POLÍTICA NACIONAL DE REDUÇÃO DA MORBIMORTALIDADE POR ACIDENTES E VIOLÊNCIAS
I. INTRODUÇÃO
Os acidentes e as violências no Brasil configuram um problema de saúde pública de grande magnitude e transcendência, que tem provocado forte impacto na morbidade e na mortalidade da população.
A presente Política Nacional, instrumento orientador da atuação do setor saúde nesse contexto, adota como expressão desses eventos a morbimortalidade devida ao conjunto das ocorrências acidentais e violentas que matam ou geram agravos à saúde e que demandam atendimento nos serviços de saúde. Acresce a esse grupo de eventos aqueles que, mesmo não chegando aos serviços de saúde, são do conhecimento de outros setores da sociedade (polícias, hospitais não credenciados ao Sistema Único de Saúde - SUS, entre outros).
Assim delimitada, esta Política estabelece diretrizes e responsabilidades institucionais, nas quais estão contempladas e valorizadas medidas inerentes à promoção da saúde e à prevenção desses eventos, mediante o estabelecimento de processos de articulação com diferentes segmentos sociais.
Os acidentes e as violências resultam de lições ou omissões humanas e de condicionantes técnicos e sociais. Ao considerar que se trata de fenômeno de conceituação complexa, polissêmica e controversa, este documento assume como violência o evento representado por ações realizadas por indivíduos, grupos, classes, nações, que ocasionam danos físicos, emocionais, morais e ou espirituais a si próprio ou a outros (Minayo e Souza, 1998). Nesse sentido, apresenta profundos enraizamentos nas estruturas sociais, econômicas e políticas, bem como nas consciências individuais, numa relação dinâmica entre os envolvidos. Há diversas formas de expressão da violência: agressão física, abuso sexual, violência psicológica e violência institucional. Os diversos grupos populacionais são atingidos por diferentes tipos de violência com conseqüências distintas. Os homens sofrem mais violência que levam a óbito e tornam-se visíveis nos índices de mortalidade. Em outros segmentos, porém, sobretudo o de criança, adolescente, mulher e idoso, as violências não resultam necessariamente em óbito, mas repercutem, em sua maioria, no perfil de morbidade, devido ao seu impacto sobre a saúde.
De outra parte, acidente é entendido como o evento não intencional e evitável, causador de lesões físicas e ou emocionais no âmbito doméstico ou nos outros ambientes sociais, conto o do trabalho, do trânsito, da escola, de esportes e o de lazer. Os acidentes também se apresentam sob formas concretas de agressões heterogêneas quanto ao tipo e repercussão. Entretanto, em vista da dificuldade para estabelecer, com precisão, o caráter de intencionalidade desses eventos, reconhece-se que os dados e as interpretações sobre acidentes e violências comportarão sempre um certo grau de imprecisão. Esta Política adota o termo acidente em vista de estar consagrado pelo uso, retirando-lhe, contudo, a conotação fortuita e casual que lhe pode ser imputada. Assume-se, aqui, que tais eventos são, em maior ou menor grau, perfeitamente previsíveis e preveníveis.
Os acidentes e as violências configuram, assim, um conjunto de agravos à saúde, que pode ou não levar a óbito, no qual se incluem as causas ditas acidentais - devidas ao trânsito, trabalho, quedas, envenenamentos, afogamentos e outros tipos de acidentes - e as causas intencionais (agressões e lesões autoprovocadas). Esse conjunto de eventos consta na Classificação Internacional de Doenças - CID. (OMS, 1985 e OMS, 1995) - sob a denominação de causas externas. Quanto à natureza da lesão, tais eventos e ou agravos englobam todos os tipos de lesões e envenenamentos, como ferimentos, fraturas, queimaduras, intoxicações, afogamentos, entre outros.
O tema inclui-se no conceito ampliado de saúde que, segundo a Constituição Federal e a legislação dela decorrente, abrange não só as questões médicas e biomédicas, mas também aquelas relativas a estilos de vida e ao conjunto de condicionantes sociais, históricos e ambientais nos quais a sociedade brasileira vive, trabalha, relaciona-se e projeta seu futuro.
Ao incorporar os dois temas como problemas de saúde pública, o setor o faz, de um lado, assumindo a sua participação – com os outros setores e com a sociedade civil - na construção da cidadania e da qualidade de vida da população e, de outro, o seu papel específico, utilizando os instrumentos que lhe são próprios: as estratégias de promoção da saúde e de prevenção de doenças e agravos, bem como a melhor adequação das ações relativas à assistência, recuperação e reabilitação,
Na década de 80, as mortes por acidentes e violências passaram a responder pela segunda causa de óbitos no quadro de mortalidade geral, ensejando a discussão de que se tratava de um dos mais graves problemas de saúde pública a ser enfrentado. A partir de então, essas mortes representam cerca de 15% dos óbitos-registrados no País, perdendo apenas para as doenças do aparelho circulatório. Em 1996 e 1997, os acidentes e as violências foram responsáveis por aproximadamente, 120 mil óbitos anuais.
Na ampla faixa etária dos 5 aos 39 anos de idade, as causas externas ocupam o primeiro lugar como causa de morte. Os acidentes de trânsito e os homicídios – estes em franca ascensão, ultrapassando os primeiros, desde 1990, em termos proporcionais - são os dois subgrupos responsáveis por mais da metade dos óbitos por acidentes e violências (Souza, 1994). Assinale-se que, na população jovem, em 1997, para cada mulher de 20 a 29 anos de idade, morreram 15 homens da mesma faixa etária por projétil de arma de fogo. A população masculina, além de armas de fogo (SIM/MS - 1997), está também mais exposta a outros fatores de risco, como uso de álcool e de drogas.
A concentração dos acidentes e das violências é visivelmente mais clara nas áreas urbanizadas, que acumulam cerca de 75% do total das mortes por causas violentas. Nas áreas rurais, entretanto, o fenômeno está também presente, embora a sua gênese e as suas manifestações sejam diversas e pouco investigadas. Nelas são geradas mortes em conflitos pela terra, em áreas de garimpo, na rota do narcotráfico, ao lado do aliciamento e da exploração de crianças e adolescentes para a prostituição e o trabalho escravo. São também consideráveis as vítimas de intoxicações por agrotóxicos e de envenenamentos por animais peçonhentos.
O impacto dessas mortes pode ser analisado por meio do indicador relativo a Anos Potenciais de Vida Perdidos (APVP). Por incidirem com elevada frequência no grupo de adolescentes e adultos jovens, os acidentes e as violências são responsáveis pelo maior número de anos potenciais de vida perdidos. No Brasil, o indicador de APVP aumentou 30% em relação a acidentes e a violências, entre 1981 e 1991, enquanto que, para as causas naturais, os dados encontram-se em queda (Reichenheim e Werneck, 1994; Iunes, 1997; Vermelho, 1994).
Menos freqüentes, porém importantes, são as causas externas relacionadas à autoagressão, como o suicídio e as tentativas não consumadas. Apesar da subnotificação, vem sendo observado um aumento dos casos: a taxa de suicídio aumentou 34%, entre 1979 a 1997. Em 1997, 6.920 pessoas cometeram suicídio. A população masculina jovem - de 0 a 24 anos - é o grupo que se encontra maior risco para tal violência.
No tocante à morbidade por acidentes e violências, ainda é bastante precário o conhecimento disponível, seja em nível nacional, seja regional ou mesmo local. Dados das Autorizações de Internação Hospitalar - AIH – mostram que, em 1996, foram registradas 679.511 internações por essas causas, somente nos hospitais ligados ao SUS. A preponderância do sexo masculino e da faixa etária de 15 a 29 anos de idade indica que esses eventos se devem, sobretudo, a acidentes de trabalho e de trânsito. As fraturas, principalmente de membros, motivaram 37,5% das internações, destacando-se também; como causa de internação, as queimaduras entre crianças menores de cinco anos de idade (Lebrão e cols., 1997).
O impacto econômico dos acidentes e das violências no Brasil pode ser medido diretamente por meio dos gastos hospitalares com internação, inclusive em unidades de terapia intensiva, e dias de permanência geral. Em 1997, o total desses gastos correspondeu a R$ 232.376.612,16, valor que representou, aproximadamente, 8% dos dispêndios com internações por todas as causas. Embora se saiba que esses valores estão bastante subestimados, é importante assinalar que hospitalizações por lesões e envenenamentos representam um gasto/dia cerca de 60% superior à média geral das demais internações (lunes, 1997).
No conjunto das causas externas, os acidentes de transporte destacam-se em termos de magnitude, tanto de mortes, quanto de feridos. Dados do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), da Fundação Nacional de Saúde, revelam que, em 1996, 35.545 pessoas morreram em conseqüência de acidentes de transporte. No ano de 1996, esses acidentes corresponderam a cerca de 30% do total de causas externas. A taxa de mortalidade - 22,6 por 100.000 habitantes - foi 40% maior do que a de 1977.
O adulto jovem apresenta-se como vítima importante, fato que evidencia não só um dano social, mas perdas na população economicamente ativa (Mello Jorge e Latorre, 1994; Mello Jorge e cols., 1997). O Departamento Nacional de Estradas e Rodagens - DNER cita que, somente nas estradas federais do País, em 1995, ocorreram 95.514 acidentes, com 63.309 pessoas envolvidas, entre feridos e mortos, dos quais cerca de 56% tinham menos de 33 anos de idade (MT, 1996). As crianças em idade escolar e os idosos são grupos também especialmente vulneráveis aos atropelamentos.
O novo Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que entrou em vigor em 22 de janeiro de 1998, por meio da Lei N.° 9.503, privilegia as questões de segurança e de preservação da vida. Uma de suas características é o expressivo conjunto de medidas de prevenção que contém, não sendo, por conseguinte, um instrumento apenas punitivo. A sua implantação configura, assim, o mecanismo legal e eficaz para a diminuição dos principais fatores de risco, envolvendo condutor, pedestre, veículos e via pública.
