto;
§ 3º É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso do medicamento preconizado para o tratamento da síndrome de Guillain-Barré, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Esclarecimento e Responsabilidade, conforme o modelo integrante do Protocolo.
§ 4º Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Fica revogada a Portaria SAS/MS nº 496, de 11 de setembro de 2007, publicada no Diário Oficial da União, de 12 de setembro de 2007.
ANEXO
PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS
SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ
1.METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA
Para a análise de eficácia dos tratamentos específicos para síndrome de Guillain-Barré atualmente registrados na ANVISA e, portanto, disponíveis para utilização e comercialização no Brasil, foram realizadas as buscas nas bases descritas abaixo. Foram avaliados todos os estudos disponíveis nas bases descritas e selecionadas para avaliação metanálises e ensaios clínicos randomizados, controlados e duplo-cegos publicados até a data limite de 01/10/2009.
Na base Medline/Pubmed:
-"Intravenous Immunoglobulins"[Substance Name] AND "Guillain Barre Syndrome"[Mesh]
-"Intravenous Immune Globulin"[Substance Name] AND "Guillain Barre Syndrome"[Mesh]
-"Immunoglobulins, IV"[Substance Name] AND "Guillain Barre Syndrome"[Mesh]
-"Plasmapheresis"[Substance Name] AND "Guillain Barre Syndrome"[Mesh]
-"Plasmapheresis"[Substance Name] AND "Guillain Barre Syndrome"[Mesh]
-"Plasmapheresis"[Substance Name] AND "Guillain Barre Syndrome"[Mesh]
- limitadas a: "Humans, Meta-Analysis, Randomized Controlled Trial"
Na base Ovid MEDLINE:
-Intravenous Immunoglobulins AND Guillain Barre Syndrome AND Clinical Trial [Publication Type]
- Plasmapheresis AND Guillain Barre Syndrome AND Clinical Trial [Publication Type]
Na base Cochrane:
-"Intravenous Immunoglobulins"
-"Plasmapheresis"
-"Guillain Barre Syndrome"
2.INTRODUÇÃO
A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é a maior causa de paralisia flácida generalizada no mundo,1,2 com incidência anual de 1 a 4 por 100.000 habitantes,1 e pico entre 20 e 40 anos de idade. Não existem dados epidemiológicos específicos para o Brasil. Trata-se de uma doença de caráter autoimune que acomete primordialmente a mielina da porção proximal dos nervos periféricos de forma aguda/subaguda.
Aproximadamente 60% a 70% dos pacientes com SGB apresenta alguma doença aguda precedente (1 a 3 semanas antes),3,4 sendo a infecção por Campilobacter jejuni a mais freqüente (32%), seguida por citomegalovirus (13%), virus Epstein Barr (10%) e outras infecções virais, tais como hepatite por vírus tipo A, B e C, influenza e HIV.1,5 Outros fatores precipitantes de menor importância são cirurgia, imunização e gravidez.6,7
A maioria dos pacientes percebe inicialmente a doença através de sensação de parestesias nas extremidades distais dos membros inferiores e, em seguida, superiores. Dor neuropática lombar ou nas pernas pode ser vista em pelo menos 50% dos casos.2 Fraqueza progressiva é o sinal mais perceptível ao paciente, ocorrendo geralmente nesta ordem: membros inferiores, braços, tronco, cabeça e pescoço. A intensidade pode variar desde fraqueza leve, que sequer motiva a busca por atendimento médico em nível primário,8 até a ocorrência de tetraplegia completa com necessidade de ventilação mecânica (VM) por paralisia de musculatura respiratória acessória. Fraqueza facial ocorre na metade dos pacientes ao longo do curso da doença. Entre 5% e 15% dos pacientes desenvolvem oftalmoparesia e ptose. A função esfincteriana é, na maioria das vezes, preservada, enquanto a perda dos reflexos miotáticos pode preceder os sintomas sensitivos até mesmo em músculos pouco afetados. Instabilidade autonômica é um achado comum, causando eventualmente arritmias importantes1,5, mas que raramente persistem após duas semanas.7
