Ministério da Saúde
Secretaria de Atenção à Saúde

PORTARIA Nº 849, DE 5 DE DEZEMBRO DE 2011

O Secretário de Atenção à Saúde, no uso das atribuições,

Considerando a necessidade de se estabelecer parâmetros sobre o hemangioma infantil no Brasil e de diretrizes nacionais para diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos indivíduos com esta doença;

Considerando que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são resultado de consenso técnico-científico e são formulados dentro de rigorosos parâmetros de qualidade e precisão de indicação e posologia;

Considerando as sugestões dadas à Consulta Pública SAS/MS nº 43, de 16 de dezembro de 2010; e

Considerando a avaliação do Departamento de Assistência Farmacêutica - DAF/SCTIE e do Departamento de Atenção Especializada - DAE/SAS, resolve:

Art. 1º - Aprovar, na forma do Anexo desta Portaria, o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - HEMANGIOMA INFANTIL.

§ 1º - O Protocolo objeto deste Artigo, que contêm o conceito geral do hemangioma infantil, critérios de diagnóstico, critérios de inclusão e de exclusão, tratamento e mecanismos de regulação, controle e avaliação, é de caráter nacional e deve ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos Estados e dos Municípios na regulação do acesso assistencial, autorização, registro e ressarcimento dos procedimentos correspondentes.

§ 2º - É obrigatória a observância desse Protocolo para fins de dispensação de medicamento nele previsto.

§ 3º - É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso de medicamento preconizado para o tratamento do hemangioma infantil, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura do respectivo Termo de Esclarecimento e Responsabilidade, conforme o modelo integrante do Protocolo.

§ 4º - Os gestores estaduais e municipais do SUS, conforme a sua competência e pactuações, deverão estruturar a rede assistencial, definir os serviços referenciais e estabelecer os fluxos para o atendimento dos indivíduos com a doença em todas as etapas descritas no Anexo desta Portaria.

Art. 2º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

HELVÉCIO MIRANDA MAGALHÃES JÚNIOR

ANEXO

PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS

HEMANGIOMA INFANTIL

1 - METODOLOGIA DE BUSCA DA LITERATURA

Foi realizada busca de artigos nas bases de dados Medline/Pubmed, Embase e Cochrane em outubro de 2010.

No Medline/Pubmed, utilizando-se os termos "Hemangioma"[Mesh] AND "Therapeutics"[Mesh] e restringindo-se para artigos em humanos, com os filtros "Clinical Trial", "Meta-Analysis", "Practice Guideline" e "Randomized Controlled Trial", foram obtidos 87 artigos.

No Embase, utilizando-se os termos 'hemangioma'/exp AND 'treatment'/exp e restringindo-se para artigos em humanos, com filtros"controlled clinical trial]/lim", "meta analysis]/lim", "randomized controlled trial]/lim", "systematic review]/lim", foram localizados 74 artigos.

Na base de dados Cochrane, utilizando-se o termo "hemangioma", não foram localizadas revisões sistemáticas relacionadas ao tema.

Foram também incluídos os artigos relacionados a epidemiologia, história natural e tratamento sistêmico e cirúrgico dos hemangiomas infantis e dos hemangiomas hepáticos. Foram excluídos estudos que versavam sobre tratamentos tópicos de hemangiomas infantis não complicados ou sobre outras condições fora do escopo deste protocolo (como hemangioma de coroide, por exemplo). Foram utilizados ainda o UpToDate, versão 18.2, e outros artigos de conhecimento dos autores julgados relevantes para confecção do protocolo.

2 - INTRODUÇÃO

Hemangiomas infantis (HI) são os tumores vasculares benignos mais comuns na infância (1,2). A grande maioria dos HIs não apresenta complicações nem necessita de intervenção, mas alguns deles podem estar associados a alterações estéticas importantes e morbidade clínica. São caracterizados por uma fase de rápida proliferação de vasos sanguíneos no primeiro ano de vida seguida por uma fase de involução, na qual ocorre uma regressão gradual do tecido vascular, que é substituído por tecido fibroso (1).