O retardamento da implantação completa do CTB e a precária fiscalização na aplicação das leis já implantadas comprometem os resultados esperados de redução da violência no trânsito. A sensibilização da sociedade quanto à relevância do Código é fundamental. A implantação efetiva do CTB requer, por outro lado, a superação do atraso tecnológico nas questões do trânsito brasileiro, como a baixa confiabilidade das estatísticas referentes à frota das pessoas habilitadas, bem como em relação às vítimas e às ocorrências de acidentes de trânsito: o precário controle de tráfego, inspeção e segurança veicular; a desagregação de normas e procedimentos relativos à engenharia de trânsito; a fiscalização inadequada; e o treinamento ultrapassado para a habilitação de novos condutores, além da capacitação técnica de recursos humanos. Acrescente-se a isso o insuficiente conhecimento acerca desses eventos e vítimas, visto que os dados de atendimentos em prontos socorros, por exemplo, não estão abrangidos nas estatísticas oficiais.
Em relação aos acidentes e às violências, são várias as fontes a partir das quais se pode investigar, cada uma constituída de modo a satisfazer as necessidades institucionais que as geram. Além disso, sofrem diretamente as influências das limitações características dos sistemas de notificação, às vezes difíceis de serem compatibilizados. Desse modo, os resultados das investigações são divergentes, dependendo da fonte consultada ocasionando distorções e erros interpretativos (Mello Jorge, 1990; Souza e cols., 1996).
As principais fontes oficiais de informação para o estudo dos acidentes e das violências, nas diferentes fases do evento até a morte, são do Boletim de Ocorrência Policial (BO); o Boletim de Registro de Acidentes de Trânsito do DENATRAN; a Comunicação de Acidentes do Trabalho (CAT); o Sistema de informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS); o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS); e o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinatox).
O BO, instrumento utilizado nas Delegacias de Polícia nos níveis estadual e municipal, é uma fonte que pode ser complementada pelo Boletim de Ocorrência gerado pela Polícia Militar. Não é padronizado em nível nacional e, em geral, informa melhor os eventos mais graves que chegam ao conhecimento da polícia.
Por intermédio das Boletins de Registro de Acidentes de Trânsito os Detran estaduais, os Departamentos de Estrada nos três níveis de governo e os órgãos executivos municipais coletam os dados relativos aos acidentes ocorridos nas vias sob a sua jurisdição, utilizando documentos distintos que identificam veículos, condutores, passageiros, pedestres e condições das vias. Esses dados são sintetizados pelo DENATRAN, que recebe as informações de acidentes de trânsito registrados pelos Detran e pela Polícia Rodoviária Federal, mediante o Sistema Nacional de Acidentes de Trânsito (SINET/DENATRAN). Entretanto, não existe articulação eficiente entre os níveis federal, estadual e municipal desse Sistema além do que seus dados não são analisados nem retroalimentam adequadamente tal sistema.
A CAT por sua vez, é o instrumento de notificação utilizado em nível nacional pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS - para fins de concessão de benefícios. Dada a sua ampla aplicação em todo o Território Nacional, constitui-se na principal fonte de informação para o estudo da morbimortalidade ocupacional. Além do reconhecido sub-registro, essa fonte exclui os autônomos, os empregados domésticos, os vinculados a outros sistemas previdenciários e os sem carteira assinada. Tais limitações, particularmente considerando a grande parcela de trabalhadores inseridos no setor informal da economia, dificultam a conformação do perfil epidemiológico da população trabalhadora do País. A partir desses registros, verificou-se, no ano de 1996, que 90% dos acidentes notificados ocorreram nas regiões Sudeste e Sul, dos quais a metade no setor industrial; destes cerca de 60% referem-se ao grupo etário de 18 a 35 anos de idade. Entre os trabalhadores do sexo masculino, o principal ramo gerador de acidentes é a construção civil.
Nos acidentes ampliados - incêndios, explosões e vazamentos envolvendo produtos químicos perigosos -, embora conhecidos pelo seu impacto nas comunidades e no meio ambiente, 90% das vítimas imediatas são os próprios trabalhadores. Algumas vezes, resultam em verdadeiras catástrofes, provocando dezenas, centenas ou milhares de mortes em um único evento. São exemplos desses acidentes o de Vila Socô, em Santos, 500 óbitos aproximadamente, e o da Plataforma de Enchova, no Rio de Janeiro, em 1984 - 10 óbitos -, além de eventos recentes, como o do shopping de Guarulhos, São Paulo, que provocou dezenas de mortes.
O Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), que abarca informações das instituições públicas e conveniadas ou contratadas pelo SUS, engloba em torno de 80% da assistência hospitalar do País e sua massa de dados diz respeito a cerca de 13 milhões de internações/ano. Nesse aspecto, é importante salientar que, até 1997, estão sendo os dados de acidentes e de violências eram os relativos somente à natureza da lesão que levou à internação, sem qualquer esclarecimento quanto ao seu agente causador. A partir de 1998, em decorrência da Portaria Ministerial N.º 142, de 13 de novembro de 1997, estão sendo codificados também os tipos de causas externas geradoras das lesões que ocasionaram a internação. Assinale-se que não existem sistemas de informação epidemiológica relacionados aos atendimentos em prontos-socorros e ambulatórios, e que contemplam estudos mais apurados relativos a acidentes e a violências.
Implantado no País em 1975, o Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) - é gerido pelo Centro Nacional de Epidemiologia da Fundação Nacional de Saúde. Embora abranja, atualmente, mais de 900 mil óbitos/ano, a sua cobertura não é ainda completa em algumas áreas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Quanto à qualidade das informações relativas a acidentes e a violências, algumas deixam a desejar. Os dados, nesse contexto, têm origem nas Declarações de Óbitos - DO - preenchidas nos Institutos de Medicina Legal. A qualidade das informações é ainda discutível, na medida em que, algumas vezes, não existe detalhamento quanto ao tipo ou intencionalidade da causa externa responsável pelas lesões que provocaram o óbito. Nesses casos, sabe-se apenas que se trata de uma morte decorrente de causas externas. Tal ocorrência vem sendo verificada em cerca de 10% do total de mortes por acidentes e violências no País, alcançando em algumas áreas, valores bem mais elevados. Em determinadas localidades, essa distorção tem sido sanada ou minimizada com o auxílio de informações de outras fontes, tais como consultas ao prontuário hospitalar, latidos de necropsia ou utilização de noticiários de jornais.
Já o Sistemas Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sintox) foi instituído pelo Ministério da Saúde em 1980, tendo por base experiências pioneiras e bem sucedidas em locais como o Centro de Controle de Intoxicações dos Hospitais Menino de Jesus em São Paulo e João XXIII, em Belo Horizonte, ambas em 1972. A criação do Sinitox originou-se da necessidade de se criar um sistema abrangente de alcance nacional, capaz de fornecer dados precisos sobre medicamentos e demais agentes tóxicos existentes às autoridades, aos profissionais de saúde e as áreas afins, bem como à população em geral. Em 1997, esse Sistema estava formado por uma rede de 31 Centros de Controle de Intoxicações em 16 estados. Um total de 50.264 casos de intoxicação humana foram registrados no Brasil, em 1995. Embora seja um sistema de referência para a América Latina, é importante reconhecer que o Sinitox ainda padece de importante subnotificação, causada, em parte, pela não obrigatoriedade do registro e pela não uniformidade dos dados em relação ocorrências.
Em função do crescimento dos acidentes e das violências, da relativa inconsistência dos dados e da ausência de registros e conhecimento sobre certos agravos - principalmente no que se refere à determinação dos fatores de risco associados a cada um deles -, somente nos últimos anos é que têm sido desencadeadas algumas tentativas pontuais de estruturação de sistemas de informação mais integrados, ágeis e atualizados, objetivando a vigilância epidemiológica destes eventos.
De outra parte, é consenso mundial que a questão dos agravos externos tem vários e diversificados aspectos, que precedem a porta do hospital ou, até mesmo, o acionamento dos serviços de atendimento pré-hospitalar. A partir da ocorrência do evento, no entanto, o adequado atendimento pré-hospitalar e hospitalar tem favorecido de maneira importante na minimização da morbimortalidade por tais eventos. A literatura publicada nos anos 80 nos Estados Unidos e em vários países da Comunidade Européia apresenta evidências de que a percentagem de mortes evitáveis sofreu uma redução da ordem de 50% ou mais, a partir da implantação de sistemas de atendimento ao traumatizado.
No Brasil da década de 80, a ausência de diretrizes nacionais para a área de emergência, particularmente de Atendimento Pré-Hospitalar (APH), levou alguns estados a criarem seus serviços dissociados de uma linha mestra e de uma normalização típica de planejamento, instalação e operacionalização, respeitadas as diferenças regionais, surgindo, assim, um verdadeiro mosaico de modelos, a maioria deles com deficiências técnicas importantes, tanto no setor público, quanto privado.
O desenvolvimento de APH teve início no Estado do Rio de Janeiro. Desde então, diversos grupos foram criados, os quais sensibilizaram os governos locais, levando ao surgimento de alguns serviços de atendimento pré-hospitalar (Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Pernambuco e Ceará). Alguns outros estados estão dando início ao processo de implantação, principalmente por conta do projeto de Reforço à Reorganização do SUS (Reforsus), que visa, entre outros, à melhoria e à capacitação dos serviços de atendimento de emergência no País.
O sistema de APH tem a finalidade de atender vítimas em situação de urgência e emergência, antes da sua chegada ao hospital. No Brasil, existem dois sistemas de APH em nível público: o do telefone n.° 192, desenvolvido e operacionalizado pelo governo municipal, e o do sistema 193, de caráter estadual, a cargo dos Corpos Bombeiros. Em algumas cidades, ambos têm a presença do profissional médico. Os dois sistemas funcionam a partir de uma central de chamados, que recebe as solicitações. Dessa central emanam as ordens e apoio às diferentes ações. De acordo com as novas orientações do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina, as centrais de APH deverão ampliar as suas especificações e objetivos, passando a ser denominadas de Regulação Médica.
No elenco de problemas identificados, verifica-se a falta de normalização dos serviços de atendimento pré-hospitalar. A ausência de uma ficha de atendimento com informações básicas, imprescindíveis e comuns a todos os APH, tem contribuído para que ocorram graves distorções. Não existe um processo sistematizado de alimentação e retroalimentação entre os diferentes setores envolvidos no atendimento às urgências, tais como saúde, segurança, educação, meteorologia, geologia, entre outros. Os boletins de ocorrência das diferentes unidades de segurança pública das três esferas governamentais são preenchidos, de maneira geral, de forma inadequada e incompleta e, o que é mais grave, sem nenhuma padronização.
