Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial da União
O Secretário de Atenção à Saúde, no uso de suas atribuições,
Considerando a importância do papel que desempenham os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para a melhoria da qualidade da atenção à saúde, para a prescrição segura e eficaz, para a atualização e democratização do conhecimento, para a melhoria da qualidade da informação prestada aos doentes e para a melhoria dos processos gerenciais dos programas assistenciais;
Considerando a necessidade de se estabelecer critérios de diagnóstico e tratamento de enfermidades, e, observando ética e tecnicamente a prescrição médica, promover o uso racional dos medicamentos para o tratamento de doenças por meio de regulamentação de indicações e esquemas terapêuticos;
Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade, precisão de indicação e posologia;
Considerando a necessidade de estabelecer mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliação de resultados, garantindo assim a prescrição segura e eficaz;
Considerando a necessidade de se promover ampla discussão desses Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, possibilitando a participação efetiva, na sua formulação, da comunidade técnico-científica, associações médicas, profissionais da saúde, associações depacientes, usuários e gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) e da população em geral;
Considerando a necessidade de atualizar o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Fenilcetonúria, estabelecidos pela Portaria SAS/MS nº 847, de 31 de outubro de 2002; e
Considerando a Portaria SAS/MS nº 375, de 10 de novembro de 2009, que aprova o roteiro a ser utilizado na elaboração de PCDT, no âmbito da Secretaria de Atenção à Saúde - SAS, resolve:
Art. 1º Submeter à Consulta Pública o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - FENILCETONÚRIA, constante do Anexo deste Ato.
Parágrafo único. O Protocolo Clínico, de que trata este Artigo, encontra-se disponível, também, no sítio: www.saude.gov.br/sas.
Art. 2º Estabelecer o prazo de 20 (vinte) dias a contar da data da publicação desta Consulta Pública, para que sejam apresentadas sugestões, devidamente fundamentadas, relativas ao Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas de que trata o art. 1º desta Consulta Pública.
§ 1º As sugestões devem ser encaminhadas, exclusivamente, para o seguinte endereço eletrônico: pcdt.consulta2010@saude.gov.br, especificando o número da Consulta Pública e o nome do Protocolo no título da mensagem;
§ 2º As sugestões enviadas deverão, obrigatoriamente, estar fundamentadas em:
I - Estudos Clínicos de fase III - realizados no Brasil ou exterior; e
II - Meta-análises de Ensaios Clínicos.
Art. 3º Determinar que a Secretaria de Atenção à Saúde, por meio do Departamento de Atenção Especializada - DAE/SAS/MS coordene a avaliação das proposições apresentadas, elaborando a versão final consolidada do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas ora submetido à Consulta Pública, para que, findo o prazo estabelecido no art. 2º deste Ato, seja aprovado e publicado, passando a vigorar em todo o território nacional.
Parágrafo único. O novo Protocolo passará a vigorar em todo o território nacional após a devida aprovação e publicação por meio de Portaria específica.
Art. 4º Esta Consulta Pública entra em vigor na data de sua publicação.
ANEXO
PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS
FENILCETONÚRIA
1. METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA
Foram realizadas buscas nas bases de dados Medline/Pubmed, Embase e Cochrane.
Na base de dados Medline/Pubmed a busca foi realizada no dia 26/05/2010 com os unitermos "Phenylketonurias" [Mesh] AND "Therapeutics"[Mesh]. A busca foi restrita para artigos em humanos e dos tipos ensaio clínico, ensaio clínico randomizado, meta-análise, revisão e consenso o que resultou em 108 artigos.
Na base de dados Embase a busca foi realizada no dia 05/07/2010 com os unitermos 'Phenylketonuria'/exp AND 'Therapy'/ex. A busca foi restrita para artigos em humanos e dos tipos ensaio clínico controlado, meta-análise e revisão sistemática, o que resultou em 60 artigos.