Em relação à epidemiologia, estão presentes em cerca de 4%-5% da população (2). O sexo feminino é acometido com uma frequência 2-3 vezes maior do que o sexo masculino. As lesões complicadas tendem também a acometer mais as mulheres (3). Fatores de risco incluem prematuridade, sobretudo se associada a baixo peso, e fatores maternos (idade materna, placenta prévia, pré-eclâmpsia, entre outros) (4). São esporádicos em sua maioria, embora exista uma forma familiar de transmissão (5).

A patogênese desses tumores não é completamente conhecida. Estudos avaliando espécimes patológicos demonstraram haver expressão aumentada do transportador de glicose GLUT-1 em células endoteliais do hemangioma6 bem como de antígenos vasculares associadosà placenta (7). Tais alterações não são observadas em células endoteliais normais, podendo ser consideradas um marcador fenotípico do hemangioma. Fatores celulares e moleculares, tais como fator de crescimento vascular endotelial, fator de crescimento de fibroblastos e fator de crescimento semelhante à insulina tipo 21, estão relacionados com as fases de proliferação e regressão.

Há uma enorme heterogeneidade em termos de apresentação e evolução clínica. Em geral, os HI não são clinicamente evidentes ao nascimento, mas tornam-se aparentes nos primeiros dias ou meses de vida. São lesões únicas em sua maioria, podendo ser múltiplas em até 20% dos casos. Ocorrem mais comumente na cabeça e no pescoço, embora possam estar presentes em qualquer região da pele, mucosas e órgãos internos. Em termos de tamanho, podem variar desde poucos milímetros até grandes lesões com vários centímetros (8).

A forma clínica superficial é a mais comum, geralmente consistindo de uma pápula vermelha, de um nódulo ou de uma placa elevada sob a superfície normal da pele. Os hemangiomas subcutâneos ou profundos caracterizam-se por uma nodulação da mesma cor da pele com um matiz azulado, acompanhada ou não por umaárea de teleangiectasia. Podem ser classificados ainda como localizados ou segmentares (quando acometem uma área anatômica extensa). Algumas das estruturas internas mais comumente afetadas são o fígado e a coluna vertebral (8).

As complicações, embora infrequentes na população em geral, podem estar presentes em até 25% dos pacientes referenciados para serviços terciários (1). Tamanho e localização são os principais fatores de risco para sua ocorrência. Entre as complicações mais comuns incluem-se ulceração, sangramento, envolvimento da via aérea, comprometimento visual, complicações viscerais e outras, dependendo da localização anatômica, como obstrução do canal auditivo, prejuízo na alimentação ou fonação por hemangioma na cavidade oral (1,8).

Ulceração, a complicação mais comum, é particularmente frequente em hemangiomas com rápida proliferação e localizados em regiões predispostas a trauma ou áreas de pressão. É em geral dolorosa, podendo levar a sangramento ou infecções. Sua cicatrização pode deixar algum grau de deformidade. A conduta normalmente se limita a cuidados tópicos da ferida (1,8). Sangramento espontâneo de um hemangioma, apesar de temido pelos pais, raramente ocorre. Pressão local resolve o problema na maior parte das vezes8.

O risco de hemangioma de via aérea é maior na presença de hemangiomas segmentares de cabeça e pescoço. Os sintomas podem evoluir de disfonia inicial até insuficiência respiratória8. Os hemangiomas periorbitais podem comprometer o desenvolvimento visual normal. A maioria dos casos que levam a prejuízo visual localiza-se na pálpebra superior, mas outras localizações periorbitais também podem ter consequências deletérias (1,8).

Hemangiomas hepáticos gigantes (> 5 cm) eventualmente apresentam ruptura espontânea ou após trauma abdominal fechado. Hemangiomas do trato gastrointestinal podem complicar com sangramento. Hemangiomas grandes, em qualquer localização, podem desencadear insuficiência cardíaca de alto débito (1,8).

Em relação à história natural, os HIs caracteristicamente apresentam uma fase proliferativa, que é geralmente rápida e ocorre nos primeiros meses de vida. Entre 6-12 meses, pode haver ainda crescimento, porém em ritmo mais lento, sendo incomum a proliferação adicional após 1 ano de idade. A fase proliferativa é seguida por uma fase de regressão espontânea que tipicamente inicia após 1 ano de idade, podendo durar vários anos. O início da fase de regressão dos hemangiomas superficiais tende a ser mais precoce do que o da fase dos hemangiomas profundos9.