Entre as dificuldades do atendimento pré-hospitalar, inclui-se a falta de orientação da população sobre como proceder diante de uma situação de emergência, o que contribui, muitas vezes, para o agravamento do estado das vítimas. Ao lado disso, a ausência de normas para a transformação veicular em ambulância, a exemplo dos sistemas americano, francês e alemão, favorece a adoção de viaturas não condizentes ao resgate e ao tratamento intensivo, como, por exemplo, o uso de veículos de passeio. A inexistência dessa padronização é verificada, também, nos insumos tecnológicos do suporte avançado de vida. É comum encontrar veículos designados como Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e de resgate que não dispõem de respiradores artificiais, bombas de infusão, monitores cardíacos, marcapasso, estojos para pequenos procedimentos cirúrgicos, materiais de imobilização e maletas de medicamentos.
Essas limitações comprometem o planejamento logístico e estratégico de atenção a situações de emergência. No que tange aos recursos humanos, não há um currículo mínimo, regulamentado pelo Ministério da Educação (MEC), para a formação de profissionais para este fim, desde o nível mais elementar ao de nível superior. Soma-se a isso a falta de estudos mais aprofundados sobre o número e a qualidade de veículos, uma vez que os índices internacionais não contemplam a peculiar situação brasileira de densidade demográfica flutuante, condição do fluxo viário urbano e dificuldade de equipamentos aéreos de atendimento a acidentados.
Diante de todos os limites e dificuldades que existem no Brasil em relação ao atendimento pré-hospitalar, vale a pena ressaltar que experiências empíricas demostram a redução do tempo de permanência hospitalar, de seqüelas e da mortalidade, desde que o APH integre uma estrutura maior de atenção a emergências, com unidades hospitalares, terapia intensiva, imaginologia e outros insumos, principalmente preventivos.
O atendimento médico-hospitalar de urgência e emergência é um segmento da saúde que muito vem exigindo de economistas e administradores especializados. Trata-se de uma vertente que, por envolver procedimentos caros, absorve parcela expressiva dos recursos financeiros da área da saúde. Exige, ao mesmo tempo, perspicácia e agilidade administrativas. Esses aspectos são universais, mas tornam-se bastante evidentes em países emergentes, sobretudo em decorrência da falta de investimento maciço na atenção básica de saúde, contribuindo para o uso inadequado das unidades de emergência.
Essa realidade, presente no dia a dia das unidades de saúde, está associada à falta de resolutibilidade no atendimento primário - que vai desde dificuldades para agendar consultas, até carência de recursos tecnológicos; são raros os municípios que integram um sistema hierarquizado e regionalizado de serviços. Como resultante, muito tempo é perdido até a chegada do paciente a uma unidade adequada para o atendimento de suas necessidades, o que contribui para o agravamento de seu estado.
Considerando as dificuldades do atendimento hospitalar e os reflexos da problemática do trânsito na sua esfera de competência, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS N.º 2.329. de 9 de junho de 1998, mediante a qual instituiu o Programa de Apoio à Implantação dos Sistemas Estaduais de Referência Hospitalar para Atendimento de Urgência e Emergência. Trata-se de um programa de recuperação dos serviços de emergência que envolve: a implantação de uma central de regulação, conforme definida na Resolução CFM N.° 1.529/98 de grande importância como observatório epidemiológico; o incentivo à hierarquização e regionalização dos serviços; e a criação de unidades especializadas de urgência.
Com o crescimento da violência no Brasil, os leitos hospitalares têm se tornado ainda mais escassos. Conseqüentemente, torna-se insuficiente o número de profissionais e de leitos em unidades de terapia intensiva e de recuperação pós-anestésica, bem como dos serviços de imagem. Acresce-se, ainda, o estrangulamento da capacidade operacional dos laboratórios. Esses problemas se agravam nos serviços de pediatria, neonatologia, cardiologia, ortopedia, traumatologia e atendimento a queimados, nos quais a demanda por atendimento é bem maior do que a oferta de unidades de saúde.
Em relação a recursos humanos, tanto em termos numéricos quanto de capacitação, muito há que ser feito. As universidades devem participar mais ativamente na formação de profissionais, capacitando-as para o gerenciamento de situações de emergência e atendimento às vítimas de acidentes e de violências, bem como para o desenvolvimento de medidas preventivas. A inexistência de diretrizes institucionais nos serviços públicos que favoreçam a atuação dos profissionais nessa área gera desmotivação e êxodo, ficando tais serviços, por vezes, a cargo daqueles que não dispõem ainda de experiência suficiente.
Sob o ponto de vista das sequelas decorrentes das lesões devidas a acidentes e a violências, quando não levam o paciente diretamente à morte, podem demandar uma internação, às vezes longa, com gastos elevados. Além disso, há a possibilidade de gerarem seqüelas permanentes e incapacidades. Dados apresentados pelas Nações Unidas estimaram que em 1991, no Brasil, em cada grupo de mil pessoais, 17 eram portadoras de seqüelas (cit. em Whitaker. I993). Entre os danos produzidos no paciente que exemplificam essa última situação, destacam-se as lesões medulares traumáticas.
Em 1997, foram atendidos nos hospitais ligados ao SUS. 6.388 pacientes com fratura de coluna vertebral, com taxa de internação mais elevada que nos anos anteriores. Quanto à localização da fratura, mais de 50% dos casos corresponderam aos segmentos cervical e dorsal, o que evidencia a gravidade da atuação e a possível ocorrência de seqüelas (Laurenti e cols., 1998).
Um outro exemplo pode ser dado valendo-se de estudo da distribuição de pacientes atendidos, naquele mesmo ano, na Rede Sarah de Hospitais do Aparelho Locomotor (rede pública e de referência nacional para recuperação e reabilitação): do total de 293 pacientes, 42.2% foram vítimas de acidentes de trânsito, 24,0% de disparos de armas de fogo, 12,4% de mergulhos em águas rasas, 11,6% de quedas e 9.5% de outros tipos de acidentes e de violências. A grande maioria desses pacientes era formada por jovens, com idade entre 10 e 29 anos - 53.7% -, o que representa para o País o ônus da perda de valiosos anos de vida produtiva e o custo de um tratamento médico-hospitalar que, em muitos casos, pode prolongar-se por toda a vida. Ao lado disso, registre-se o fato de que são poucos os centros de reabilitação; os pertencentes ao INSS estão sendo desativadas.
O impacto da deficiência pode trazer implicações para o estado funcional do indivíduo, que engloba as funções física, psíquica e social; na capacidade para reinserção; na disposição do paciente para levar uma vida independente, retomando papéis sociais relevantes; e na disponibilidade para beneficiar-se das ajudas tecnológicas oportunas. As alterações físicas interferem diretamente na função do indivíduo, comprometendo sua independência para a realização de atividades relacionadas, ao cuidado pessoal, mobilidade, atividades ocupacionais e profissionais.
Em outras sociedades, o processo de reabilitação envolve o esforço de múltiplas instituições públicas e privadas, bem como de organizações civis, no sentido de concretizar tal etapa que seria, ao final, habilitar o paciente para o retorno ao trabalho, reintegrando-o à força produtiva da nação. Essas ações, como também a avaliação do impacto econômico e social da incapacitação física, são incomuns no Brasil, em parte porque os incapacitados físicos constituem, em grande número, vítimas da violência urbana, inexistindo medidas sistematizadas e institucionalizadas acerca desse tema. Entretanto, algumas medidas, mesmo que restritas aos poucos serviços especializados do País, já vêm sendo desenvolvidas.
Por outro lado, ao se analisar o problema dos acidentes e das violências sob a ótica dos segmentos populacionais, observam-se peculiaridades marcantes, tanto em relação às ocorrências, quanto às características e circunstâncias em que se dão tais eventos.
O grupo de crianças, adolescentes e jovens, que engloba os indivíduos na faixa etária de zero a 24 anos de idade, tem sido vítima de diferentes tipos de acidentes e de violências. Enquanto na infância o ambiente doméstico é o principal local onde são gerados esses agravos, na adolescência, o espaço extra-domiciliar tem prioridade no perfil epidemiológico. Por essa razão, estabelece-se a seguinte classificação estratégica:
• acidentes domésticos (quedas, queimaduras, intoxicações, afogamentos e outras lesões) e acidentes extra-domiciliares (acidentes de trânsito e de trabalho, afogamentos, intoxicações e outras lesões); e
• violências domésticas (maus-tratos físicos, abuso sexual e psicológico, negligência e abandono) e violência extra-domiciliares (exploração do trabalho infanto-juvenil e exploração sexual, além de outras originadas na escola, na comunidade, nos conflitos com a polícia, especialmente caracterizados pelas agressões físicas e homicídios), bem conto as violências autoinfligidas (como a tentativa de suicídio).
A Constituição de 1988, em seu art. 227, estabeleceu os direitos fundamentais desse grupo, os quais alicerçaram a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)-, criado pela Lei N.° 8.069, de 13 de julho de 1990. Esse Estatuto, no tocante aos casos de violência doméstica, de acordo com os artigos que regulam a conduta dos profissionais de saúde - art.s 13. 17 e 245, define a obrigatoriedade da comunicação dos casos suspeitos ou confirmados às autoridade competentes, em especial ao Conselho Tutelar, cabendo os setores de saúde e de educação a notificação e a prevenção destes casos; à saúde cabe, especificamente, o atendimento psicossocial e médico. Em continuidade à promoção e ao fomento da garantia dos direitos dessa população, o Brasil tornou-se, em 1990, signatário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que provê os princípios referentes aos padrões mínimos para o tratamento da infância no mundo.
Os acidentes e as violências são uma grave violação dos direitos fundamentais, assim como uma das mais importantes causas de morbimortalidade nesse grupo. Entre crianças e adolescentes até 14 anos de idade, os acidentes de trânsito, principalmente os atropelamentos, têm maior impacto na mortalidade do que os homicídios (Assis e cols., 1994). Os jovens, ao começar a dirigir, passam a constituir população de alto risco desse tipo de acidentes, especialmente pela inexperiência na condução de veículos, pela impulsividade característica da idade, além de outros fatores, como o consumo de álcool e drogas (Bastos e Cartini-Cotrin, 1998), aliados à deficiente fiscalização existente no País.