Na Cochrane foi realizada busca no dia 27/07/2010 e identificadas 14 revisões sistemáticas com o termo "Phenylketonuria". Destas apenas duas abordavam a doença e foram incluídas neste PCDT. As demais eram sobre outras doenças não relacionadas.
Foram também consultados livros-texto de genética, endocrinologia pediátrica e erros inatos do metabolismo, além do Up-ToDate versão 18.1 (disponível em www.uptodateonline.com). Outros artigos não indexados também foram incluídos na elaboração deste PCDT.
2. INTRODUÇÃO
A fenilcetonúria (FNC) é uma doença genética, autossômica recessiva, causada por mutações no gene localizado no cromossomo 12q22-q24, o qual codifica a enzima hepática fenilalanina-hidroxilase (FAH). A ausência ou deficiência desta enzima impede a conversão hepática de fenilalanina (FAL), um dos aminoácidos essenciais e mais comuns do organismo, em tirosina, causando acúmulo de FAL no sangue e em outros tecidos.(1-7)
É uma doença metabólica rara com prevalência global média estimada de 1:10.000 recém-nascidos.(8)A incidência varia entre as diferentes nações do mundo e os diferentes grupos étnicos. As maiores taxas são encontradas na Irlanda 1:4.500 e na Turquia 1:2.600, e as menores na Finlândia, Japão e Tailândia (1:200.000, 1:143.000 e 1:212.000, respectivamente).(9,10)
Em 2001, Carvalho(11) fez um levantamento no Brasil por meio do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) e encontrou uma prevalência de FNC de 1:15.839. Em 2002 este mesmo levantamento chegou a uma prevalência de 1:24.780. Este levantamento referia-se a 18 dos 27 estados brasileiros.(12) Desde a descoberta deste transtorno metabólico, houve enorme progresso em relação ao seu diagnóstico precoce, tratamento e seguimento.(13,14)
Mais de 500 mutações foram identificadas no gene responsável pela doença, o que corresponde a uma gama enorme de fenótipos e, portanto, a uma grande variabilidade de manifestações clínicas e diversidade na gravidade da mesma. Níveis variados e crescentes de FAL podem ocorrer. O excesso é neurotóxico e leva a defeitos no desenvolvimento neuromotor e neurocognitivo(1-7) O retardo mental é irreversível se não diagnosticado e tratado em idade precoce.(7)
A FNC é o mais freqüente erro inato do metabolismo dos aminoácidos (15). O alto nível sanguíneo leva à excreção urinária aumentada de FAL e de seus metabólitos, as fenilcetonas (16) fenilacetato e fenilactato.(1) Aproximadamente 75% do catabolismo da FAL da dieta é realizado via a FAH, que catalisa a sua conversão em tirosina. Na FNC, os níveis de FAL estão aumentados enquanto os de tirosina são praticamente normais ou baixos. O co-fator enzimático tetra-hidrobiopterina (BH4) é necessário para a atividade da FAH e defeitos no seu metabolismo são responsáveis por aproximadamente 2% dos pacientes com hiperfenilalaninemia (HFA), definida pelo valor sanguíneo de FAL acima de nível de 2 mg/dL.(1,4)
Os indivíduos com deficiência de FAH apresentam níveis plasmáticos de FAL persistentemente acima de 2 mg/dL (120 umol/L) sem tratamento.(9)
Existem algumas classificações para as HFA, que se baseiam nas concentrações plasmáticas de FAL ao diagnóstico (paciente ainda sem tratamento), na tolerância à FAL e no grau de deficiência da FAH.(1,7,10,16,17,18) Entretanto, apenas os graus de HFA mais elevados são prejudiciais para o desenvolvimento cognitivo.(19)
Muitas vezes, níveis abaixo de 10 mg/dL podem significar uma HFA transitória, por imaturidade hepática ou enzimática. Nas formas transitórias, os pacientes não necessitam de dieta isenta de FAL porque os níveis de FAL tendem a diminuir nos primeiros meses de vida, nunca se elevam acima de 10 mg/dL e os pacientes têm desenvolvimento psicomotor normal.(2)