3 - Classificação internacional de doenças e problemas relacionadosà saúde (CID-10)

- D18.0 Hemangioma de qualquer localização

4 - DIAGNÓSTICO

4.1 - DIAGNÓSTICO CLÍNICO

Hemangiomas que acometem a superfície cutânea são facilmente diagnosticados por exame físico devido a seu aspecto clínico característico. Ao contrário das marcas de nascença, cujo aspecto tende a se manter relativamente constante ao longo da vida, os hemangiomas mostram mudanças nos primeiros meses de vida. O diagnósticoé confirmado pela presença de uma lesão vascular de aspecto típico com crescimento nos primeiros meses de vida. Deve ser feito diagnóstico diferencial com outras lesões, como manchas de vinho do porto, malformações arteriovenosas, malformações venosas e malformações linfáticas. Os hemangiomas superficiais envolvem a derme superficial e se apresentam como lesões vermelhas e brilhantes, tanto na forma de placas como de pápulas ou nódulos; os hemangiomas profundos envolvem a camada profunda da derme e o tecido subcutâneo e se apresentam como nódulos da mesma cor da pele ou azulados. Hemangiomas de localização mucosa ou em estruturas internas podem suscitar suspeita pela história e pelo exame físico, mas geralmente necessitam de confirmação por métodos de imagem.

4.2 - DIAGNÓSTICO POR IMAGEM

Exames de imagem, como ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética, podem, em alguns poucos casos, ser necessários para confirmar a natureza vascular e identificar os componentes venoso, arterial ou linfático e o comprometimento deórgãos e estruturas mais profundas.

A ultrassonografia normalmente revela uma lesão hiperecoica, homogênea e bem delimitada. A dopplerfluxometria pode mostrar a presença de fluxo sanguíneo em 10%-50% dos casos, não aumentando, portanto, a acurácia da ultrassonografia para o diagnóstico de hemangioma (10). É um exame útil nos casos de hemangiomas hepáticos e de hemangiomas cutâneos extensos para avaliar a profundidade, o comprometimento de estruturas adjacentes e a resposta ao tratamento (11).

A tomografia computadorizada revela, na fase sem contraste, uma lesão hipodensa e bem delimitada. O contraste provoca um realce nodular periférico precoce seguido de um padrão centrípeto durante a fase tardia. Pode ser útil para avaliação da extensão de hemangiomas complicados ou para avaliação complementar de lesões suspeitas de hemangioma hepático quando a ultrassonografia é inconclusiva (11). Sua grande desvantagem é a exposição da criança à radiação ionizante.

A ressonância magnética é o exame não invasivo de melhor acurácia para o diagnóstico de hemangiomas, com sensibilidade de cerca de 57%-73% e especificidade de 91%-97% (12). O aspecto típico é o de uma lesão homogênea, bem delimitada, com baixa intensidade de sinal em T1 e hiperintensidade em T2. Áreas de fibrose no interior do hemangioma podem gerar áreas hipointensas em T2. A administração de contraste paramagnético (gadolínio) resulta em realce nodular periférico ou realce globular precoces na fase arterial, com progressivo realce centrípeto nas fases posteriores, de forma semelhante à da tomografia. A ressonância magnética pode ser particularmente útil para diferenciar hemangiomas de malformações arteriovenosas e venosas, além de avaliar a extensão de lesões complicadas, especialmente na cabeça e no pescoço (11).

A arteriografia, um exame invasivo que requer radiação ionizante,é raramente utilizada para diagnóstico. Fica reservada para lesões com aspecto de tumor vascular cuja etiologia não foi adequadamente esclarecida por outros métodos.

Exames endoscópicos, como fibrobroncoscopia, endoscopia digestiva e colonoscopia, podem visualizar hemangiomas localizados em superfícies mucosas da via aérea superior e no trato gastrointestinal superior e no inferior, estando recomendados nessas situações.

A biópsia da lesão é raramente necessária, além de trazer um risco de complicações, como ulceração e sangramento. Fica reservada para lesões atípicas, quando há suspeita de outros tumores de partes moles no diagnóstico diferencial (por exemplo, hemangioendotelioma kaposiforme, rabdomiossarcoma, entre outros) (11).

