Ministério da Saúde
Agência Nacional de Vigilância Sanitária

RESOLUÇÃO - RDC Nº 57, DE 19 DE NOVEMBRO DE 2012

Dispõe sobre as Boas Práticas de Fabricação de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação, acrescenta o art. 1º - B e Anexo III à Resolução - RDC nº 249, de 13 de setembro de 2005 e dá outras providências.

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos III e IV, do art. 15 da Lei n.º 9.782, de 26 de janeiro de 1999, o inciso II, e §§ 1° e 3° do art. 54 do Regimento Interno aprovado nos termos do Anexo I da Portaria nº 354 da ANVISA, de 11 de agosto de 2006, republicada no DOU de 21 de agosto de 2006, e suas atualizações, tendo em vista o disposto nos incisos III, do art. 2º, III e IV, do art. 7º da Lei n.º 9.782, de 1999, e o Programa de Melhoria do Processo de Regulamentação da Agência, instituído por meio da Portaria nº 422, de 16 de abril de 2008, em reunião realizada em 06 de novembro de 2012, adota a seguinte Resolução da Diretoria Colegiada e eu, Diretor - Presidente, determino a sua publicação:

Art. 1º Fica aprovado o Regulamento técnico que estabelece requisitos de Boas Práticas de Fabricação de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação, nos termos desta Resolução.

Art 2º A Resolução RDC nº 249, de 13 de setembro de 2005 passa a vigorar acrescida do art. 1º- B e Anexo III, referente às Boas Práticas de Fabricação de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação:

"Art. 1º -B. Determinar a todos os estabelecimentos fabricantes de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação, o cumprimento das diretrizes estabelecidas no Anexo I e Anexo III - Boas Práticas de Fabricação de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação, acrescido pela Resolução - RDC nº 57, de 19 de novembro de 2012."

"Anexo III

Boas Práticas de Fabricação de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação

GLOSSÁRIO

Banco de células:

Coleção de frascos contendo alíquotas de suspensão de células de composição uniforme e derivados de um único conjunto de células, preservados sob condições definidas que garantam estabilidade no armazenamento.

Banco de células mestre:

Cultura derivada de uma única colônia ou uma única célula totalmente caracterizada, distribuída em frascos numa operação única.Possui composição uniforme e é preservado sob condições definidas.

Banco de células de trabalho:

Cultura de células preparada a partir do banco de células mestre sob condições de cultivo definidas, preservada sob condições definidas e usada para iniciar a cultura de células na produção.

Cultura de células :

Derivada de um ou mais frascos do banco de células de trabalho, usada na produção de produtos biológicos.

Inativação viral:

Processo que aumenta a segurança do produto através da morte de eventuais vírus contaminantes.

Remoção viral:

Processo que aumenta a segurança do produto através da remoção ou separação de eventuais vírus do produto de interesse.

Substrato celular:

Células microbianas ou linhagens celulares de origem animal ou humana que possuem o potencial para a geração do produto biológico/biotecnológico de interesse.

1. Considerações gerais

Esta norma tem por objetivo complementar os princípios de Boas Práticas de Fabricação de insumos farmacêuticos ativos já existentes e direcionar o controle específico para a fabricação de insumos farmacêuticos ativos obtidos por cultura de células ou fermentação usando organismos naturais ou recombinantes. Os princípios da fermentação por processo clássico para produção de pequenas moléculas e para processos usando organismos recombinantes e não-recombinantes para produção de proteína e/ou polipeptideos têm pontos em comum, embora o grau de controle seja diferenciado.

O termo "processo biotecnológico" refere-se ao uso de células ou organismos que foram gerados ou modificados pela técnica de DNA recombinante, hibridoma ou outra tecnologia para produzir insumos farmacêuticos ativos. Os insumos farmacêuticos ativos produzidos por processos biotecnológicos normalmente são formados por substâncias de alta massa molecular, como as proteínas e polipeptídeos.

Certos insumos farmacêuticos ativos de baixa massa molecular, como os antibióticos, aminoácidos, vitaminas e carboidratos, podem também ser obtidos por tecnologia de DNA recombinante.

O termo "fermentação clássica" refere-se ao processo que usa microorganismo existente na natureza e/ou modificado por métodos convencionais (ex. irradiação ou mutagênese química) para produção de insumos farmacêuticos ativos.