O mecanismo fisiológico responsável pelo retardo mental na HFA não é ainda bem entendido, mas a FAL por si só parece ser o agente tóxico maior. (3,16) O excesso de FAL interferiria no crescimento cerebral, no processo de mielinização, na síntese dos neurotransmissores e no desenvolvimento sináptico e dendrítico.(1,3) O excesso de FAL inibe competitivamente o transporte e a captação neuronal de outros aminoácidos cerebrais através da barreira hematoencefálica, causando uma diminuição da concentração cerebral intracelular de tirosina e de 5-hidroxitriptofano, limitando a produção de serotonina e das catecolaminas dopamina, noradrenalina e adrenalina, além da melatonina. (3)
A variabilidade entre os fenilcetonúricos não depende apenas dos fatores genéticos, visto que fatores ambientais e estilos de vida diferentes, como a idade do início do tratamento e o grau de controle da dieta, também contribuem para estas variações.(16)
Os recém-nascidos portadores de HFA são assintomáticos antes de iniciarem com alimentos que contenham FAL (leite materno ou fórmulas infantis próprias da idade). Se a doença não for detectada pelo rastreamento metabólico, seu início é insidioso e só vai se manifestar clinicamente pelo 3º ou 4º mês de vida. (1,20) Nessa época, a criança começa a apresentar atraso global do desenvolvimento neuropsicomotor, podendo mostrar irritabilidade ou apatia, perda de interesse pelo que a rodeia, convulsões, eczema crônico, hipopigmentação cutânea, cheiro característico da urina, da pele e dos cabelos (odor de rato pela presença do ácido fenilacético), padrão errático do sono.(1,3,12, 20)
A principal característica da doença não tratada é o retardo mental, que vai piorando durante a fase de desenvolvimento do cérebro e estabilizaria com a maturação completa deste órgão. O quociente de inteligência (QI) mede a extensão deste retardo e varia de leve a gravemente prejudicado.(1) A HFA não tratada resulta em progressivo retardo mental, com QI menor de 50. A piora está relacionada aos níveis sanguíneos de FAL.(6)
Com o passar do tempo, a criança pode apresentar problemas de postura para sentar, anormalidade da marcha, hiperatividade e distúrbios comportamentais.(1) O comprometimento da fala e o desenvolvimento intelectual vão se tornando bastante afetados.(3) Também pode haver comprometimento emocional, como depressão, e complicações neurológicas com tremores, espasticidade, ataxia e epilepsia que começam no início da infância e progridem pela adolescência.(6)
Se a doença é diagnosticada logo após o nascimento e o paciente for mantido em uma dieta restrita em FAL, os sintomas da doença podem ser prevenidos e a criança pode ter desenvolvimento e expectativa de vidas normais. (3,7)
O acompanhamento de meninas com FNC ou com HFA nãoFNC9 deve ter atenção especial frente a uma gravidez. A dieta isenta de FAL deve ser orientada antes e durante toda a gestação com o objetivo de evitar a embriopatia por FAL ou síndrome da FNC maternal, visto que pode ocasionar malformações cardíacas, microcefalia, anomalias vertebrais, estrabismo e retardo mental mesmo que o feto não tenha FNC.(1,2)
3. CLASSIFICAÇÃO ESTATÍSTICA INTERNACIONAL DE DOENÇAS E PROBLEMAS RELACIONADOS À SAÚDE (CID-10)
- E 70.0 Fenilcetonúria clássica
- E 70.1 Outras hiperfenilalaninemias
4. DIAGNÓSTICO
4.1. CLÍNICO
Níveis elevados de FAL causam dano neurológico à criança em desenvolvimento resultando em retardo mental, microcefalia, retardo da fala, convulsões, distúrbios do comportamento, irritabilidade, hipopigmentação cutânea, eczemas, odor de rato na urina. (2,21) É imperativo acompanhar o desenvolvimento cognitivo e social das crianças e dos adultos afetados.(2) Mesmo com o controle dietético precoce ocorrem déficits de processamento da informação, de execução e de abstração em qualquer idade.(15)