5 - CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

Serão incluídas neste protocolo de tratamento os pacientes com menos de 2 anos de idade e com diagnóstico clínico, por imagem, endoscópico ou anatomopatológico de HI que apresentem pelo menos uma das características abaixo:

- acometimento de via aérea ou trato gastrointestinal;

- envolvimento de estrutura com risco de dano funcional ou cosmético permanente;

- insuficiência cardíaca de alto débito decorrente de hemangioma; ou

- hemangioma cutâneo extenso ou de rápido crescimento em período não superior a 1 ano.

6 - CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Serão excluídos deste Protocolo de tratamento os pacientes que apresentarem pelo menos uma das seguintes características:

- história de hipersensibilidade ou contraindicação a medicamento respectivamente indicado no Protocolo;

- história de imunodeficiência ou tumor maligno; ou

- presença de hepatopatia grave definida por elevação de transaminases/aminotransferases (5 vezes acima do valor da normalidade) ou prolongamento no tempo de protrombina (RNI maior de 1,5).

7 - CASOS ESPECIAIS

O hemangioma hepático é um subtipo especial, com aspectos particulares relacionados ao tratamento. Serão considerados casos especiais neste Protocolo os pacientes em qualquer idade, com hemangioma hepático maior de 5 cm (denominado hemangioma gigante), na presença de sintomas ou sinais anatômicos ou funcionais.

Os hemangiomas hepáticos são geralmente diagnosticados por exames de imagem, por apresentarem características específicas à ultrassonografia, à tomografia computadorizada e à ressonância magnética. Em algumas situações, uma combinação de métodos pode ser necessária. Biópsia percutânea não é recomendada neste Protocolo para confirmação diagnóstica em razão do potencial risco de sangramento (13), embora alguns estudos tenham demonstrado segurança com seu uso (14,15).

A história natural dos hemangiomas hepáticos não é completamente conhecida. Algumas séries demonstram que eles permanecem estáveis ao longo do tempo (16,17). Porém crescimento progressivo com desenvolvimento de sintomas foi relatado em alguns casos, havendo necessidade de ressecção cirúrgica (18,19). Rompimento espontâneo é raro, embora esteja descrito em pacientes com hemangiomas gigantes (20). Também há relatos de sangramento após trauma abdominal fechado, sendo o risco maior em hemangiomas gigantes e de localização periférica (21).

Pacientes assintomáticos ou com lesões menores de 5 cm não necessitam de acompanhamento nem de tratamento específico. Já para os com hemangiomas gigantes, sobretudo se sintomáticos, há necessidade de acompanhamento periódico (geralmente semestral) por ultrassonografia abdominal. Pacientes com lesões > 5 cm e com dor ou sintomas decorrentes de compressão de outras estruturas devem ser avaliados para ressecção cirúrgica, considerado tratamento padrão nesta situação (22). É importante certificar-se da relação dos sintomas com a presença do hemangioma, uma vez que até 25% dos pacientes persistem sintomáticos após a ressecção da lesão (23). Na ausência de sintomas, o risco de sangramento é muito baixo, não havendo, portanto, necessidade de ressecção cirúrgica. Opções de tratamento não cirúrgico, que devem ser consideradas nos casos com contraindicação à cirurgia, incluem embolização da lesão por arteriografia e uso sistêmico de alfainterferona, conforme especificado neste protocolo. Porém não há evidências de eficácia a longo prazo de estratégias não cirúrgicas (24,25).

8 - TRATAMENTO

A conduta terapêutica deverá ser individualizada de acordo com tamanho da lesão, localização, presença ou possibilidade de complicações, potencial para fibrose e deformações permanentes, idade do paciente e taxa de crescimento ou regressão no momento da avaliação. O risco potencial do tratamento deverá sempre ser considerado em relação a seus benefícios (11,26).

Dado seu potencial de regressão, a grande maioria dos HIs é conduzida de forma expectante, com adequada orientação aos pais sobre a história natural e potenciais complicações (27). O tratamento local com corticosteroides intralesionais ou tópicos é reservado a casos com lesões pequenas e não complicadas, não sendo objeto deste protocolo. O tratamento cirúrgico é geralmente reservado para pacientes com fibrose cicatricial extensa após regressão da lesão, hemangiomas cutâneos pedunculados (devido ao risco de fibrose) e lesões com regressão lenta em áreas esteticamente delicadas. O tratamento cirúrgico pode ainda ser considerado em casos de hemangiomas ulcerados refratários ao tratamento sistêmico (11,28,29). É importante destacar que a cicatriz cirúrgica pode ter consequências estéticas mais deletérias do que a fibrose da regressão espontânea (27).