Os processos de produção de biológicos têm uma variabilidade intrínseca. Por esta razão, na fabricação de produtos biológicos é ainda mais crítico o cumprimento das recomendações estabelecidas pelas BPF, durante todas as fases de produção.

O controle de qualidade dos produtos biológicos quase sempre implica no emprego de técnicas biológicas que têm uma variabilidade maior que as determinações físico-químicas. O controle durante o processo adquire grande importância na produção dos produtos biológicos, porque certos desvios de qualidade não são detectados nos ensaios de controle de qualidade realizados no produto terminado.

2. Requisitos gerais de Boas Práticas de Fabricação de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação

2.1 Produção de insumos farmacêuticos ativos obtidos por cultura de células ou fermentação envolve processos biológicos como o cultivo de células ou extração e purificação do produto de interesse. Podem existir etapas de processo adicionais, tal como modificação físico-química, que fazem também parte do processo de fabricação. As matérias-primas utilizadas (meio de cultura, tampão, antiespumantes, entre outros) podem ser fontes potenciais para crescimento de contaminantes microbiológicos. Dependendo da origem, do método de preparação e uso pretendido do insumo farmacêutico ativo, o controle de carga microbiana, da contaminação viral e/ou de endotoxina durante a fabricação podem ser necessários.

2.2 Devem ser estabelecidos controles adequados em todas as etapas de fabricação a fim de assegurar a qualidade do insumo
farmacêutico ativo.

2.3 Devem ser realizados controles ambientais e dos equipamentos a fim de minimizar o risco de contaminação. Os critérios de aceitação para a qualidade do ambiente e a freqüência de seu monitoramento dependerão da etapa de produção e das condições em que se realiza a produção (sistema fechado, aberto ou de contenção).

2.4 Os controles do processo devem considerar:

? Manutenção do banco de células;

? Inoculação e expansão adequada do cultivo;

? Controle dos parâmetros operacionais críticos durante o cultivo e a fermentação, recuperação e purificação do produto de interesse;

? Monitoramento do processo em relação ao crescimento celular e viabilidade;

? Implementação de procedimentos de recuperação e purificação que removam células, resíduos celulares, componentes do meio e outras impurezas relacionadas ao processo ou ao produto, bem como outros contaminantes, a fim de proteger o insumo farmacêutico ativo de alterações na qualidade e de contaminação, principalmente microbiológica;

? Monitoramento da carga biológica e quando necessário, dos níveis de endotoxinas, nas etapas apropriadas da produção;

? Garantir segurança do produto em relação à contaminação viral, quando aplicável.

2.5 Pessoal

2.5.1 O pessoal não deve passar das áreas onde se manipulam microrganismos ou animais vivos para instalações onde se trabalha com outros produtos ou organismos, a menos que se apliquem medidas de descontaminação definidas, inclusive a troca de uniforme e calçados.

2.5.2 Quando se fabricam vacinas BCG, o acesso às áreas de produção deve ser restrito ao pessoal cuidadosamente monitorado por exames médicos periódicos.

2.6 Instalações e Equipamentos

2.6.1 Deve-se evitar a disseminação pelo ar, dos microrganismos patogênicos manipulados na produção.

2.6.2 Nas áreas utilizadas para a produção de produtos em campanha, as instalações e a disposição dos equipamentos devem permitir limpeza e sanitização rigorosas após a produção, e quando necessário, a descontaminação eficaz através de esterilização e/ou fumigação. Todos os processos e equipamentos utilizados devem ser validados/ qualificados.

2.6.3 Os microrganismos vivos devem ser manipulados em equipamentos e com procedimentos que assegurem a manutenção da pureza das culturas, bem como, proteja o operador da contaminação com o referido microrganismo.

2.6.4 Produtos biológicos provenientes de microrganismos esporulados devem ser manipulados em instalações exclusivas para este grupo de produtos, até que se termine o processo de inativação. Quando se tratar de Bacillus anthracis, Clostridium botulinum e Clostridium tetani, devem ser utilizadas instalações isoladas e destinadas exclusivamente, para cada um desses produtos.

2.6.5 Quando em uma instalação ou conjunto de instalações se realizam preparações de microrganismos esporulados para produção em campanha, deve ser produzido somente um produto de cada vez.