A doença usualmente progride por 2 a 4 semanas. Pelo menos 50% a 75% dos pacientes atingem seu nadir na segunda semana, 80% a 92% até a terceira semana e 90% a 94% até a quarta.5,9 Insuficiência respiratória com necessidade de VM ocorre em até 30% dos pacientes nesta fase.10 Progressão de sinais e sintomas por mais de 8 semanas exclui o diagnóstico de SGB, sugerindo então uma polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC). Passando a fase da progressão, a doença entra num platô por vários dias ou semanas com subseqüente recuperação gradual da função motora ao longo de vários meses. Entretanto, apenas 15% dos pacientes ficarão sem nenhum déficit residual após 2 anos do início da doença e 5% a 10% permanecerão com sintomas motores ou sensitivos incapacitantes. A mortalidade nos pacientes com SGB é de aproximadamente 5% a 7%, geralmente resultante de insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, embolia pulmonar, arritmias cardíacas e sepse hospitalar.5,10
Os fatores de risco para um mau prognóstico funcional são idade acima dos 50 anos, diarréia precedente, início abrupto de fraqueza grave (menos de 7 dias), necessidade de ventilação mecânica e amplitude do potencial da neurocondução motora menor do que 20% do limite normal.5,11-13. O prognóstico motor é melhor nas crianças, pois necessitam menos de suporte ventilatório e recuperam-se com maior rapidez.5. Recorrência do episódio pode ocorrer em até 3% dos casos, não havendo relação com a forma de tratamento utilizada na fase aguda, conforme se acreditava.14
3. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)
- G61.0 Síndrome de Guillain-Barré
4. DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da SGB é primariamente clínico. No entanto, exames complementares são necessários para confirmar a impressão clínica e excluir outras causas de paraparesia flácida.
4.1. DIAGNÓSTICO CLÍNICO
Os pacientes com SGB devem obrigatoriamente apresentar graus inequívocos de fraqueza em mais de um segmento apendicular de forma simétrica, incluindo musculatura craniana. Os reflexos miotáticos distais não podem estar normais. A progressão dos sinais e sintomas é de suma importância, não podendo ultrapassar 8 semanas e com recuperação 2-4 semanas após fase de platô. Febre e disfunção sensitiva são achados pouco freqüentes, devendo levantar suspeita de uma etiologia alternativa, de causa provavelmente infecciosa.
4.2. DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
4.2.1. Análise do líquido cefalorraquidiano: elevação da proteinorraquia acompanhada por poucas células mononucleares é o achado laboratorial característico, evidente em até 80% dos pacientes após a segunda semana. Entretanto, na primeira semana, a proteinorraquia pode ser normal em até 1/3 dos pacientes. Caso o número de linfócitos no líquido cefalorraquidiano exceda 10 células/mm3, deve-se suspeitar de outras causas de polineuropatia, tais como sarcoidose, doença de Lyme ou infecção pelo vírus HIV.2
4.2.2. Diagnóstico eletrofisiológico: A SGB é um processo dinâmico com taxa de progressão variável.2 O ideal seria examinar o paciente após a primeira semana do início dos sintomas, quando as alterações eletrofisiológicas são mais evidentes e melhor estabelecidas. É importante salientar que a ausência de achados eletrofisiológicos dentro deste período não exclui a hipótese de SGB. No entanto, a exploração eletrofisiológica faz-se necessária para a exclusão de outras doenças neuromusculares causadoras de paraparesia flácida aguda.