O tratamento sistêmico está indicado para pacientes com
hemangiomas complicados e para aqueles com risco de dano funcional
ou estético permanente. A administração de glicocorticosteroides
é o tratamento de escolha na grande maioria das vezes (30).
Em caso de falha, propranolol e alfainterferona constituem agentes
alternativos (27). As recomendações são baseadas em estudos observacionais
e em séries de casos, uma vez que não há ensaios
clínicos randomizados comparando as diferentes estratégias terapêuticas.

O mecanismo de ação dos corticosteroides sobre os hemangiomas não é completamente conhecido, mas acredita-se haver uma inibição direta da produção de fatores de crescimento relacionados com a proliferação vascular (31). Em relação à eficácia, uma metaanálise revisou 24 séries de casos de pacientes com hemangiomas tratados com corticosteróides (32). Os pacientes incluídos, com hemangiomas cutâneos complicados, foram tratados com prednisona na dose de 3 mg/kg/dia ou dose equivalente de outro corticosteroide. Foram excluídos pacientes com mais de 2 anos de idade e os com hemangiomas estáveis ou em regressão. O desfecho primário (resposta ao tratamento) foi definido como ausência de crescimento adicional ou regressão da lesão após o início da administração do corticosteroide. Foi observada ainda a ocorrência de recaída, definida como crescimento da lesão após suspensão ou redução da dose do fármaco. A média de idade dos pacientes foi de 4,5 meses, tratados em média por 1,8 mês (IC95% 1,5-2,2 meses) antes do início da redução de dose. A taxa média de resposta foi de 84% (IC95% 78%-89%), e a de recaída, de 34% (IC95% 29%-44%). Efeitos adversos foram observados em 35% dos casos, sendo os mais comuns irritabilidade, alterações do comportamento, aspecto cushingoide e atraso transitório no crescimento. Diante dos resultados, os corticosteroides são considerados os agentes de primeira escolha no tratamento dos HIs.

Apesar da conhecida resposta dos HIs aos corticosteroides, a melhor forma de administração e dose permanece motivo de debate (33,34). Pequeno ensaio clínico randomizado (35), envolvendo 20 crianças com menos de 4 meses de idade com hemangiomas complicados, comparou prednisolona (2 mg/kg/dia por via oral) com metilprednisolona em pulsoterapia (30 mg/kg/dia, por 3 dias, 1 vez por mês). O corticosteroide por via oral foi superior em relação à indução da regressão da lesão (desfecho primário do estudo). Diante da evidência disponível, recomenda-se a utilização de corticosteroide por via oral nas doses habituais como modalidade de escolha para o tratamento de HIs.

Para pacientes que apresentaram falha terapêutica ou efeitos adversos significativos com o uso de corticosteroides, propranolol pode ser uma alternativa de tratamento, uma vez que inibe o crescimento de HIs (36,37). Os potenciais mecanismos de ação incluem vasoconstrição, inibição de fatores de crescimento e indução de apoptose. O uso de propranolol para tratamento de insuficiência cardíaca em duas crianças levou à diminuição das proporções do hemangioma, o que motivou a investigação de seu uso no tratamento dessas lesões (36). Estudo observacional incluiu 27 pacientes com idade entre 1-12 meses, com hemangiomas complicados, tratados com propranolol na dose de 2-3 mg/kg/dia (38). Todos os pacientes apresentaram rápida melhora, com regressão média de 40% do volume da lesão em 60 dias. Os 13 pacientes que estavam em uso de corticosteroide puderam suspender o fármaco sem evidência de recaída. O tempo médio de tratamento foi de 6,1 meses. Os eventos adversos foram discretos e limitados.