2.6.6 A contaminação cruzada pode ser evitada através da adoção das seguintes medidas, quando aplicável:

(a) transferir os materiais biológicos com segurança;

(b) trocar de vestuário quando entrar em áreas produtivas diferentes;

(c) limpar e descontaminar cuidadosamente os equipamentos e elementos filtrantes filtrantes, quando aplicável;

(d) tomar precauções contra os riscos de contaminação causados pela recirculação do ar no ambiente limpo ou pelo retorno acidental do ar eliminado;

(e) utilizar "sistemas fechados" na produção;

(f) tomar precauções para prevenir a formação de aerossóis (principalmente por centrifugação e misturas);

(g) proibir a entrada de amostras de espécimes patológicas não utilizadas no processo de produção nas áreas utilizadas para a produção de substâncias biológicas;

2.6.7 A preparação de produtos estéreis deve ser realizada em área limpa com pressão positiva de ar. Porém, todos os organismos considerados patogênicos devem ser manipulados com pressão negativa de ar, em locais especialmente reservados para esse propósito, de acordo com as normas de contenção e biossegurança para o produto em questão.

2.6.8 As áreas onde se manipulam microorganismos patogênicos devem ter sistema exclusivo de circulação do ar e este não deve ser recirculado. O ar deve ser eliminado através de filtros esterilizantes cujo funcionamento e eficiência devem ser verificados periodicamente. Os filtros utilizados devem ser incinerados após o descarte.

2.6.9 Quando forem utilizados na produção microorganismos patógenos, a área de produção deve possuir sistemas específicos de descontaminação dos efluentes.

2.6.10 As tubulações, válvulas e filtros de ventilação dos equipamentos devem ser projetados de forma a facilitar sua limpeza e esterilização.

2.6.11 Os filtros de ventilação devem ser hidrofóbicos e devem ser adequados para seu uso proposto.

3. Manutenção do banco de células e registros É responsabilidade do fabricante a qualidade de cada banco de células, garantindo a rastreabilidade, identidade, pureza, viabilidade e demais testes a serem realizados em cada banco, conforme as características biológicas das células.

3.1 Os bancos de células mestre e de trabalho utilizados na fabricação de produtos biológicos devem ser estabelecidos conforme os princípios de Boas Práticas de Fabricação. Devem ser armazenados separados de outros materiais com acesso restrito a pessoas autorizadas.

3.2 Para garantir a produção contínua do insumo biológico, os fabricantes devem ter planos para prevenir que algum evento não desejado como incêndio, queda de energia ou erro humano, possa inutilizar o banco de células. Tais planos podem incluir armazenamento dos frascos do banco de células em múltiplos locais.

3.3 O banco de células deve ser mantido sob as condições de armazenagem adequadas para manter a viabilidade celular e evitar contaminação. Deve haver procedimentos para evitar contaminação do banco de células, principalmente durante sua manipulação. Os bancos de células de trabalho recém preparados devem ser qualificados através de caracterização e testes apropriados.

3.4 Devem ser mantidos registros das condições de armazenagem e do uso dos frascos do banco de células, de forma a permitir sua rastreabilidade.

3.5 Deve ser feito o monitoramento da estabilidade do banco de células (quando apropriado) sob condições de armazenagem definidas, para determinar sua adequação para uso.

3.6 Deve haver controle e registro do número de repiques/passagens das cepas utilizadas.

4. Cultura de células/Fermentação

4.1 Quando é necessária a adição asséptica de substrato celular, meio de cultura, tampões, gases, ou outros componentes, sistemas fechados ou de contenção devem ser usados, se possível. Se a inoculação inicial, transferências ou adições posteriores (meio, tampões e outros componentes) são realizadas em recipientes abertos, deve haver controles e procedimentos para minimizar o risco de contaminação.

4.2 Quando a qualidade do produto pode ser afetada por contaminação microbiana, manipulações usando recipientes abertos devem ser realizadas sob fluxo unidirecional ou em ambientes semelhantemente controlados.

4.3 O pessoal deve estar adequadamente paramentado e deve ter precauções especiais no manuseio das culturas.

4.4 Parâmetros operacionais críticos (como por exemplo, temperatura, pH, velocidade de agitação, concentração de gases, pressão) devem ser monitorados para garantir consistência com o processo estabelecido. Crescimento celular, viabilidade (para a maioria dos processos de cultura celular), e, quando apropriado, produtividade e rendimento também devem ser monitorados.