Os acidentes domésticos que ocorreram principalmente com crianças e idosos são passíveis de prevenção por intermédio da orientação familiar, de alterações físicas do espaço domiciliar e da elaboração e ou cumprimento de leis específicas (por exemplo, as relativas a embalagens de medicamentos, dos frascos de álcool e outras). A violência doméstica representa um grande desafio para o setor de saúde, pois o diagnóstico deste evento é dificultado por fatores de ordem cultural, bem como pela falta de orientação dos usuários e dos profissionais dos serviços, que têm receio em enfrentar os desdobramentos posteriores. A gravidade desse tipo de violência manifesta-se tanto nas consequências imediatas quanto tardias, tais como rendimento escolar deficiente e alteração do processo de crescimento e desenvolvimento. A violência contra a criança e o adolescente é potencializadora da violência social, estando presente na gênese de sérios problemas, como população de rua, prostituição infantil e envolvimento em atos infracionais, devendo, portanto, ser alvo prioritário de atenção.
Em relação aos homicídios, as taxas no País (Mello Jorge e cols., 1997) também revelam uma realidade preocupante. A partir da análise das taxas disponíveis, percebe-se que a mortalidade de crianças pode ser um indicador de violência doméstica. É nessa faixa etária que se detectam mortes ocorridas no lar, sendo exemplos quedas, queimaduras, afogamentos e outras que não são devidamente investigadas, podendo, por isso mesmo, decorrer de maus-tratos (Marques, 1986; Santos, 1991; Assis. 1991; Gomes, 1998).
Os adolescentes e jovens são os mais afetados pela violência. A mortalidade nesses grupos populacionais tem como principal causa os eventos violentos: atualmente, cerca de sete, em cada 10 adolescentes, morrem por causas externas. Entre 1984 e 1994, a taxa de mortalidade na população masculina de 15 aos 19 anos passou de 93.7 para 128.2 por 100.000 habitantes, significando um aumento de cerca ele 37% (Mello Jorge e cols., 1998). Cruz Neto e Moreira – 1998 chamam a atenção para as precárias condições de vida de crianças e adolescentes que não têm acesso à estada ou trocam as salas de aula pelo trabalho, num total descaso e desrespeito ao ECA. O número elevado de acidentes de trabalho envolvendo crianças - cuja atividade é legalmente proibida - e de adolescentes - este protegido por lei -, demanda uma ação urgente e eficaz voltada ao cumprimento do ECA.
Os adolescentes e jovens com atividade sexual iniciada cada vez mais precocemente, e desprotegida, apresentam consequências sérias somo as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), a Aids, o aborto e a gravidez não planejada, elevando a mortalidade materna já relevante no contexto nacional e em outros países em desenvolvimento. Soma-se a isso o aumento da exploração sexual decorrente de necessidade econômica e de sobrevivência desses indivíduos. Agravando essa situação, registre-se a falta de orientação adequada e o despreparo da escola, dos serviços de saúde e da sociedade em lidar com a questão da sexualidade.
No segmento populacional representado pelas mulheres, as violências físicas e sexuais são os eventos mais frequentes, cujos determinantes estão associados a relações de gênero, estruturadas em bases desiguais e que reservam a elas um lugar de submissão e de valor na sociedade. Os agressores, em sua grande maioria, são conhecidos, sendo identificados com maior frequência, maridos, companheiros e parentes próximos. Dados de 1998 da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) - indicam que 63% dos casos de agressão física ocorridos nos domicílios tiveram como vítima a mulher.
O respeito à vítima que sofreu violência nem sempre é observado, seja no atendimento prestado pelos serviços de saúde, seja na recepção de denúncias em delegacias, nos institutos de medicina legal e outros órgãos envolvidos. É comum as mulheres serem responsabilizadas ou culpadas pela e violência sofrida. Essa conjuntura dificulta a tomada de atitudes por parte das mulheres, tanto para denunciar as agressões, quanto para reagir de maneira efetiva modificando a situação vivida. Tal situação é ainda mais grave no caso de crianças, adolescentes e deficientes, que dependem de um adulto para procurar atendimento que, muitas vezes, é o próprio agressor.
Os maus-tratos contra os idosos, aqui consideradas as pessoas a partir dos 60 (sessenta) anos de idade, dizem respeito às ações únicas ou repelidas que causam sofrimento ou angústia – ou, ainda, a ausência de ações que são devidas -, que ocorrem numa relação em que haja expectativa de confiança (Action of Elder Abuse, 1995; Unpea, 1998).
Embora não se disponha de dados estatísticos sobre incidência e prevalência, sabe-se, a partir de dados realizados em outros países, sobretudo nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra (Pillemer & WoIf, 1998; Podnicks, 1989; Ogg and Bennett, 1992) que a violência contra os idosos existe e manifesta-se sob diferentes formas: abuso físico, psicológico, sexual, abandono e negligência. Some-se a essas formas de violência, o abuso financeiro e a autonegligência. Cabe ressaltar que a negligência, conceituada como a recusa, omissão ou fracasso por parte do responsável pelo idoso, é uma forma de violência presente tanto em nível doméstico quanto institucional, levando muitas vem ao comprometimento físico, emocional e social, gerando, em decorrência, aumento dos índices de morbidade e mortalidade.
Os idosos mais vulneráveis são os dependentes física ou mentalmente, sobretudo quando apresentam déficits cognitivos, alterações de sono, incontinência e dificuldades de locomoção, necessitando, assim, de cuidados intensivos em suas atividades da vida diária (Eastman, 1994). Uma situação de elevado risco é aquela em que o agressor é seu dependente econômico. Aliam-se a esse outros fatores de risco: quando o cuidador consome abusivamente álcool ou drogas, apresenta problemas de saúde mental ou se encontra em estado de elevado estresse na vida cotidiana.
As quedas causadas pela instabilidade visual e postural, comuns à idade, representam os principais acidentes entre os idosos. Um terço desse grupo que vive em casa e a metade dos que vivem em instituições sofrem pelo menos uma queda anual. A fratura de colo de fêmur é a principal causa de hospitalização por queda. Cerca de metade dos idosos que sofrem esse tipo de fratura falece dentro de um ano; a metade dos que sobrevivem fica totalmente dependente do cuidado de outras pessoas, aumentando os custos da atenção à saúde e retirando pelo menos um familiar da atividade econômica ativa, por um longo período.
Nas áreas urbanas, os acidentes sofridos pelos idosos, como quedas, queimaduras, intoxicações, atropelamentos, sufocações e outras lesões, são muito frequentes devido à vulnerabilidade aos riscos presentes tanto no ambiente doméstico, quanto no âmbito público (barreiras arquitetônicas, sistemas de transporte coletivos inadequados, criminalidade). Os acidentes e as violências com frequência não são corretamente diagnosticados, tendo em vista que há falta de informação e preparo dos profissionais de saúde para enfrentar estes eventos, descrédito para com os relatos dos idosos por parte dos familiares e destes profissionais, além de constrangimento do idoso em acusar pessoas de sua família.
Como se depreende da análise precedente, os acidentes e as violências configuram problema de grande magnitude para a sociedade brasileira. Por envolver diferentes fatores, o seu enfrentamento demanda esforços coordenados e sistematizados de diferentes setores governamentais, de diversificados segmentos sociais e da população em geral. Nesse sentido, a presente Política setorial lança mão da promoção da saúde considerando, especialmente, a sua finalidade – o alcance da qualidade de vida - e as suas estratégias básicas: a intersetorialidade das medidas e o fortalecimento da ação comunitária.
Tal opção leva em conta que a promoção da saúde configura um processo político e social mediante o qual se busca a adoção de hábitos e estilos de vida saudáveis - individuais e coletivos - e a criação de ambientes seguros e favoráveis à saúde. Nesta Política, portanto, estão definidas diretrizes para o setor e identificadas responsabilidades institucionais consideradas essenciais na abordagem das questões relacionadas à prevenção de acidentes e de violências no País.
2. PROPÓSITO
Os princípios básicos que nortearam esta Política Nacional são:
A presente Política enfatiza os fundamentos do processo de promoção da saúde relativos ao fortalecimento da capacidade dos indivíduos, das comunidades e da sociedade em geral para desenvolver, melhorar e manter condições e estilos de vida saudáveis. Esse fortalecimento inclui a criação de ambientes saudáveis, a reorganização dos serviços de saúde, o reforço da ação comunitária e o desenvolvimento de aptidões pessoais.
Nesse sentido, esta Política setorial prioriza as medidas preventivas, entendidas em seu sentido mais amplo abrangendo desde as medidas inerentes à promoção da saúde e aquelas voltadas a evitar a ocorrência de violências e acidentes, até aquelas destinadas ao tratamento das vítimas, nesta compreendidas as ações destinadas a impedir as sequelas e as mortes devidas a estes eventos.
Esse enfoque baseia-se no fato de que quanto mais se investe na prevenção primária, menor é o custo no atendimento às vítimas e maior o impacto e a abrangência na proteção da população. Acresce-se a isso que cada um dos acidentes e das violências, em maior ou menor grau, é passível de prevenção.
Assim, considerando o quadro dos acidentes e das violências descrito no capítulo da Introdução, a presente Política Nacional tem como propósito fundamental a redução da morbimortalidade por acidentes e violências no País, mediante o desenvolvimento de um conjunto de ações articuladas e sistematizadas, de modo a contribuir para a qualidade de vida da população.
3. DIRETRIZES
Para a consecução do propósito desta Política, são estabelecidas as diretrizes a seguir explicitadas, as quais orientarão a definição ou redefinição dos instrumentos operacionais que a implementarão, representados por planos, programas, projetos e atividades.
São as seguintes as diretrizes mencionadas:
promoção da adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis;
monitorização da ocorrência de acidentes e de violências;
sistematização, ampliação e consolidação do atendimento pré-hospitalar;
assistência interdisciplinar e intersetorial às vítimas de acidentes e de violências;
estruturação e consolidação do atendimento voltado à recuperação e à reabilitação;
capacitação de recursos humanos; e
apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas.