Em outro estudo, crianças com hemangiomas complicados tratadas com propranolol foram avaliadas retrospectivamente39. Vinte e sete utilizaram propranolol (2 mg/kg/dia) para tratamento de HI na fase proliferativa e 5 durante a fase de regressão. Praticamente todos os pacientes (97%) demonstraram algum grau de regressão das lesões durante o uso do medicamento. Dezesseis pacientes (50%) apresentaram excelente resposta e não necessitaram de tratamentos adicionais. Outros 15 (47%) obtiveram resposta parcial necessitando de alguma outra forma de tratamento complementar. As principais reações adversas foram sonolência e refluxo gastroesofágico. Estudos maiores são aguardados, sobretudo uma comparação randomizada sobre o uso de corticosteroides como primeira escolha no tratamento dos HIs.

Alfainterferona é também alternativa terapêutica para pacientes com hemangiomas complicados refratários aos corticosteroides, visto ser um potente inibidor da angiogênese (40-42). Ezekowitz e colaboradores (42) avaliaram seu uso em 20 crianças com hemangiomas complicados refratários aos corticosteroides. O fármaco foi administrado na dose diária de 3.000.000 UI/m2, por via subcutânea. As lesões reduziram-se em mais de 50% em 18-20 pacientes após um período médio de tratamento de 7,8 meses (variação de 2-13 meses). Em relação aos efeitos adversos, todos os pacientes apresentaram reação febril e neutropenia transitória. Não foram relatados outros efeitos tóxicos.

Outro estudo avaliou o uso de alfainterferona em crianças com menos de 4 anos de idade e com hemangiomas complicados refratários aos corticosteróides (41). Aos 20 pacientes incluídos foram administradas doses de 3.000.000 de UI/m2, por via subcutânea, 5 vezes por semana durante 6 meses, sendo a frequência posteriormente reduzida para 3 vezes por semana por 6-24 meses. Em 85% dos pacientes houve regressão da lesão > 50% em 6 meses. A toxicidade foi de curta duração. Todos os pacientes apresentaram reação febril facilmente manejada com antitérmicos. Não houve toxicidade hematológica. Foram descritos também efeitos adversos, como cansaço (2 pacientes), alopecia (2 pacientes), náuseas e vômitos (1 paciente). Os pacientes foram observados por 7-10 anos, sem relato de toxicidade tardia.

Uma série de casos de crianças com menos de 1 ano de idade com hemangiomas complicados tratados com alfainterferona foi publicada por Chao e colaboradores (40). As 21 crianças foram tratadas com alfainterferona na dose diária de 50.000 UI/kg/dia, por via subcutânea. Se houvesse boa tolerância, a dose era aumentada para 100.000 UI/kg/dia (equivalente a 3.000.000 UI/m2) a partir da segunda semana. De acordo com a resposta, o tratamento poderia ser efetuado em dias alternados a partir do terceiro mês, com tempo máximo de 12 meses. Seis pacientes (29%) apresentaram redução de mais de 25% da lesão ao final do primeiro mês. Em 20 pacientes (95%) houve redução da lesão > 50% em 12 meses, e em 15 (71%) foi observada regressão total das lesões em um tempo médio de 13,5 meses (variação de 7-50 meses). Neutropenia (definida por contagem de neutrófilos abaixo de 1.000/mm3) ocorreu em 11 pacientes, com rápida recuperação após a interrupção transitória do tratamento. Os demais efeitos adversos foram discretos e transitórios. Outros autores descreveram séries de HIs tratados com alfainterferona com boa resposta (43-45).

Crianças com hemangioma com indicação de tratamento deverão ser inicialmente submetidas ao uso de corticosteroide. Na ausência de resposta ou na presença de efeitos adversos limitantes ao seu uso, deverão ser tratadas com propranolol. Na ocorrência de falha dos agentes anteriores, recomenda-se o uso de alfa-inferferona. Na falha desta, este Protocolo não recomenda novo tratamento sistêmico. Nesta situação, os pacientes deverão ser avaliados quanto à viabilidade e ao risco/benefício do tratamento cirúrgico. Os tratamentos sistêmicos deverão ser realizados como monoterapia.

8.1 - FÁRMACOS

- Prednisona: comprimidos de 5 e 20 mg

- Prednisolona: solução oral 4,02 mg/ml

- Propranolol: comprimido de 10 mg; solução oral de 1 mg/ml

- Alfainterferona: frasco-ampola de 3.000.000 UI, 5.000.000 UI e 10.000.000 UI

8.2 - ESQUEMAS DE ADMINISTRAÇÃO

- Prednisona ou prednisolona: 3 mg/kg/dia, por via oral, diariamente, com redução gradual de dose após resposta terapêutica.