Neurocondução motora: os marcos eletrofisiológicos de desmielinização incluem latências distais prolongadas, lentificação de velocidades de condução, dispersão temporal, bloqueio de condução e latências da onda-F prolongadas, todos estes parâmetros geralmente simétricos e multifocais. Existem controvérsias a respeito da precocidade dos achados eletrofisiológicos. Algumas autoridades sugerem que o bloqueio de condução seja a alteração mais precoce,15 enquanto outros autores relatam que as latências motoras distais prolongadas e o prolongamento ou ausência da onda-F e onda-H são os achados mais precoces.16,17
Neurocondução sensitiva: entre 40% e 60% dos pacientes demonstrará anormalidades tanto na velocidade de condução quanto na amplitude (mais freqüente) de vários potenciais de neurocondução sensitiva; tais achados podem estar ausentes durante as primeiras semanas da doença.18 Pode levar até 4 a 6 semanas para que alterações destes potenciais sejam facilmente detectadas.19
4.3. CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS11
Existem vários critérios propostos para a definição do diagnóstico de SGB, sendo exigidas TODAS as seguintes condições abaixo:
a) Presença de DOIS Critérios Essenciais;
b) Presença de pelo menos TRÊS Critérios Clínicos Sugestivos de SGB;
c) Não apresentar mais do que UMA situação que reduza a possibilidade de SGB;
d) Não apresentar NENHUMA situação que exclua o diagnóstico de SGB;
e) Caso apresente UM achado que reduza a possibilidade de SGB deve ter líquido cefalorraquidiano e estudo neurofisiológico compatíveis com a doença e investigação adicional criteriosa com intuito de afastar outras etiologias. Nestas situações, deve ser avaliado por consultor médico especialista em doenças neuromusculares.
Abaixo, são mostrados os critérios essenciais, que sugerem, reduzem ou excluem o diagnóstico da SGB, bem como uma escala de gravidade da SGB9.
I - Critérios Essenciais para o diagnóstico da SGB
a) Fraqueza progressiva de mais de um membro ou de músculos cranianos de graus variáveis, desde paresia leve até plegia;
b) Hiporreflexia e arreflexia distal com graus variáveis de hiporreflexia proximal.
II - Critérios SUGESTIVOS
Clínicos
a) Progressão dos sintomas ao longo de 4 semanas;
b) Demonstração de relativa simetria da paresia de membros;
c) Sinais sensitivos leves a moderados;
d) Envolvimentos de nervos cranianos, especialmente fraqueza bilateral dos músculos faciais;
e) Dor
f) Disfunção autonômica;
g) Ausência de febre no início do quadro.
Análise do Líquor
a) Alta concentração de proteína;
b) Presença de menos de 10 células/mm3.
Estudo eletrofisiológico típico5,11*
São necessários 3 dos 4 critérios abaixo:
a) Redução da velocidade de condução motora em 2 ou mais nervos;
b) Bloqueio de condução do potencial na neurocondução motora ou dispersão temporal anormal em 1 ou mais nervos;
c) Prolongamento da latência motora distal em 2 ou mais nervos;
d) Prolongamento de latência da Onda-F ou ausência da mesma;
*geralmente ausentes antes de 5-7 dias, podendo não revelar anormalidades em até 15-20% dos casos após este período
III - Situações que REDUZEM a possibilidade da SGB
a) Fraqueza assimétrica;
b) Disfunção intestinal e de bexiga no início do quadro;
c) Ausência de resolução de sintomas intestinais/urinários;
d) Presença de mais de 50 células/mm3 na análise do líquido cefalorraquidiano;
e) Presença de células polimorfonucleares no líquido cefalorraquidiano;
f) Nível sensitivo bem demarcado.
IV - Situações que EXCLUEM a possibilidade da SGB
a) História de exposição a hexacarbono, presente em solventes, tintas, pesticidas ou metais pesados;
b) Achados sugestivos de metabolismo anormal da porfirina;
c) História recente de difteria;
d) Suspeita clínica de intoxicação por chumbo (ou outros metais pesados);
e) Síndrome sensitiva pura (ausência de sinais motores);
f) Diagnóstico de botulismo, miastenia gravis, poliomielite, neuropatia tóxica, paralisia conversiva.
4.4. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL9
A SGB é uma das causas mais freqüentes de polineuropatia aguda vista nos hospitais gerais, entretanto várias outras condições neurológicas devem ser distinguidas da SGB.