3.1. Promoção da adoção de comportamentos e de ambientes seguros e saudáveis
A implementação dessa diretriz compreenderá a ampla mobilização da sociedade em geral, e da mídia em particular, para a importância dos acidentes e das violências, bem como o reforço das ações intersetoriais relacionadas ao tema. Para tanto, deverão ser utilizadas diversas estratégias, entre as quais figuram, por exemplo, a implementação de propostas relativas a Municípios Saudáveis, Prefeito Amigo da Criança e Escolas “Promotoras de Saúde”. Tais estratégias levarão em conta as recomendações oriundas das conferências internacionais relativas à promoção da saúde, especialmente no tocante a estilos de vida e ambientes saudáveis.
A essas estratégias, deverão ser acrescidos: a divulgação mais técnica dos dados sobre acidentes e violências, o apoio a seminários, oficinas de trabalho e estudos e o estímulo às sociedades científicas que produzem revistas especializadas para que promovam discussões e elaboram edições temática.
Por outro lado, buscar-se-á desenvolver também a corresponsabilidade do cidadão num sentido amplo, incluindo a participação na reivindicação, nas proposições e no acompanhamento desta Política, e na promoção de ambientes seguros e comportamentos saudáveis relacionados à prevenção de acidentes e de violências e de seus fatores de risco, como uso de drogas, anuas de fogo e, com destaque, o consumo de álcool, a não observância de regras de segurança e as relações interpessoais conflituosas. As medidas nesse sentido considerarão tanto os ambientes domésticos, de lazer, de trabalho e de trânsito, quanto aqueles em que se desenvolvem os processos de convivência social.
As iniciativas voltadas à corresponsabilidade do cidadão envolverão igualmente a formação e informação continuada da população - junto às escolas, locais de trabalho, lazer e organizações sociais e mídia - sobre a prevenção de acidentes e de violências e a atuação frente a sua ocorrência, incluindo os primeiros gestos diante de uma urgência ou emergência.
A observância dos dispositivos contidos no arcabouço legal referente ao trânsito constituirá, de outra parte, medida importante para que se disponha de condições adequadas à implementação de ações dirigidas à prevenção e ao atendimento de vítimas de acidentes. No conjunto dos diplomas legais, destacam-se o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em especial o art. 78 da Lei N.º 9.503 de 23 de setembro de 1997, que dispõe sobre o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT). Segundo esse Artigo, os Ministérios da Saúde, da Educação e do Desporto, do Trabalho, dos Transportes e da Justiça, por intermédio do Conselho Nacional de Trânsito, deverão desenvolver e implementar programas de prevenção de acidentes.
Destaca-se, também, o Decreto N.° 1.017, de 23 de dezembro de 1993, que destina 50% do valor total do prêmio do DPVAT ao Fundo Nacional de Saúde, o qual deve utilizar 90% deste montante na prevenção e no atendimento às vítimas de acidente de trânsito; os outros 10% destinados ao Fundo devem ser repassados mensalmente ao coordenador do Sistema Nacional de Trânsito para aplicação exclusiva em programas de prevenção. Já a Portaria Interministerial N.º 4.044, de 18 de dezembro de 1998, dos Ministérios da Saúde, da Fazenda e da Justiça, determina que suas entidades representativas adotem medidas destinadas a assegurar ampla e permanente divulgação dos direitos dos assegurados.
A sensibilização e conscientização dos formadores de opinião e da população em geral constituirão medidas essenciais para a promoção de comportamentos não-violentos. Quanto aos formadores de opinião, deverão ser promovidos debates sobre estratégias de comunicação que estimulem a adoção de atitudes e valores contrários à prática da violência, nos quais buscar-se-á em eventos conjuntos, a participação dos diversos setores envolvidos na prevenção da violência aos diferentes segmentos da população.
As campanhas de mobilização social buscarão o envolvimento da população na identificação e prevenção da violência e dos acidentes contra todos os segmentos sociais. Além da elaboração e da divulgação de materiais educativos, deverão ser identificados outros mecanismos capazes de tornar acessíveis as informações sobre o problema da violência em redes de comunicação e movimentos sociais organizados. Paralelamente às campanhas, serão desenvolvidos processos de educação, com participação ativa dos grupos sociais.
As medidas preventivas compreenderão a articulação e o desenvolvimento de ações não governamentais e de diferentes conselhos. Para tanto, deverá ser apoiado o desenvolvimento de projetos conjuntos, bem como a realização de estágios de pessoal dessas organizações em centros de referência como, por exemplo, os da mulher.
No tocante à recuperação das vítimas de acidentes e de violências, o setor saúde prestará informação, orientação e apoio tanto a estas quanto às suas famílias. Neste sentido, serão desenvolvidas medidas específicas destinadas à sensibilização e à informação dos profissionais e gestores de saúde, sobretudo quanto ao seu papel na orientação dos portadores de seqüelas e deficiências, bem como de seus familiares.
Os estados e municípios deverão realizar ações sistemáticas de sensibilização para a prevenção de acidentes e de violências, adequadas à cultura local. Ao lado disso, será produzido material educativo acerca da prevenção de acidentes e de violências destinado aos profissionais de saúde e de educação.
Em relação à unidade familiar, as medidas estarão voltadas tanto para o reconhecimento quanto para a redução da violência doméstica, envolvendo um conjunto de ações intersetoriais, tendo em conta o caráter multifatorial para a sua determinação, principalmente com as áreas da justiça e da segurança pública. Assim, o desenvolvimento das ações pautar-se-á pela tipificação da violência sofrida, considerando que os comportamentos violentos acontecem num contexto relacional em que os sujeitos estão implicados ora como vítimas, ora como sujeito das agressões, e que as pessoas envolvidas nestas situações tendem a repeti-las, perpetuando a cadeia de agressões em que estão inseridas. Especificamente em relação aos idosos, será fundamental o investimento na formação de cuidadores.
Atenção prioritária deverá ser dada às crianças, adolescentes, jovens, portadores de deficiência física e mental e idosos em condição asilar, garantindo-lhes o cumprimento dos dispositivos legais concernentes aos direitos destes grupos, de forma articulada com entidades de classe, conselhos, organizações não-governamentais e a sociedade em geral.
Serão fundamentais a sensibilização e o incentivo dos profissionais e da população para o reconhecimento de que a violência contra esses segmentos populacionais é potencializadora da violência social em geral. Neste sentido, deverá ser consolidado o entendimento de que é possível modificar a cultura, os comportamentos e as atitudes que a reproduzem. Particularmente quanto às crianças, adolescentes e idosos, promover-se-á o cumprimento das Leis N.ºs 8.069/90 e 8.842/94, visando a notificação dos maus-tratos em relação a esses segmentos populacionais.
Já a orientação terapêutica compreenderá, sempre que necessária, informações aos pacientes e aos seus acompanhantes sobre as medidas de prevenção dos agravos à saúde e acerca das ações de reabilitação preventiva e corretiva, levando em consideração o ambiente em que vivem e as condições sociais que dispõem.
As ações de prevenção das violências e dos acidentes deverão estar incorporadas em todos os programas, planos e projetos de atenção a grupos específicos da população e a temas de saúde. Neste contexto, o setor saúde deverá também incentivar e participar, em conjunto com trabalhadores, responsáveis pelas empresas, polícia, defesa civil, órgãos ambientais e corpo de bombeiros, da elaboração de planos de emergência em locais que manipulam produtos perigosos e que possuem risco de provocar acidentes ampliados.
3.2. Monitorização da ocorrência de acidentes e de violências
A implementação dessa diretriz compreenderá, inicialmente, a capacitação e a mobilização dos profissionais de saúde que atuam em todos os níveis de atendimento do SUS, inclusive nas unidades de urgência e emergência, com vistas a superar os problemas relacionados à investigação e à informação relativa a acidentes e violências.
A melhoria das informações constituirá uma das prioridades à qual deverá ser concedida atenção especial. Uma das medidas, neste sentido será a promoção do registro contínuo padronizado e adequado das informações, de modo a possibilitar estudos e elaboração de estratégias de intervenção acerca dos acidentes e das violências relacionados aos diferentes segmentos populacionais, segundo a natureza e o tipo de lesões e de causas, a partir dos quais viabilizar-se-á a retroalimentação do sistema, contribuindo, assim, para a melhoria do atendimento prestado a estes segmentos. A base para a implementação dessa medida estará representada pela elaboração de normas técnicas respectivas; adequação de instrumentos de registros, com a introdução de questões específicas para o diagnóstico de violências e de acidentes; e inclusão de novos procedimentos ou especificação do atendimento na tabela dos Sistemas de Informação Ambulatorial e Hospitalar (SIA e SIH / SUS).
A sensibilização dos gestores do SUS, dos profissionais de saúde e dos gerentes dos serviços, sobretudo de hospitais, configurará, por outro lado, iniciativa fundamental para a monitorização adequada da ocorrência desses eventos. Isso implicará a adoção de diferentes estratégias, entre as quais se destaca o estímulo à formação de grupos intersetoriais de discussão sobre o impacto dos acidentes e das violências no setor saúde.
Deverão ser sensibilizados, também, os dirigentes de institutos de medicina legal quanto à importância, para o setor, dos dados existentes nestes serviços. Para tal, constituirão mecanismos importantes a mobilização e a capacitação de médicos que atuam nesses institutos, bem como o estímulo ao provimento de recursos físicos e materiais necessários.