- Propranolol: 2-3 mg/kg/dia, por via oral, divididos em 3 doses diárias.

- Alfainterferona: 3.000.000 UI/ m2/aplicação (ou 100.000 UI/Kg/aplicação), por via subcutânea, 5 vezes por semana durante 3 meses; após 3 meses, se houver necessidade de manter o tratamento, reduzir a frequência de aplicações para 3 vezes por semana no máximo até 12 meses.

8.3 - TEMPO DE TRATAMENTO - CRITÉRIOS DE INTERRUPÇÃO

O tempo de tratamento deve ser apenas o suficiente para regressão das lesões a ponto de não apresentarem mais risco de vida ou de complicações funcionais ou estéticas. Tão logo este objetivo seja alcançado, o tratamento deverá ser interrompido para minimizar a possibilidade de ocorrência de eventos adversos.

Como a resposta aos medicamentos tende a ocorrer precocemente na maioria das vezes, um paciente deverá ser considerado refratário ao tratamento quando não apresentar regressão de mais de 25% da lesão após 90 dias do início do tratamento. Neste caso, deverá ser considerada a substituição terapêutica conforme a sequência descrita anteriormente.

O tempo de tratamento com prednisona e propranolol não deverá ultrapassar 6 meses, a menos que já esteja sendo realizado esquema de redução de doses para retirada do primeiro. O tempo de tratamento com alfainterferona não deverá ser superior a 12 meses.

O tratamento deverá ser interrompido a qualquer tempo na ocorrência de eventos adversos graves que ofereçam risco à vida por qualquer um dos agentes.

8.4 BENEFÍCIOS ESPERADOS

Espera-se com o tratamento uma redução das proporções da lesão, com diminuição dos sintomas decorrentes, objetivando a prevenção ou reversão de complicações com risco de vida ou de disfunção permanente e prevenção ou minimização de deformações (27).

9 - MONITORIZAÇÃO

Os pacientes deverão ser avaliados semanalmente no primeiro mês de tratamento, quinzenalmente no segundo e mensalmente a partir do terceiro no que diz respeito aos resultados do tratamento eà presença de efeitos adversos. Exames de imagem para avaliação da resposta terapêutica deverão ser realizados somente por pacientes que deles necessitarem pelo menos a cada 90 dias até que o benefício esperado seja atingido.

Os efeitos adversos mais comuns com o uso de prednisona são alterações do comportamento (agitação, insônia, humor deprimido), desenvolvimento de aspecto cushingoide, retardo do crescimento e desconforto epigástrico. Complicações graves associadas ao uso de corticosteroide, como necrose asséptica do quadril, hipertensão, osteoporose e cataratas, são muito raras em crianças. Retardo do crescimento costuma ser transitório, com a criança recuperando a curva normal de crescimento em torno dos 2 anos de idade. Se forem observados efeitos adversos toleráveis, a dose deverá ser reduzida para a menor dose clinicamente eficaz até sua suspensão. Como já expresso no subitem 8.3, acima, o tratamento deverá ser interrompido se houver toxicidade grave.

Os efeitos adversos potencialmente graves decorrentes do uso de propranolol incluem hipotensão, bradicardia, broncoespasmo e hipoglicemia. Recomenda-se que pressão arterial e frequência cardíaca sejam monitorizadas pelo menos 1 vez por hora nas primeiras 6 horas após o início da medicação. Na ausência de efeitos adversos significativos neste período, o acompanhamento poderá ser realizado conforme a rotina citada anteriormente, mas o responsável deve ser devidamente orientado. Se houver hipotensão arterial ou bradicardia com repercussão clínica, a dose deverá ser reduzida pela metade.