O dilema imediato é diferenciar SGB de uma doença medular aguda ("segundo versus primeiro neurônio"). Confusão pode ocorrer nas lesões medulares agudas em que os reflexos são inicialmente abolidos (choque espinhal). Nestas situações, outros sinais devem ser buscados. A ausência de nível sensitivo bem definido ao exame físico neurológico, o envolvimento da musculatura facial e respiratória acessória, o padrão parestésico em bota e luva relatado espontaneamente pelo paciente, com relativa preservação da sensibilidade distal falam a favor da SGB. A perda do controle esfincteriano, disfunção autonômica e dor lombar podem ocorrer em ambos os casos, embora predominem nas mielopatias. Paralisia predominantemente motora é também característica da poliomielite ou de outras mielites infecciosas. Febre, sinais meníngeos, pleocitose liquórica e distribuição assimétrica da fraqueza costumam coexistir nestes casos.
Outras causas importantes de polineuropatia aguda que devem sempre ser incluídas no diagnóstico diferencial da SGB são: infecciosas (HIV, Lyme, difteria), paraneoplásicas (principalmente carcinoma brônquico de pulmão), autoimunes (doenças do colágeno, vasculites primárias), tóxicas (história exposicional a amiodarona, cloroquina, organofosforados, metais pesados entre outros agentes) e metabólicas (porfiria). A polineuropatia deve ser diferenciada da SGB pelo seu tempo de progressão motora superior a 8 semanas.
Ptose e fraqueza oculomotora podem causar confusão com miastenia gravis. No entanto, nesta situação não há padrão ascendente de perda de força e os reflexos miotáticos são usualmente preservados.
Por fim, nos pacientes criticamente enfermos, uma variedade de distúrbios neuromusculares (polineuromiopatia) pode existir e devem ser distinguidos da SGB. Esses incluem a polineuropatia ou a miopatia do paciente crítico, neuropatia rapidamente progressiva nos pacientes com insuficiência renal recebendo sessões de diálise peritoneal, hipofosfatemia aguda induzida por hiperalimentação, miopatia por corticóide e efeitos prolongados de bloqueadores musculares. Nestes casos o estudo eletrofisiológico e do líquido cefalorraquidiano é de grande auxílio na definição de doença desmielinizante.
5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Serão incluídos neste protocolo de tratamento todos os pacientes que:
-Preencherem os critérios diagnósticos do item 3, incluindo as formas variantes da SGB, avaliados por médico especialista em Neurologia através de laudo detalhado.
-Apresentarem doença moderada-grave (Escala de incapacidade e 3) e com menos de 4 semanas de evolução.
6. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Serão excluídos todos os pacientes com mais de 30 dias de evolução, insuficiência renal ou que apresentarem contra-indicações ou efeitos adversos não toleráveis à imunoglobulina intravenosa, tais como presença de níveis altos de IgA e infecção ativa.
7. CASOS ESPECIAIS
7.1. SGB EM CRIANÇAS: os achados clínicos, laboratoriais e eletrofisiológicos nas crianças com SGB são similares aos encontrados nos adultos. No entanto, nesta população a prevalência de infecção precedente é de 75% e a queixa principal mais freqüente é a dor. A maioria das crianças com SGB tem recuperação satisfatória, mesmo com redução significativa da amplitude do potencial de neurocondução motora.20 Embora a posologia mais frequente da IGIV seja de 0.4g/Kg por 5 dias, em um estudo envolvendo 50 crianças, não foi observada diferença de desfechos quando a IGIV foi aplicada por dois dias em comparação com cinco dias.21 Desta forma o tempo de uso da IGIV em crianças não deve ultrapassar 2 dias.