A monitorização da ocorrência dos eventos compreenderá a ampliação da abrangência dos sistemas de informação relativos à morbimortalidade, principalmente mediante:
• a promoção de auditoria da qualidade de informação dos sistemas;
• a elaboração de normas destinadas a padronizar as fichas de atendimento pré-hospitalar e hospitalar, de forma a permitir o torneamento do perfil epidemiológico do paciente atendido, incluindo tipos de lesões e tipos de causas externas e da identificação do acidente de trabalho;
• a criação de um sistema nacional de informação relativo ao atendimento pré-hospitalar;
• a otimização do sistema de informação de morbidade, de modo que incorpore dados epidemiológicos relativos a atendimentos em prontos-socorros e ambulatórios;
• a efetivação do disposto na Portaria GM/MS Nº 142/97, que determina a especificação do tipo de causa externa no prontuário médico e nas autorizações de internação hospitalar;
• a inclusão de “lesões e envenenamentos" com detalhamento do tipo de causas externas como agravos sujeitos à notificação, o que permitirá o conhecimento de casos atendidos em unidades de saúde não ligadas ao SUS e em nível ambulatorial;
• o estabelecimento de ações padronizadas de vigilância epidemiológica para os casos de morbimortalidade de acidentes e de violências determinando, inclusive, os fatores de risco. Essas ações deverão utilizar os sistemas de informação já existentes e metodologia uniforme;
• a criação de um banco de dados que reúna as investigações epidemiológicas já desenvolvidas no País, visando à união de esforços e à otimização de recursos disponíveis;
• a inserção do serviço de informação toxicológica nos serviços de toxicologia - Centros de Intoxicação -, em hospitais de atendimento médico de urgência;
• a identificação e implementação de mecanismos que possibilitem a ampliação da cobertura de informação relativa aos acidentes de trabalho ocorridos no mercado informal, de modo a ultrapassar a concepção eminentemente previdenciária.
A monitorização da situação envolverá, também, o estabelecimento de ações de vigilância epidemiológica para os casos de morbimortalidade por acidentes e violências, estimulando-se experiências locais e a união de esforços nas áreas em que vários procedimentos já estão sendo desenvolvidos, com vistas a potencializar os recursos disponíveis. Neste contexto, deverão ser incentivados estudos amplos e consistentes acerca da morbimortalidade, inclusive com a determinação de seus possíveis fatores de risco.
Em relação a acidentes de trânsito, o sistema de vigilância epidemológica compreenderá a implantação, com recurso eletrônico, de uma rede de informação estatística destes acidentes, que inclua a captação, o transporte e o armazenamento de dados. Esta rede deverá estar integrada e acessível a todos os fóruns em nível municipal, estadual e federal e possibilitar a análise não apenas dos dados de acidente, como também de outros parâmetros de segurança que auxiliem na identificação de causas e na proposta de medidas preventivas. A organização e o desenvolvimento das ações implicarão a definição de um boletim de ocorrência padrão e a formação de técnicos em vigilância epidemiológica de acidente de trânsito.
O setor saúde deverá participar da monitorização dos acidentes ampliados, levantando, junto com os outros órgãos, as causas, as conseqüências a curto e longo prazos, bem como os recursos envolvidos na sua mitigação.
3.3. Sistematização, ampliação e consolidação do atendimento pré-hospitalar
O fomento à organização e à implantação de serviços de atendimento pré-hospitalar (APH) será fundamental para a consecução do propósito desta Política, para o que deverão ser promovidas medidas que permitam o aprimoramento dos serviços existentes. Entre essas, figurará a identificação de fontes de recursos destinados à preparação de pessoal e à aquisição de materiais. Neste contexto, poderão ser fixados critérios diferenciados de incentivos para que estados e municípios invistam nesses serviços.
Além dessas medidas, deverão ser revistas e ou estabelecidas normas técnicas específicas, em conjunto com os diferentes setores envolvidos, para a padronização de equipamentos e de veículos para o transporte de vítimas, bem como para a formação de recursos humanos.
Paralelamente, os órgãos competentes promoverão a análise e o mapeamento de áreas de risco para a ocorrência de desastres com múltiplas vítimas e acidentes ampliados, a partir dos quais serão estabelecidos, juntamente com a defesa civil, planos de atendimento pré-hospitalar e hospitalar específicos para situações de fluxos maciços de vitimados. Será promovida, também, a integração do APH ao atendimento hospitalar de emergência, com a implantação de centrais de regulação médica nos estados e municípios, às quais competirá a articulação com os órgãos que mantêm este tipo de serviço, estimulando-os a atuar de forma compartilhada.
Ao lado disso, deverá ser incentivada a organização de consórcios entre municípios de menor porte e a ampliação do APH para as rodovias, por intermédio das polícias rodoviárias estaduais e federais, segundo normas estabelecidas de comum acordo entre estas e os gestores do SUS, em suas respectivas amas de abrangência.
3.4. Assistência interdisciplinar e intersetorial às vítimas de acidentes e de violências
A prestação do atendimento às vítimas requererá a estruturação e a organização da rede de serviços do SUS, de fornia que possa diagnosticar a violência e acidentes entre os usuários e acolher demandas, prestando-lhes atenção digna, de qualidade e resolutiva, desde o primeiro nível de atenção. A consecução desse atendimento dar-se-á, sobretudo, mediante o estabelecimento de sistemas de referência entre o setor saúde e as áreas jurídicas e de segurança, para o que será provida a respectiva assessoria técnica no tocante à definição, implantação e avaliação das ações. Nesse particular, ainda, deverão ser apoiados projetos e repasse de recursos voltados à estruturação e à organização mencionadas.
Os profissionais de saúde deverão ser capacitados a identificar maus-tratos, acionar os serviços existentes visando à proteção das vítimas e acompanhar os casos identificados. Serão garantidas as condições adequadas para o atendimento, tais como tempo para reuniões de equipe, supervisão e infra-estrutura.
A assistência às vítimas de acidentes e de violências deverá integrar o conjunto das atividades desenvolvidas pelas estratégias de Saúde da Família e de Agentes Comunitários de Saúde, além daquelas compreendidas no atendimento ambulatorial, emergencial e hospitalar, sendo fundamental a definição de mecanismos de referência entre estes serviços.
Essa assistência orientar-se-á por normas específicas sobre o tratamento das vítimas de acidentes e de violências, com o objetivo de padronizar condutas, racionalizar o atendimento e reduzir custos. Esses protocolos deverão ser baseados em evidências clínicas e epidemiológicas, revistos periodicamente e amplamente divulgados junto aos profissionais. Além disso, deverá ser estimulada a criação de núcleos de trabalho acerca do tema nas secretarias estaduais e municipais de Saúde, nas sociedades científicas, nas instituições e serviços públicos e privados afins, bem como em grupos organizados da sociedade civil.
Serão definidas unidades de atendimento paria emergências e urgências, conforme o seu grau de complexidade, sistematizando o atendimento específico e contribuindo para uma menor pletora nos serviços de alta complexidade. Em regiões onde não houver condições para a instalação de serviços com complexidade mediana, serão estimuladas, sobretudo mediante a organização de consórcios intermunicipais, a regionalização e a hierarquização do sistema de atenção hospitalar.
Paralelamente, promover-se-á a valorização, a especialização, a atualização e a reciclagem de profissionais que atuam nos serviços de emergência. Buscar-se-á, igualmente, maior vinculação das universidades, com vistas à formação de recursos humanos para esse fim.
Os esforços deverão centrar-se na formação de profissionais especializados em emergências, clínicas traumáticas, cirúrgicas e atendimento pré-hospitalar, especialmente no que se refere ao atendimento pediátrico. Deverá ainda ser enfocada a especialização em gerenciamento de serviços de saúde. A formação desses profissionais contemplará, além dos aspectos clínico, cirúrgico e gerenciais, a abordagem psicossocial nos casos de violência.
A formação e a certificação de profissionais atuantes no sistema de emergência pré-hospitalar e hospitalar serão de responsabilidade das escolas de medicina e enfermagem credenciadas pelo Ministério da Educação. Somam-se aos núcleos formadores e certificadores as sociedades médicas, de enfermagem e científicas cuja titulação seja reconhecida.
Nas localidades onde seja elevada a demanda de pacientes aos hospitais de emergência de alta complexidade, serão criados serviços de pronto atendimento, em diversas áreas das regiões metropolitanas, que atuarão principalmente como instâncias de estabilização e triagem, reforçando as demais medidas voltadas à hierarquização e descentralização do sistema de atenção hospitalar de emergência.
A ampliação do número de leitos para pacientes oriundos das salas de emergência constituirá, da mesma forma, medida essencial. Tais leitos deverão ser criados na própria unidade hospitalar que postula setor de urgência, bem como em hospitais de retaguarda destinados a dar o devido suporte às referidas unidades. Paralelamente, procurar-se-á também adequar a oferta de leitos de terapia intensiva, quer para adulto, quer pediátrica.
Com relação aos serviços de atenção especializada – tais como unidade de queimados, centros de atendimentos toxicológicos, unidades de hemodinâmica, diálise, gestação de alto risco, entre outros -, serão procedidos levantamentos para avaliação e posterior adequação às necessidades. Todas as unidades de atendimento a grandes emergências e aquelas que forem únicas em determinadas localidades ou regiões do País deverão desenvolver e adotar treinamentos simulados, em situação de catástrofe ou ocorrências que envolvam grande número de vítimas.
A unidade de tratamento de pacientes de alto risco será um ambiente obrigatório em qualquer serviço de urgência, independente de seu nível de complexidade e da etiologia do agravo. Terá como finalidade oferecer o suporte avançado de vida a qualquer paciente, seja cirúrgico ou clinico, que esteja em risco iminente de morte. Essas unidades deverão atender pacientes de todas as faixas etárias, garantidas as condições clínicas para o transporte adequado de pacientes entre diferentes serviços.
Em relação às crianças, adolescentes e jovens vítimas de quaisquer tipos de violências e de acidentes, buscar-se-á garantir o direito à assistência adequada dirigida a estas faixas etárias. Uma medida importante será a disponibilidade de equipe interdisciplinar que assegure o apoio médico, psicológico e social necessário a essas vítimas e suas famílias. Deverão ser estabelecidos serviços de referência para o atendimento dos casos de difícil manejo nas unidades de saúde, tomando-se como exemplo os serviços de atenção às vítimas de abuso sexual e suas famílias.
O cartão da criança será ser utilizado e valorizado como instrumento básico de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, bem como de registro de situações de risco, tais como: modificação do ritmo de crescimento, não cumprimento do calendário de vacinação, atraso nas etapas do desenvolvimento, desnutrição, desmame, que poderão, dentro de um atendimento geral, auxiliar na detecção de situações de negligência.