4.2. LABORATORIAL
O rastreamento neonatal é o modo mais eficaz de diagnosticar a FNC. A coleta de sangue deve ser feita nos primeiros dias do nascimento, após exposição à dieta protéica. Os recém-nascidos com níveis elevados devem ser encaminhados para avaliação diagnóstica, conforme recomenda o Programa Nacional de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde.(16) O teste se tornou rotina devido ao excelente prognóstico para as crianças com deficiência de FAH tratadas precocemente por causa do alto risco de dano cerebral grave e irreversível para aquelas que não eram tratadas.(9)
Os métodos laboratoriais utilizados para medir FAL são a espectrometria de massa, os enzimáticos e os fluorimétricos.(1) Um resultado positivo de rastreamento para HFA ocorre quando os níveis de FAL estão acima do valor de corte, ou seja, acima de 2 mg/dL (120 mcmol/L) e devem ser confirmados por uma segunda análise dos aminoácidos FAL e tirosina (quantitativa). Nos casos confirmados, geralmente a razão FAL/tirosina é maior ou igual a 3. Nos pacientes com FNC, a tirosina está diminuída e a análise da urina mostra excreção aumentada de fenilpiruvato, fenilactato e fenilacetato.(3)
O diagnóstico de FNC é feito quando os níveis séricos de FAL encontram-se persistentemente elevados e os níveis de tirosina estão normais ou diminuídos, tendo sido excluída a deficiência de BH4.(3,16,22) Excluir a deficiência de BH4 é importante para o processo diagnóstico.(16) A BH4 é um co-fator essencial para as enzimas fenilalanina hidroxilase, tirosina hidroxilase e triptofano hidroxilase. Defeitos no seu metabolismo seriam responsáveis por 2% dos pacientes com HFA. Clinicamente há aumento dos níveis de FAL séricos ou progressiva piora neurológica por diminuição da produção dos neurotransmissores dopamina, epinefrina, norepinefrina e serotonina. O diagnóstico é feito pela dosagem de biopterina ou neopterina no sangue, na urina ou no líquor.(1)
Inexiste consenso internacional para o nível de corte para o tratamento, variando entre 6,7 mg/dL(400 mcmol/L) no Reino Unido, 10 mg/dL (600 mcmol/L) na Alemanha e França e 6 a 10 mg/dL (360 a 600 mcmol/L) nos EUA.(3)
Crianças com níveis acima de 10mg/dL (600 mcmol/L) devem começar com dieta logo que possível, idealmente com 7 a 10 dias de idade. (16,22) Níveis entre 8 e 10 mg/dL (480-600 mcmol/L) persistentes (pelo menos em três dosagens consecutivas, semanais, em dieta normal), também indicam tratamento.(16)
A análise molecular que avalia as mutações da FAH não é obrigatória para o diagnóstico, podendo auxiliar na detecção de heterozigotos, diagnóstico pré-natal, aconselhamento genético, acompanhamento e prognóstico da gravidade clínica em longo prazo.(1,7,16)
5. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Serão incluídos neste protocolo de tratamento todos os indivíduos que apresentarem níveis de FAL iguais ou superiores a 10 mg/dL (600 umol/L) em dieta normal,(1,16) e todos os indivíduos que apresentarem níveis de FAL entre 8 e 10 mg/dL persistentes (pelo menos em três dosagens consecutivas, semanais, em dieta normal).(10)
O rastreamento no Brasil é realizado pelo Teste do Pezinho, cuja obrigatoriedade consta no Estatuto da Criança e do Adolescente, inciso III do Artigo 10 da Lei no 8.069, de 13/07/1990, e na Portaria GM/MS nº 22, de 15/01/1992, que estabeleceu o Programa Nacional de Triagem Neonatal para diagnóstico precoce de fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito.
6. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Serão excluídos deste protocolo de tratamento os pacientes com as seguintes situações:
- Aumento de FAL secundário à tirosinemia (caracterizado pelo aumento concomitante de FAL e tirosina);
- Hiperfenilalaninemia transitória (caracterizada pela normalização espontânea dos níveis de FAL durante os seis primeiros meses de vida);
- Hiperfenilalaninemia por defeito de BH4 (os defeitos no metabolismo do BH4 são responsáveis por 2% dos pacientes com níveis aumentados de FAL. O diagnóstico diferencial é realizado pela dosagem de biopterina ou neopterina no sangue, na urina ou no líquor).(1)
7. CASOS ESPECIAIS
GESTAÇÃO
A orientação das meninas portadoras de FNC e de HFA não-FNC (9) deve ser especial na idade fértil quanto aos métodos anticoncepcionais e ao planejamento da gravidez. A dieta isenta de FAL deve ser estabelecida antes e durante toda a gestação com o objetivo de evitar a embriopatia por FAL ou síndrome da FNC materna. (1,2, 12, 23)
A exposição ao excesso de FAL intra-útero no início da vida fetal gera efeitos teratogênicos graves, visto que a FAL é um potente agente teratogênico.(9) A concentração de FAL é maior no feto do que no plasma materno(1), pois a placenta naturalmente concentra altos níveis de aminoácidos, entre eles a FAL.2 Retardo mental ocorrerá em 90% destas crianças e malformações congênitas em 25%. Entre estas, as malformações cardíacas, a microcefalia, as anomalias vertebrais e o estrabismo. (1,2) O período crítico para o sistema nervoso central, crânio e coração ocorre entre a 5ª a 8ª semana após a última menstruação. Portanto, se uma grávida com FNC não estiver metabolicamente controlada antes da quinta semana de gestação, os níveis altos de FAL passam para o feto através da placenta e vão exercer efeitos teratogênicos irreversíveis no seu desenvolvimento.(2)
O controle metabólico é atingido com níveis de FAL menores de 6 mg/dl antes da concepção e durante toda a gestação.(2) As normas britânicas e alemãs recomendam manter estes níveis entre 1 e 4 mg/dL (60-240 umol/L) antes e durante a gestação, enquanto o Estudo Colaborativo Materno de FNC baseado em mais de 500 gestações recomenda manter entre 2-6 mg/dL (120-360 umol/L).(16)
8. CENTRO DE REFERÊNCIA
O tratamento dos pacientes com FNC, conforme definido pelo Programa Nacional de Triagem Neonatal do Ministério da Saúde, deve ser realizado nos centros de atendimento estaduais especializados no tratamento desta condição.