7.2. NEUROPATIA AXONAL SENSITIVO-MOTORA AGUDA (NASMA): primeiramente descrita como uma variante axonal da SGB,2 do ponto de vista clínico e eletrofisiológico inicial é indistinguível da SGB. Da mesma forma que a SGB, a doença inicia com anormalidades sensitivas subjetivas nas extremidades e evolução mais rápida (poucos dias) da fraqueza generalizada, a maioria necessitando de VM. O prognóstico da NASMA é pior do que na SGB e a maioria dos pacientes exibe recuperação motora lenta e incompleta.22 Em adição ao padrão liquórico usual de hiperproteinorraquia sem pleocitose, também visto nos pacientes com SGB, há evidência de infecção recente por Campilobacter jejuni e presença de anticorpos anti-gangliosídeos, particularmente anti-GM1. Embora não existam ensaios clínicos randomizados e controlados específicos para esta variante, e devido à impossibilidade de diferenciação clínica (e eletrofisiológica, pelo menos na fase inicial) entre NASMA e SGB, ambas situações são tratadas de forma semelhante.9
7.3. NEUROPATIA AXONAL MOTORA AGUDA (NAMA): outra variante axonal da SGB, caracterizada por início abrupto de fraqueza generalizada, com músculos distais mais gravemente afetados do que os proximais. Déficits de nervos cranianos e insuficiência respiratória exigindo VM estão presentes em 33% dos casos. Ao contrário da SGB e da NASMA, sintomas sensitivos estão ausentes, bem como os reflexos tendinosos podem ser normais. Presença de anticorpos anti-GM1 e anti-GD1 são comumente detectados nestes pacientes, usualmente associados com infecção recente por Campilobacter jejuni.23,24 Os pacientes com NAMA geralmente apresentam boa recuperação, dentro do primeiro ano, mas fraqueza distal residual é comum. Não existem ensaios clínicos específicos avaliando a eficácia da imunoglobulina ou da plasmaferese para NAMA. No entanto, é provável que esta entidade esteja incluída em alguns ensaios para SGB comparando estas duas modalidade terapêuticas, como evidenciado posteriormente na análise criteriosa dos pacientes selecionados para o estudo do Dutch GBS Trial.25 Neste estudo, 18% dos pacientes inicialmente identificados como SGB, apresentavam na realidade NAMA, havendo recuperação mais rápida com a administração de imunoglobulina isolada na análise deste subgrupo, sendo, portanto uma prática justificada nestes casos.
7.4. OUTRAS VARIANTES DE GUILLAIN-BARRÉ:
SÍNDROME DE MILLER-FISHER é caracterizada pela tríade ataxia, arreflexia a oftalmoplegia. Diplopia é a queixa inicial mais freqüente (39% a 78%), seguido por ataxia (21% a 34%) de etiologia provavelmente sensitiva. Paresia de outros nervos cranianos, especialmente do sétimo, pode ocorrer. Fraqueza apendicular proximal pode ser demonstrada ao longo do curso da doença em aproximadamente 1/3 dos casos, podendo haver progressão para fraqueza generalizada mais grave de forma semelhante à SGB.2 Em termos de achados eletrofisiológicos, diferente das outras variantes da SGB, a anormalidade mais freqüentemente encontrada é a redução das amplitudes do potencial de neurocondução sensitiva fora de proporção ao prolongamento das latências distais ou lentificação das velocidades de condução sensitiva.26 A recuperação em geral se dá após 2 semanas do início dos sintomas com evolução favorável após 3 a 5 meses. Da mesma forma que as outras variantes da SGB, há evidência sorológica de infecção recente por Campilobacter jejuni, bem como presença de anticorpos anti-gangliosídeo, particularmente antiGQ1b.27 Não existem ensaios clínicos randomizados e controlados de pacientes com esta síndrome. Embora a síndrome de Miller-Fischer seja auto-limitada,27 alguns pacientes podem evoluir para insuficiência respiratória.28 Assim, parece prudente tratar estes pacientes com imunoglobulina ou plasmaferese2 desde respeitadas as condições do item 5.
7.5. DETERIORAÇÃO PROGRESSIVA APESAR DO TRATAMENTO IMUNODULADOR
Alguns pacientes com SGB continuam deteriorando depois do tratamento com IGIV ou plasmaferese.29 Nestes casos a melhor opção é desconhecida: esperar ou iniciar tratamento adicional. Um estudo tipo série de casos investigou o efeito de um segundo curso de IGIV em pacientes com SGB grave e refratária, sugerindo benefício nestes casos.30 Assim, o presente protocolo recomenda uma segunda realização de IGIV nos casos inicialmente refratários.