O atendimento a ser prestado às mulheres pelos serviços de saúde contemplará o aumento da autoestima, de modo que elas se sintam fortalecidas para identificar soluções, em conjunto com a equipe multiprofissional dos serviços, para a situação vivenciada, assim como para a prevenção de comportamentos violentos, buscando-se romper os elos dessa cadeia. Dessa forma deverão ser contempladas também atividades voltadas à reeducação de agressores e garantidas redes de apoio para o atendimento, tais como abrigos e unidades que atendam ao aborto legal.
A assistência aos idosos, no âmbito hospitalar, lesará em conta que a idade é um indicador precário na determinação das características especiais do enfermo hospitalizado. Neste sentido, a capacidade funcional constituirá o parâmetro mais fidedigno para o estabelecimento de critérios específicos de atendimento. Uma questão que deverá ser considerada refere-se ao fato de que o idoso tem direito a um atendimento preferencial nos órgãos estatais e privados de saúde - ambulatórios, hospitais, laboratórios, planos de saúde, entre outros -, na conformidade do que estabelece a Lei N.° 8.842/94, em seu art. 4°, inciso VIII, e o art. 17, do Decreto N.° 1.948/96, que a regulamentou. O idoso terá também uma autorização para acompanhante familiar em hospitais públicos e privados - conveniados ou contratados - pelo SUS.
Na relação entre o idoso e os profissionais de saúde, um dos aspectos que será sempre observado é a possibilidade de maus-tratos, quer por parte da família, quer por parte do cuidador ou mesmo destes profissionais. É importante que o idoso saiba identificar posturas e comportamentos que significam maus-tratos, bem como os fatores de risco envolvidos. O profissional de saúde, quando houver indícios de que um idoso possa estar sendo submetido a maus-tratos deverá denunciar sua suspeita.
Especial atenção será dada à formação das equipes de saúde para o diagnóstico e o registro corretos da relação entre trabalho, acidentes e violências. Para tanto, a rede assistencial deverá ser capacitada não só para prestar a atenção requerida, mas também para acionar o desencadeamento de ações de prevenção. Para tanto buscar-se-á a contínua integração entre as ações assistenciais e aquelas atinentes à vigilância sanitária, epidemiológica e ambiental, para que sejam desencadeadas medidas oportunas e adequadas nos ambientes de trabalho, visando ao controle e ou eliminação dos fatores de risco neles presentes.
Além disso, incentivar-se-á a criação e a capacitação de unidades de emergências para o atendimento de intoxicações, enfatizando-se aquelas decorrentes de agrotóxicos, com apoio toxicológico de emergência e de referência.
3.5. Estruturação e consolidação do atendimento voltado à recuperação e à reabilitação.
A operacionalização dessa diretriz compreenderá, inicialmente, a elaboração de normas relativas à recuperação e à reabilitação, em nível nacional, ao lado do aparelhamento das unidades de saúde para o adequado atendimento aos pacientes nem fase da atenção.
O processo de reabilitação, que tem início na instituição de saúde, dirigirá suas ações não somente para a educação do paciente como, também, de sua família. Assim, os serviços de reabilitação prestarão atendimento multiprofissional aos pacientes, a fim de evitar seqüelas e incapacidades, além de propiciar condições para a sua reintegração aos grupos familiar, social e laboral.
Para favorecer o alcance da independência do paciente dentro da nova situação, procurar-se-á provê-lo dos vários recursos de reabilitação, tais como órteses, próteses, cadeiras de rodas e auxílios de locomoção, como andadores, muletas, bengalas, meios de comunicação alternativos, entre outros.
Deverão ser criados mecanismos que favoreçam a informação, orientação e apoio ao paciente e a sua família como sujeitos da ação de recuperação. Dois desses mecanismos serão a sensibilização e a informação dos gerentes dos serviços e dos profissionais de saúde sobre os seus respectivos papéis na orientação dos portadores de seqüelas e familiares.
A readaptação do paciente à família e à sociedade requererá a adoção de medidas essenciais, tais como:
• diagnóstico epidemiológico dos portadores de seqüelas;
• levantamento da situação dos serviços e sua adequação às necessidades;
• adequação dos espaços urbanos, domésticos, dos edifícios públicos e particulares, bem como dos meios de transporte, de modo a permitir a redução do número de acidentes e a livre locomoção dos pacientes, eliminando-se barreiras arquitetônicas e superando barreiras culturais;
• incentivo às instituições empregadoras para que contratem portadores de seqüelas.
Paralelamente, promover-se-á a organização de uma rede coordenada de atendimento - incluindo equipes de reabilitação para atendimento na própria comunidade -, mediante a sistematização e conjugação de esforços e de serviços existentes na região. Tal estratégia visa potencializar os recursos disponíveis localmente, bem como aqueles que são colocados à disposição por parte das diferentes instâncias do SUS, de que são exemplos os recursos financeiros repassados pelo nível federal aos gestores estaduais e municipais para o fornecimento de órteses e próteses ambulatoriais e hospitalares.
A entrada do usuário nessa rede dar-se-á pela unidade básica de saúde ou pelo serviço de emergência ou pronto atendimento, a partir do qual será assistido, receberá orientação e ou será encaminhado para um serviço compatível com as suas necessidades. Essa organização da atenção não significa que, pelo fato de ser assistido em um serviço de menor complexidade, o paciente não terá acesso aquele compreendido nos outros níveis. Na realidade, essa dinâmica possibilitará uma distribuição racional da clientela, evitando-se a sobrecarga de qualquer um dos serviços.
3.6 Capacitação de recursos humanos
A preparação de recursos humanos deverá atender a todas as necessidades decorrentes da implementação das diretrizes aqui fixadas, destacando, em especial:
• promoção de treinamento voltado à melhoria da qualidade da informação no tocante à vigilância epidemiológica por causas externas;
• criação da disciplina de emergência nos cursos da área de saúde;
• complementação curricular para especialização em emergência para técnicos ou auxiliares de enfermagem a serem homologados pelo MEC:
• promoção do estabelecimento e implementação de currículo mínimo padronizado - homologado pelo MEC - para a formação de profissionais, voltados ao atendimento pré-hospitalar.
• capacitação de recursos humanos da área da saúde e de outros setores para atuar na área de prevenção de acidentes e de violências, tendo em vista a promoção de comportamentos e ambientes saudáveis e levando em conta as características sociais e culturais, bem como fatores de vulnerabilidade de cada grupo populacional; tal capacitação deverá incluir conhecimentos e técnicas de educação e comunicação social em saúde, além da elaboração de material informativo e educativo.
3.7. Apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas
O desenvolvimento de estudos e pesquisas referentes aos vários aspectos relacionados a acidentes e a violências constituirá medida essencial para que o tema seja, efetivamente, abordado como problema de saúde pública relevante e para que sejam identificadas as intervenções apropriadas ao seu controle no âmbito do setor saúde.
As pesquisas deverão integrar estudos de cunho sócio-antropológico, essenciais para a identificação dos valores, hábitos e crenças que perpassam as relações interpessoais e institucionais e de outras áreas afins do tema. Aliam-se a essas, pesquisas epidemiológicas e clínicas que permitam a identificação de fatores de risco e de proteção envolvidos nas redes causais de acidentes e de violências, ao mesmo tempo que indicam áreas e grupos sociais mais vulneráveis a esses agravos.
Será necessário também desenvolver investigações quanto ao impacto socioeconômico das violências e dos acidentes na sociedade. Para tanto, as universidades e os centros de investigação deverão estar integrados com as temáticas geradas a partir dos serviços.
4. RESPONSABILIDADES INSTITUCIONAIS
A redução da morbimortalidade por acidentes e violências no País - propósito desta Política Nacional - requererá dos gestores do SUS e dos demais técnicos envolvidos com a questão o adequado provimento dos meios necessários ao desenvolvimento das ações. A articulação intrasetorial é requisito indispensável para que as diretrizes aqui fixadas sejam operacionalizadas.
Por outro lado, tendo em conta que a consecução de tal propósito depende da adoção de medidas essenciais de competência de outros setores, esta Política tem como princípio a construção e a consolidação de parcerias efetivas com diferentes segmentos governamentais e não-governamentais. Essas parcerias significam a conjugação de esforços que se expressam mediante a implementação de um amplo e diversificado conjunto de ações articuladas, voltadas à prevenção de acidentes e de violências e, por via consequência, à redução da ocorrência destes eventos, contribuindo, assim, para a qualidade de vida da população.
Na articulação intersetorial será buscado o engajamento de toda a sociedade, a qual deverá ser mobilizada sobretudo por intermédio dos diferentes segmentos sociais que a representam, estabelecendo compromissos mútuos que resultem em medidas concretas, como, por exemplo, a adoção de hábitos e estilos de vida saudáveis, que é um dos elementos capazes de refletir decisivamente na redução de acidentes e de violências no País.
4.1. Articulação intersetorial
No âmbito federal caberá ao Ministério da Saúde promover a articulação dentro do próprio setor e com as instâncias a seguir identificadas, com as quais buscará construir e consolidar as parcerias anteriormente referidas, a partir das medidas aqui explicitadas e consideradas essenciais para o alcance do propósito estabelecido na presente Política Nacional.
Além das responsabilidades específicas em relação a esta Política, caberá também aos gestores estaduais e municipais do SUS, em suas respectivas áreas de abrangência, estabelecer a indispensável parceria, preconizada neste documento.
A. Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano
Buscar-se-á, em especial com essa Secretaria, a promoção de medidas destinadas a adequar e ou readequar os espaços urbanos, domésticos e dos edifícios públicos e particulares, com vistas à prevenção de acidentes e de violências, e permitir a livre locomoção dos pacientes vítimas destes eventos.