9. TRATAMENTO
A dieta restrita em FAL é eficaz em diminuir os níveis sanguíneos de FAL e melhorar o QI e o prognóstico neuropsicológico dos pacientes com HFA. (24)
O tratamento deve ser iniciado tão logo quanto possível, idealmente até o 10º dia de vida. O aleitamento materno deve ser encorajado associado ao uso de fórmula isenta de FAL. Os níveis de FAL devem ser diminuídos rapidamente. (1, 3, 5, 16, 24)
Estudos randomizados controlados são necessários, mas a tendência atual é recomendar tratamento dietético para toda a vida. (1, 6, 12, 16, 20, 24, 25,26) O conceito de que, devido a maturidade cerebral, o QI estabilizaria após os 10 anos de idade(27), não foi confirmado em uma recente meta-análise que mostrou associação inversa entre os níveis de FAL e QI. Nesta meta-análise, para cada aumento de 1,7 mg/dL nos níveis sanguíneos de FAL houve redução de 1,3 a 3,9 pontos no QI em pacientes com FNC tratados precocemente, com níveis de FAL acima 6,5 a 12,5 mg/dL, mostrando que o cérebro continua susceptível a neurotoxicidade da FAL.(10)
O suporte principal para o controle metabólico dos pacientes é a dieta restrita em alimentos que contenham FAL combinada com um substituto protéico isento ou com taxas muito baixas de FAL. Geralmente são misturas de aminoácidos ou hidrolisados de proteínas que suprem as necessidades para o crescimento e desenvolvimento normais.(1, 5, 8, 28, 29) Evitando níveis neurotóxicos de FAL, mas ao mesmo tempo oferecendo-o em quantidades mínimas necessárias. Esta quantidade pode vir das fórmulas industrializadas ou do próprio leite materno, que possui menor teor de FAL que as mesmas, e maiores benefícios imunológicos e psicológicos.(2,13,22,28,30,31)
O tratamento é sempre acompanhado de monitoramento rigoroso dos níveis séricos da FAL.(1, 16, 22, 28, 30, 32, 33) O tratamento dietético restritivo é bem sucedido, requerendo aderência contínua dos pacientes e das suas famílias.(22-24) Os maiores benefícios do manejo dietético ocorrem no recém-nascido e na criança, mas conforme comentado anteriormente, o controle por toda a vida dos níveis da FAL sérica é recomendado para prevenir manifestações neurológicas, comportamentais e cutâneas na vida adulta. (22, 34, 35)
Para crianças com FNC, para não incorrer em prejuízo do seu crescimento, recomenda-se ingestão de proteínas acima (em torno de 113 a 129%) daquela preconizada para crianças não-fenilcetonúricas da mesma faixa etária. (36) A ingestão de fórmula deve ser dividida em três porções junto às refeições principais.(37)
Quanto à população de adultos nascidos antes dos testes de rastreamento, portadores de incapacidades intelectuais, problemas de comportamento e dependentes, há estudo que sugere que a dieta restrita em FAL melhora o comportamento destes pacientes, o que conseqüentemente, ocasiona melhor qualidade de vida aos pacientes e seus cuidadores. (38) Outros estudos sugerem que, diagnosticar adultos com retardo mental portadores de FNC, é importante, já que o tratamento dietético específico é benéfico mesmo nesta fase tardia.(13, 39) Os efeitos deletérios do excesso de FAL sobre o sistema nervoso central ocorridos nos primeiros anos de vida são irreversíveis, no entanto, certos efeitos tóxicos sobre distúrbios comportamentais parecem ser reversíveis, como a melhora da agitação e da agressividade.40
A composição da dieta para a FNC mudou muito pouco desde que foi instituída nos anos 1950. Basicamente, é uma dieta pobre em proteínas suplementada por uma mistura de aminoácidos isenta de FAL e acrescida de minerais, vitaminas e outros nutrientes.(21)
Segue um GUIA DIETÉTICO PARA FNC:
ALIMENTOS (1)
GRUPO VERDE: PERMITIDOS - Alimentos neste grupo não precisam de cálculo do conteúdo de FAL para serem consumidos: |