8. TRATAMENTO
Existem dois tipos de tratamento na SGB: (1) a antecipação e o manejo das comorbidades associadas; (2) tratamento da progressão dos sinais e sintomas visando menor tempo de recuperação e minimização de déficits motores. Não há necessidade de tratamento de manutenção, fora da fase aguda da doença.
Assim, pacientes com SGB necessitam ser inicialmente admitidos no hospital para observação rigorosa. Cuidado para estes pacientes é melhor obtido em centros terciários, com facilidades de cuidados intensivos e uma equipe de profissionais que estejam familiarizados com as necessidades especiais dos pacientes com SGB.10 Vigilância estrita e antecipação das potenciais complicações são necessárias para a otimização das chances de um desfecho favorável.Áreas de atenção incluem prevenção de fenômenos tromboembólicos, monitorização cardíaca, avaliações seriadas da reserva ventilatória e de fraqueza orofaríngea, proteção de vias aéreas, manejo apropriado da função intestinal e da dor, nutrição e suporte psicológico adequados. A fisioterapia motora deve ser iniciada nesta fase com intuito de auxiliar na mobilização precoce.31 Desde a introdução dos tratamentos imunomoduladores não houve mudança na taxa de mortalidade.7
O tratamento específico da SGB visa primordialmente acelerar o processo de recuperação, diminuindo as complicações associadas à fase aguda e diminuição dos déficits neurológicos residuais em longo prazo.6 Para a correta indicação do tratamento, faz-se necessária a determinação da gravidade clínica proposta por Hughes e colaboradores32, sendo considerada doença leve de 0 a 2 e moderado-grave de 3 a 6:
0 - Saudável
1- Sinais e sintomas menores de neuropatia, mas capaz de realizar tarefas manuais
2 - Apto a caminhar sem auxílio da bengala, mas incapaz de realizar tarefas manuais
3 - Capaz de caminhar somente com bengala ou suporte
4 - Confinado a cama ou cadeira de rodas
5 - Necessita de ventilação assistida
6 - Morte
8.1. CORTICOSTERÓIDES
Não está indicado uso de corticosteróides. Apenas dois ensaios clínicos randomizados e controlados por placebo avaliaram adequadamente desfechos de interesse nos pacientes com SGB, tais como melhora no grau de incapacidade, tempo de recuperação, mortalidade e efeitos adversos.32,33 Nestes estudos, não foi encontrada superioridade estatisticamente significativa da metilprednisolona intravenosa ou da prednisolona oral sobre o placebo, discordando de alguns achados anteriormente demonstrados em modelos animais.34 Assim, baseado na literatura disponível até o momento, o uso de corticóide no tratamento da SGB não pode ser recomendado.35
8.2. IMUNOGLOBULINA HUMANA
A imunoglobulina humana intravenosa (IGIV) tem sido o tratamento de escolha na maioria dos países, apesar de mecanismo de ação pouco compreendido.31 Sua eficácia à curto e longo prazo é similar a da plasmaferese, evitando complicações inerentes à segunda modalidade (hipotensão, necessidade de cateter venoso, trombofilia). Existem três grandes ensaios clínicos randomizados e controlados que avaliaram a eficácia da IGIV em comparação com a plasmaferese, sob vários desfechos clínicos.12,25,36 Na análise global dos mesmos, observou-se que ambas as modalidades apresentaram eficácia similar na aceleração da recuperação motora em pacientes com SGB grave (escala 3-6) quando utilizados nas primeiras duas semanas após o início dos sintomas. Não existem evidências de que a IGIV seja benéfica nos casos de SGB grau leve (0-2) e após a quarta semana.6,7 Também não há evidência de benefício com associação de plasmaferese e imunoglobulina humana intravenos,12 achado corroborado por duas outras revisões.8,37 Em função da falta de padronização de parâmetros de administração da plasmaferese, a incidência de efeitos adversos não pode ser adequadamente aferida, embora pareça ser mais freqüente no grupo da plasmaferese. A facilidade de uso foi significativamente superior nos grupos da IGIV em função da via de administração e da necessidade de equipamento e profissionais devidamente habilitados para realização de plasmaferese.37 Desta forma o uso IGIV é recomendado em todos aqueles pacientes com critérios diagnóstico estabelecidos de SGB em estágio moderado-grave no período de 2-3 semanas depois do início dos sintomas, sendo sua administração efetiva dependente da disponibilidade do fármaco e experiência do centro de atendimento terciário envolvido.