4.5 Os equipamentos para cultivo celular devem ser limpos e quando apropriado esterilizados após o uso.

4.6 Quando apropriado, o meio de cultura deve ser esterilizado antes do uso a fim de preservar a qualidade do insumo farmacêutico ativo. O procedimento de esterilização deve ser validado.

4.7 Deve haver procedimentos para detectar contaminações e estabelecer a ação a ser tomada, incluindo procedimentos para determinar o impacto da contaminação no produto. Microorganismos estranhos observados durante o processo de fermentação devem ser identificados e o efeito de sua presença na qualidade do produto deve ser avaliado. Os resultados de tais verificações devem ser levados em consideração na disposição do produto fabricado.

4.8 Devem ser mantidos registros dos casos de contaminação.

4.9 Deve haver procedimentos para descontaminação dos equipamentos.

4.10 Os procedimentos de limpeza dos equipamentos devem ser validados.

5. Recuperação e Purificação

5.1 As etapas de recuperação, seja para remoção de células ou componentes celulares, ou para coletar componentes celulares após ruptura, devem ser realizadas em equipamento e áreas apropriadas de forma a minimizar o risco de contaminação.

5.2 Os procedimentos de recuperação e purificação que removem ou inativam o organismo produtor, restos celulares e componentes do meio de cultura e do processo devem ser adequados para assegurar que o insumo farmacêutico ativo seja recuperado consistentemente.

5.3 Quando for realizado um processo de inativação durante a produção devem ser tomadas medidas para evitar o risco de contaminação cruzada entre os produtos ativos e inativos.

5.4 Todos os equipamentos devem ser limpos e quando aplicável esterilizados, de forma a garantir que a qualidade do insumo farmacêutico ativo não seja comprometida.

5.5 Quando forem utilizados sistemas abertos, a purificação deverá ser realizada em condições ambientais apropriadas para a preservação da qualidade do produto.

5.6 A(s) coluna(s) cromatográfica(s) e membranas utilizada(s) no processo de purificação deve(m) ser dedicada(s) por produto quando apropriado, devendo ser esterilizada(s) ou sanitizada(s) após cada lote. Deve-se definir a vida útil da resina utilizada e estipular o prazo de validade para a esterilização e/ou sanitização. Deve-se estabelecer limites máximos de carga microbiana e endotoxinas da coluna e monitorá-los.

6. Etapas de Remoção ou Inativação Viral

6.1 Deve ser demonstrado através de evidências documentais que as etapas de inativação ou remoção viral são efetivas.

6.2 Precauções apropriadas devem ser tomadas para prevenir contaminação viral das etapas pós remoção/inativação viral pelas etapas pré remoção/inativação viral. Os processos realizados em sistemas abertos deverão ser separados e ter unidades de tratamento de ar separadas.

6.3 Se o mesmo equipamento for utilizado para diferentes etapas do processo de purificação, procedimentos apropriados de limpeza e sanitização devem ser empregados antes da reutilização. Precauções apropriadas devem ser tomadas para evitar a contaminação viral advinda de etapas anteriores.

6.4 Quando utilizados produtos químicos para a inativação, estes não devem interferir na qualidade do insumo farmacêutico ativo."

Art. 3º O art. 2º da Resolução RDC nº 249, de 13 de setembro de 2005, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 2º Para efeito deste Regulamento Técnico, são adotadas as definições constantes no glossário dos Anexos I e III.

Parágrafo único. O Anexo III aplica-se a todos os estabelecimentos fabricantes de insumos farmacêuticos ativos obtidos por culturas de células/fermentação, conforme item 1.7 do Anexo I desta Resolução - RDC."

Art. 4º O descumprimento das disposições contidas nesta Resolução constitui infração sanitária, nos termos da Lei n° 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo das responsabilidades civil, administrativa e penal cabíveis.

Art. 5° Esta Resolução de Diretoria Colegiada entra em vigor na data de sua publicação.

DIRCEU BRÁS APARECIDO BARBANO

Diretor-Presidente

Saúde Legis - Sistema de Legislação da Saúde