Frutas: Maçã, pêra, melancia, cereja. |
Vegetais: Alface, tomate, cenoura, pepino |
Laticínios: Manteiga, margarina |
Grãos: Farinha, pão, nozes e arroz desde que com baixo teor protéico |
Bebidas: Limonada, chá, água mineral e refrigerante sem aspartame |
GRUPO AMARELO: Alimentos neste grupo contêm níveis médios de FAL e o conteúdo de FAL deve ser calculado: |
Vegetais: Batatas |
Laticínios: Nata, sorvete |
Bebidas: Sucos de frutas concentrados |
GRUPO VERMELHO: Alimentos neste grupo contêm altos níveis de FAL e não devem ser consumidos por pacientes com FNC: |
Carne (lingüiça), peixe, ovos: |
Nozes, soja, lentilha, ervilha, feijão, leite e produtos feitos destes alimentos |
Laticínios: Leite, queijos |
Grãos, mingau de leite, cereais, pão, massas, aveia |
Chocolate |
Aspartame (9) |
MacDonald et al demonstraram que o uso livre de frutas e vegetais contendo 51 a 100 mg/100g de FAL não descompensa crianças portadoras de FNC e aumenta a tolerabilidade da dieta. Alimentos permitidos livremente: bananas, cogumelos, alho-poró, abacate e passas de uvas secas.(41)
COMPLEMENTOS
Os aminoácidos essenciais, as vitaminas e os sais minerais são administrados por meio de fórmulas alimentares, normalmente apresentadas em forma de pó e consumidas após dissolução em líquidos. São misturas de aminoácidos sintéticos isentas de FAL e acrescidas dos elementos acima citados mais gorduras, carboidratos para suprir as necessidades das diferentes faixas etárias. Estas misturas possuem odor e paladar desagradáveis e a sua ingestão, contrariando as orientações, geralmente é feita de uma vez só, prejudicando sua utilização biológica e aumentando efeitos adversos (náuseas, vômitos, tonturas, diarréia). A qualidade de vida sob esta dieta fica comprometida e a aderência diminui à medida que o paciente cresce. (20,21)
No mercado estão disponíveis várias formulações que se diferenciam pelo teor calórico, pela adição de gordura e carboidratos e, principalmente, pela especificação etária. São de fácil prescrição, mas são produtos caros e resultam numa dieta pouco palatável e monótona. (20) Um primeiro estudo randomizado controlado cruzado foi realizado com um substituto protéico líquido pronto para ingerir. Sua resposta foi popular e eficaz, melhorando a adesão e a independência de adolescentes e adultos.(42)
Alguns substitutos protéicos em cápsulas, pequenas barras e saches com gosto e cheiro de frutas mais palatáveis já são oferecidos em lojas especializadas, com melhor aceitação do que as fórmulas tradicionais. (43) No entanto, a restrição dietética, que é o grande problema da aderência, continua.
9.1 ESQUEMAS DE ADMINISTRAÇÃO
As quantidades de aminoácidos, proteínas e FAL recomendadas estão detalhadas nas tabelas abaixo.
Para crianças até 2 até anos de idade, recomenda-se que o consumo da fórmula isenta de FAL seja distribuído igualmente ao longo das 24 horas para minimizar as flutuações nas concentrações plasmáticas de FAL e dos aminoácidos. Ou seja, administrar em 6 porções iguais divididas durante o dia e a noite, reproduzindo o padrão fisiológico visto nos indivíduos normais. (44)
Para adolescentes e adultos as orientações variam e são mais ou menos liberais, mas o consenso é de que a dieta deve ser seguida por toda a vida. (9)
TABELA 1: Recomendações diárias de ingestão de aminoácidos e proteína totais para lactentes, crianças e adultos portadores de FNC: (22)
Idade (anos) | Proteína da fórmula metabólica (g/kg de peso/dia) | Proteína Total (g/kg de peso/dia) |
0 a 2 | 2,5 (mínimo) | 3 |
3 a 10 | 1,7 | 2 a 2,5 |
11 a 14 | 1,25 | 1,5 |
Acima de 14 | 0,8 | 1 |
Adaptado de MacDonald et al 2006 (31); Acosta et al al 2003 (36) Cockburn et al. 1993(45)
TABELA 2: Recomendações de FAL que podem ser utilizadas como orientação inicial: (22)