8.3. OUTRAS MODALIDADES TERAPÊUTICAS
8.3.1. Plasmaferese: Quatro ensaios clínicos randomizados e comparados com tratamento de suporte demonstraram benefícios inequívocos da plasmaferese em pacientes com SGB (moderada a grave -graus 3 a 6) particularmente se realizada dentro de 7 dias após o início dos sintomas. A recuperação da capacidade de deambular com ou sem ajuda após 4 semanas, foi o principal desfecho avaliado,38-41 sendo que dois estudos evidenciaram benefícios sustentados após 12 meses.38,42 Adicionalmente, a combinação de achados de todos estes estudos (totalizando 604 pacientes) demonstrou que a plasmaferese também diminuiu o tempo de ventilação mecânica, risco de infecções graves, instabilidade cardiovascular e arritmias cardíacas em relação a tratamento de suporte.6 O papel da plasmaferese em crianças menores de 12 anos de idade a após 30 dias do início dos sintomas permanece incerto.6,21 Em adultos o uso da plasmaferese dependerá da disponibilidade do método e da experiência do centro de atendimento terciário envolvido.
Esquema de utilização: nos casos leves, duas sessões; casos moderado-graves (escala de 3-6).6,40,41 O volume de plasma removido por sessão deve ser de 200-250ml/kg a cada 48 horas.25,36
8.3.2. Outros: foram testados através de ensaios clínicos randomizados o poliglicosídeo vs. Dexametasona,43 filtragem do líquor vs. Plasmaferese44 e outros tratamentos adjuvantes à IGIV, tais como fator neurotrófico cerebral45 ou betainterferon46 comparados com placebo. Nenhum destes ensaios foi grande o suficiente para detectar mínimos efeitos benéficos.
8.4. APRESENTAÇÕES DISPONÍVEIS
- Imunoglobulina humana: frascos-ampola de 0,5; 1,0; 2,5, 3,0; 5,0 e 6,0g;
8.5. ESQUEMAS DE ADMINISTRAÇÃO
-Imunoglobulina humana: 0,4g/kg/dia, por via intravenosa.
8.6. TEMPO DE TRATAMENTO
A imunoglobulina humana deve ser administrada por 5 dias e interrompida caso haja qualquer evidência de perda da função renal e anafilaxia.
8.7. BENEFÍCIOS ESPERADOS COM O TRATAMENTO
- Diminuição do tempo de recuperação da capacidade de deambular com ajuda e sem ajuda;
- Diminuição do número de pacientes com complicações associadas, que necessitam de VM;
- Diminuição do tempo de ventilação mecânica;
- Aumento na porcentagem de pacientes com recuperação total da força muscular em 1 ano e diminuição da mortalidade em 1 ano.
9. MONITORIZAÇÃO
Avaliação prévia da função renal, especialmente em pacientes diabéticos; hidratação prévia, controle de sinais clínicos para anafilaxia e efeitos adversos, tais como dor moderada no peito, no quadril ou nas costas, náuseas e vômitos, calafrios, febre, mal-estar, fadiga, sensação de fraqueza ou leve tontura, cefaléia, urticária, eritema, tensão do tórax e dispnéia.
10. ACOMPANHAMENTO PÓS TRATAMENTO
Os pacientes devem ser reavaliados uma semana e um ano após a administração do tratamento, através da Escala de gravidade clínica na SGB.
11. REGULAÇÃO/CONTROLE/AVALIAÇÃO PELO GESTOR
Alerta-se ao gestor para organizar-se no sentido de evitar o fornecimento concomitante da imunoglobulina humana pela Autorização de Internação Hospitalar (AIH/SIH) e Autorização de Procedimentos de Alta Complexidade (APAC/SIA).