Alfainterferona tem como principais efeitos adversos febre, irritabilidade, neutropenia e alteração dos níveis das enzimas hepáticas (aminotransferases/transaminases - AST/TGO e ALT/TGP). Infrequentemente, pode ocorrer hipotireoidismo. A avaliação clínica de rotina deverá ser complementada com a realização de hemograma completo e dosagem de AST/TGO e ALT/TGP). Dosagem de TSH deverá ser realizada previamente e após o término do tratamento ou a qualquer tempo se houver clínica de hipotireoidismo. Se ocorrer neutropenia moderada (neutrófilos de 500-1.000/mm3) ou elevação assintomática de transaminases (até 5 vezes o valor de referência), recomenda-se interromper temporariamente o tratamento e reiniciá-lo com redução da dose em 30% após a normalização dos exames. Se ocorrer neutropenia grave (neutrófilos abaixo de 500/mm3), alterações sintomáticas de transaminases ou ainda elevação além de 5 vezes o valor de referência, o tratamento deverá ser interrompido até a normalização dos exames e reiniciado com redução da dose em 50%. Ocorrência de efeito adverso com risco à vida implicará a suspensão definitiva do tratamento.

10 - ACOMPANHAMENTO PÓS-TRATAMENTO

Concluído o tratamento, os pacientes deverão manter acompanhamento médico semestral nos primeiros 2-3 anos. Pacientes cujas lesões não possam ser completamente avaliadas por exame físico deverão realizar exames de imagem de forma complementar no acompanhamento. Após 2-3 anos, o risco de recaída da doença é mínimo, e os pacientes poderão manter acompanhamento pediátrico usual.

11 - REGULAÇÃO/CONTROLE/AVALIAÇÃO PELO GESTOR

Devem ser observados os critérios de inclusão e exclusão de pacientes neste protocolo, a duração e a monitorização do tratamento, bem como a verificação periódica das doses prescritas e dispensadas e a adequação de uso dos medicamentos e do acompanhamento póstratamento.

12 - TERMO DE ESCLARECIMENTO E RESPONSABILIDADE - TER

É obrigatória a informação ao paciente ou a seu responsável legal dos potenciais riscos, benefícios e efeitos adversos relacionados ao uso dos medicamentos preconizados neste protocolo. O TER é obrigatório ao se prescrever medicamento do Componente Especializado da Assistência Farmacêutica.

13 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TERMO DE ESCLARECIMENTO E RESPONSABILIDADE

ALFAINTERFERONA

Eu,___________________________________________________
(nome do(a) paciente), declaro ter sido informado(a) claramente sobre os benefícios, riscos, contraindicações e principais efeitos adversos relacionados ao uso de alfainterferona, indicada para o tratamento do hemangioma infantil.

Os termos médicos foram explicados e todas as dúvidas foram resolvidas pelo médico _______________________(nome do médico que prescreve).

Assim, declaro que fui claramente informado(a) de que o medicamento que passo a receber pode trazer as seguintes melhoras:

- redução das proporções da lesão, com diminuição dos sintomas dela decorrentes ou minimização do risco de dano funcional ou estético permanente.

Fui também claramente informado(a) a respeito das seguintes contraindicações, potenciais efeitos adversos e riscos do uso deste medicamento:

- não se sabe ao certo os riscos do uso de alfainterferona na gravidez; portanto, caso engravide, deve avisar imediatamente o médico;

- efeitos adversos mais comuns: dor de cabeça, cansaço, ansiedade, tristeza, irritabilidade, febre, tontura, coceira, queda de cabelo, secura na pele, borramento da visão, gosto metálico na boca, alteração nas enzimas do fígado e reações no local de aplicação da injeção (dor, coceira e vermelhidão).

Estou ciente de que este medicamento somente pode ser utilizado por mim, comprometendo-me a devolvê-lo caso não queira ou não possa utilizá-lo ou se o tratamento for interrompido. Sei também que continuarei a ser atendido(a), inclusive em caso de desistir de usar o medicamento.

Autorizo o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde a fazerem uso de informações relativas ao meu tratamento, desde que assegurado o anonimato. ( ) Sim ( ) Não

Local: Data:
Nome do paciente:
Cartão Nacional de Saúde:
Nome do responsável legal:
Documento de identificação do responsável legal:

____________________________

Assinatura do paciente ou do responsável legal

Médico responsável: CRM: UF:

____________________________

Assinatura e carimbo do médico

Data:____________________

OBSERVAÇÃO: Este Termo é obrigatório ao se solicitar o fornecimento de medicamento do Componente Especializado de Assistência Farmacêutica (CEAF) e deverá ser preenchido em duas vias: uma será arquivada na farmácia, e a outra, entregue ao usuário ou a seu responsável legal.

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