Idade (anos) | Necessidade aproximada de FAL (mg/kg de peso/dia) |
0 a 0,5 | 20 - 70 |
0,5 a 1 | 15 - 50 |
1 a 4 | 15 - 40 |
4 a 7 | 15 - 35 |
7 a 15 | 15 -30 |
15 a 19 | 10 - 30 |
Fonte: Acosta et al 2003(36)
9.2 TEMPO DE TRATAMENTO
O tratamento dietético restritivo em alimentos que contenham FAL deve ser para toda a vida. (1, 2, 6, 12, 16, 22, 25, 26) Desta maneira, a adesão à dieta é um dos fatores mais críticos a serem abordados pelas equipes multidisciplinares e gestores de saúde pública que lidam com esta doença. (22)
9.3 BENEFÍCIOS ESPERADOS
A FNC é uma das poucas doenças genéticas em que o retardo mental pode ser prevenido com o diagnóstico e tratamento precoces. (21) Com o aumento da experiência e dos dados da literatura especializada, é consenso que a maior aderência ao tratamento e que a dieta para toda a vida promovem melhor resultado em longo prazo no que diz respeito ao crescimento, desenvolvimento, comportamento e cognição dos indivíduos portadores de fenilcetonúria. (22,31) São pessoas que passam a conviver em sociedade sem desvios comportamentais, vislumbrando o pleno exercício de sua cidadania, como indivíduos inclusos e produtivos. (22,46)
10. MONITORIZAÇÃO
Levando-se em consideração a viabilidade da monitorização, recomenda-se, neste PCDT, que a monitorização dos níveis séricos de FAL seja feita a cada 15 dias nos pacientes fenilcetonúricos de até 1 ano de idade e nas mulheres grávidas, e mensalmente em todos os outros doentes ao longo da vida. Esta recomendação poderá ser adaptada às necessidades do paciente e às condições do centro de tratamento.
As concentrações de FAL recomendadas e associadas a um ótimo neuro-desenvolvimento são incertas. Não existe consenso entre os diferentes centros americanos ou diferentes países. O Consenso do Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH) de outubro de 2000, recomenda: (47)
- 0 a 12 anos - manter entre 2 a 6 mg/dL ou 120 a 360 umol/L
- Maiores de 12 anos - manter entre 2 e 15 mg/dL ou 120 a 900 umol/L
Níveis mais baixos - entre 2 a 10 mg/dL ou 120 a 600 umol/L - são fortemente encorajados, já que o desenvolvimento cerebral continua durante a adolescência e pouco se sabe sobre níveis mais altos de FAL após os 12 anos de idade. Os guias enfatizam os fatores individuais na tomada de decisões em cada caso. (8,16)
Neste Protocolo, a recomendação para os níveis alvo de FAL estão preconizados na Tabela 3.(48)
TABELA 3: Níveis alvo de FAL preconizados neste Protocolo
Idade | FAL alvo (mi mol/L) | FAL alvo (mg/dL) |
0 - 12 meses | 120 - 360 | 2 -6 |
1- 13 anos | 120 - 360 | 2 -6 |
Acima de 13 anos - permitido - desejável - gestação |
|
2 - 15 2 - 10 2 - 6 |
Fonte: Para Blau e Blaskovics (1996) (48)
Muitos estudos indicam alta incidência de osteopenia nestes pacientes, assim como deficiências nutricionais naqueles que não aderem a dieta ou que não consomem adequadamente a fórmula metabólica. A deficiência de vitamina B12 é comum. Portanto, o controle de vitamina B12, ferrititina, hemoglobina e cálcio devem ser feitos uma vez ao ano e tratados, conforme o caso. A radiografia simples para avaliar a idade óssea deve ser feita em crianças e adolescentes e a densitometria óssea, a cada 2 anos, para a avaliação da densidade mineral óssea nos doentes acima de 18 anos. (9,22,25)
Nesta rotina de cuidados, monitorar o crescimento e o desenvolvimentos nutricional, intelectual e neuropsicológico é mandatório.
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Bodamer O A. Overview of Phenylketonuria. UpToDate. Version 18.1. Jan 2010
2. Gambol P J. Maternal Phenylketonuria Syndrome and Case Management Implications. Journal of Pediatric Nursing. 2007;22:129-138.
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