12. TERMO DE ESCLARECIMENTO E RESPONSABILIDADE - TER
É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos, benefícios e efeitos colaterais relacionados ao uso do medicamento preconizado neste Protocolo, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura de Termo de Esclarecimento e Responsabilidade.
13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2. Vucic S, Kiernan MC, Cornblath DR. Guillain-Barré syndrome: an update. J Clin Neurosci. 2009;16:733-41.
3. Ropper AH: The Guillain-Barré syndrome. N Engl J Med 1992; 326: 1130- 1136
4. Hughes RA, Rees JH. Clinical and epidemiologic features of Guillain-Barré syndrome. J Infect Dis 1997;176:S92-8. 5. Hahn AF. Guillain-Barré syndrome. Lancet 1998;352:635-41
6. Raphaël JC, Chevret S, Hughes RAC, Annane D. Plasma exchange for Guillain-Barré syndrome (Cochrane Review). In: The Cochrane Library, Issue 2, 2003
7. Hughes RA, Cornblath DR. Guillain-Barré syndrome. Lancet 2005;366:1653-66.
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TERMO DE ESCLARECIMENTO E RESPONSABILIDADE
IMUNOGLOBULINA HUMANA
Eu, ___________________________, (nome do(a) paciente), abaixo identificado(a) e firmado(a), declaro ter sido informado(a) claramente sobre todas as indicações, contra-indicações, principais efeitos colaterais e riscos relacionados ao uso do medicamento imunoglobulina humana, indicado para o tratamento da síndrome de Guillan-Barré.
Os termos médicos foram explicados e todas as minhas dúvidas foram resolvidas pelo médico_____________________________(nome do médico que prescreve).
Assim declaro que:
Fui claramente informado(a) de que o medicamento que pas-so a receber pode trazer as seguintes melhorias:
-diminuição do tempo de recuperação motora (maior rapidez do início da capacidade de caminhar com ou sem auxílio);
-diminuição de complicações associadas, incluindo necessidade de ventilação mecânica;
-diminuição do tempo de ventilação mecânica, caso esta seja necessária;
-aumento da força muscular em 1 ano;
-diminuição da mortalidade em 1 ano.
Fui também claramente informado(a) a respeito das seguintes contra-indicações, potenciais efeitos colaterais e riscos:
-não se sabe ao certo os riscos do uso deste medicamento na gravidez, portanto, caso engravide, devo avisar imediatamente ao meu médico;
-os efeitos colaterais já relatados são: dor de cabeça, calafrios, febre, reações no local de aplicação da injeção que incluem dor, coceira e vermelhidão. Problemas renais também já foram relatados (aumento de creatinina e uréia no sangue, seguido de oligúria e anúria, insuficiência renal aguda, necrose tubular aguda, nefropatia tubular proximal, nefrose osmótica).
-medicamento contra-indicado em casos de hipersensibilidade (alergia) ao fármaco;
- o risco da ocorrência de efeitos adversos aumenta com a superdosagem.
Estou ciente de que este medicamento somente pode ser utilizado por mim, comprometendo-me a devolvê-lo caso não queira ou não possa utilizá-lo ou se o tratamento for interrompido. Sei também que continuarei ser assistido, inclusive em caso de eu desistir de usar o medicamento.
Autorizo o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde a fazer uso de informações relativas ao meu tratamento, desde que assegurado o anonimato.
Local: Data: | ||
Nome do paciente: | ||
Cartão Nacional de Saúde: | ||
Nome do responsável legal: | ||
Documento de identificação do responsável legal: | ||
________________________________________ Assinatura do paciente ou do responsável legal |
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Médico Responsável: | CRM: | UF: |
________________________________________ Assinatura e carimbo do médico Data:____________________ |
Observação:
Este Termo é obrigatório ao se solicitar o fornecimento de medicamento do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica e deverá ser preenchido em duas vias, ficando uma arquivada na farmácia e a outra entregue ao usuário ou seu responsável legal.