B. Ministério da Justiça
A parceria a ser estabelecia visará principalmente:
• a sensibilização e a capacitação de médicos que atuam nos institutos de medicina legal para que possam fornecer, adequada e oportunamente, atendimento humanizado, favorecendo a emissão de laudos completos para a adoção das medidas cabíveis, bem como a alimentação dos sistemas de informações;
• a criação de eventos específicos para a discussão de questões polêmicas como o atendimento, encaminhamento e acompanhamento de vítimas de abuso sexual;
• a integração dos sistemas de informações relacionados a acidentes e a violências, disponíveis nos âmbitos policial e de trânsito, inclusive com a padronização nacional dos formulários de cada um destes sistemas;
• a promoção de medidas destinadas a melhorar a segurança dos pedestres, dos condutores, dos passageiros, dos veículos a das vias públicas;
• a plena implantação do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), com especial atenção às normas de caráter preventivo, como o novo sistema de habilitação, o controle de condições de segurança da frota de veículos e das vias;
• a promoção de medidas, tendo em conta os art.s 77 e 78 do CTB, dirigidas à informação e à sensibilização da sociedade quanto à importância do Código, entre as quais destacam-se: a elaboração e a divulgação de material educativo referente aos fatores de risco que interferem na direção segura; a divulgação, em nível nacional, do Código e de sua regulamentação, de modo a facilitar a participação do poder público e da população; o desenvolvimento de ações que favoreçam a participação social, ressaltando o seu papel na prevenção, inclusive com a elaboração de manual acerca desta participação no trânsito;
• o cumprimento de dispositivo contido no CTB relativo à utilização no trânsito dos recursos nele gerados, sobretudo na introdução de novas tecnologias e no treinamento de recursos humanos;
• o cumprimento e a consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente, mediante, por exemplo, o fortalecimento das medidas adotadas contra a prostituição infanto-juvenil, a erradicação do trabalho infantil e as referentes a crianças, adolescentes e jovens autores de atos infracionais;
• a divulgação da Lei N.° 9.534/97 e a promoção do seu cumprimento, em especial no que respeita à gratuidade do registro civil de nascimento;
• o estabelecimento de protocolos de cooperação visando à prevenção e ao atendimento das vítimas de acidentes e de violências, compreendendo a elaboração e implantação de projetos conjuntos, bem como a padronização de formulários, como o Boletim de Ocorrência Policial, entre outros;
• o treinamento para policiais, técnicos do IML e demais profissionais envolvidos, respeitadas as suas áreas de competência;
• a adoção de medidas de controle de armas de fogo, considerando-as como importante fator de risco para a violência.
C. Ministério da Educação
Buscar-se-á, com esse Ministério, sobretudo:
• a inclusão nos currículos de primeiro e segundo graus, bem como nos cursos profissionalizantes e técnicos, de conteúdos referentes à prevenção de acidentes e de violências;
• a mobilização das universidades para que induzam investigações atinentes aos acidentes e às violências, não só divulgando-as em publicações científicas, mas de forma que contribuam, inclusive, para a melhoria e o aprimoramento da rede de serviços;
• a inclusão, nos currículos dos cursos de graduação da área da saúde, educação, assistência social e direito de disciplina relacionada a acidentes e a violências;
• a adoção, no nível médio de ensino, de currículo interdisciplinar com conteúdo programático sobre defesa civil;
• o estímulo aos pesquisadores das universidades para que usem os dados oriundos dos institutos de medicina legal, visando a retroalimentação dos sistemas de informações nestas instituições;
• o incentivo, nos cursos de graduação da área de saúde, à formação em emergência;
• o estabelecimento de currículo mínimo para técnicos de emergência e de profissionais;
• o apoio no estabelecimento de cursos e estágios de educação continuada e atualização para profissionais de saúde e outros envolvidos no atendimento pré-hospitalar e hospitalar às eminências;
• o estímulo à criação de residência médica e de enfermagem em emergência - contemplando aspemos do planejamento, administração e prestação de serviços - e a sua respectiva homologação pelos órgãos competentes.
D. Ministério do Trabalho e Emprego
A parceria a ser estabelecida visará a implementação das medidas de prevenção dos acidentes de trabalho e o fortalecimento das iniciativas destinadas a erradicar o trabalho infantil e a coibir a exploração do trabalho juvenil; além disso, procurará viabilizar a ampliação do programa de bolsas de trabalho para jovens.
E. Ministério da Previdência Social
Com esse Ministério, a parceria a ser estabelecida buscará promover a ampliação da cobertura e o aperfeiçoamento da Comunicação de Acidentes de Trabalho (CAT).
F. Ministério dos Transportes
A parceria visará, sobretudo, a adoção de medidas destinadas a melhorar a segurança das vias públicas, mediante a inclusão, nos contratos de concessão de rodovias, de normas técnicas de procedimento, bem como de auditoria técnica independente.
G. Ministério da Ciência e Tecnologia
A articulação objetivará, em especial:
• a indução, por parte do MCT, de pesquisas que englobem as diferentes questões relativas a acidentes e a violências, de modo a contribuir para o aperfeiçoamento das medidas dirigidas à prevenção e ao atendimento de vítimas destes eventos;
• o estímulo aos pesquisadores das universidades para que usem os dados oriundos de todas as fontes, particularmente dos institutos de medicina legal, visando a retroalimentação dos sistemas de informações nestas instituições;
• o estímulo à criação de novas tecnologias - preventivas, recuperativas e reabilitadoras - inerentes às violências e aos acidentes.
4.2. Responsabilidades do Gestor Federal - Ministério da Saúde
• Implementar, acompanhar e avaliar o desenvolvimento desta Política Nacional, bem como os planos, programas, projetos e atividades dela decorrentes.
• Assessorar as Unidades Federadas na elaboração e implementação de suas respectivas políticas estaduais.
• Desenvolver e implementar mecanismos que possibilitem a articulação intrasetorial.
• Promover a ampliação da abrangência dos sistemas de informação inerentes à morbidade e mortalidade, de modo que cubram, de forma adequada e suficiente, dados relativos a acidentes e a violências; criar sistema padronizado e integrado que contemple dados relacionados a atendimentos de pré-hospitalar, pronto-socorro e ambulatório, que permita as investigações das causas externas; e viabilizar auditoria relativa a qualidade da informação.
• Incorporar as causas externas como agravo de notificação.
• Organizar e implementar ações relativas à vigilância epidemiológica de acidentes e de violências.
• Promover o diagnóstico, a notificação e o acompanhamento dos casos de violência doméstica em crianças, adolescentes, jovens, mulheres, idosos e portadores de deficiência visando o atendimento e o conhecimento destes casos.
• Promover a elaboração e acompanhar o cumprimento das normas relativas a acidentes e a violências no âmbito do setor saúde.
• Promover o cumprimento, no âmbito da ação especifica do setor, dos preceitos contidos no ECA, no que se refere ao direito à vida e à saúde da criança e do adolescente (art.s 7 a 14).
• Apoiar a plena implantação do CTB, com especial atenção às normas de caráter preventivo, como o novo sistema de habilitação, o controle de condições de segurança da frota de veículos e das vias.
• Participar da promoção de medidas preventivas, tendo em conta os art.s 77 e 78 do CTB, dirigidas à informação e à sensibilização da sociedade quanto a sua importância, entre as quais se destacam: a elaboração e a divulgação de material educativo referente aos fatores de risco e o desenvolvimento de ações que favoreçam a participação social, inclusive da elaboração de manual acerca desta participação.
• Estabelecer recomendações clínicas sobre patologias e comportamentos que possam comprometer a capacidade de dirigir e associar-se a organizações da sociedade civil, empresas públicas e privadas para a sua imensa divulgação.
• Prestar cooperação técnica aos estados e municípios na implementação desta Política.
• Estimular e apoiar a realização de pesquisas consideradas estratégicas no contexto desta Política, promover a disseminação e divulgar as informações técnico-científicas e de experiências exitosas referentes à prevenção de acidentes e de violências.
• Promover a capacitação de recursos humanos.
• Promover a adoção de hábitos e estilos de vida saudáveis, mediante a mobilização de diferentes segmentas da sociedade e por intermédio de campanhas publicitárias e de processos educativos permanentes.
• Apoiar estados e municípios, a partir da análise de tendências, no desencadeamento de medidas visando a eliminação ou o controle de fatores de risco detectados.
• Fomentar a organização e a consolidação de serviços de atendimento pré-hospitalar, assim como estabelecer normas para o seu funcionamento, integrando-os ao atendimento hospitalar de emergência.
• Apoiar a organização da rede regionalizada e hierarquizada para a assistência às vítimas de acidentes e de violências, bem como para a recuperação e reabilitação.
• Promover a observância do disposto na Portaria SAS/MS N° 142/97, que determina o preenchimento da Autorização de Internação Hospitalar com o código referente à causa externa que motivou a internação, de modo a contribuir para a efetiva vigilância epidemiológica dos acidentes e das violências.
• Promover a padronização, em âmbito nacional, de boletim de atendimento médico ao nível pré-hospitalar, hospitalar de emergência e ambulatorial, possibilitando a ação efetiva de vigilância epidemiológica de acidentes e de violências.
• Inserir de forma destacada, nas bulas de medicamentos, informações acerca dos riscos do uso destes produtos na execução de determinadas atividades, de que são exemplos a operação de máquinas pesadas, a direção de veículos, entre outras, inclusive quanto aos seus efeitos potencializadores.
• Restar assessoria na organização de consórcios intermunicipais.
4.3. Responsabilidades do Gestor Estadual - Secretaria Estadual de Saúde
• Elaborar, coordenar e executo a política estadual relativa a acidentes e a violências, no âmbito do setor saúde, consoante a esta Política Nacional.
• Promover a elaboração e ou adequação dos planos, programas, projetos e atividades, decorrentes desta Política.
• Promover processo de articulação entre os diferentes setores no Estado, visando a implementação da respectiva política, na conformidade da orientação constante na introdução deste Capítulo 4.
• Organizar, padronizar e implementar ações relativas à vigilância epidemiológica de acidentes e de violências.
• Organizar e implementar sistemas integrados de informação de morbidade e mortalidade, relacionados a acidentes e a violências.
• Prestar cooperação técnica aos municípios na implementação da presente Política e da respectiva política estadual.
• Estimular e apoiar a realização de pesquisas consideradas estratégicas nesta Política Nacional e na respectiva política estadual.
• Promover a disseminação de informações técnico-científicas e de experiências exitosas referentes à prevenção de acidentes e de violências.
• Promover e realizar a capacitação de recursos humanos, conforme preconizado na diretriz referente ao tema, com vistas à prevenção e qualidade de atendimento, sistematizado e humanizado, nas áreas da saúde e afins.
• Promover a adoção de hábitos e estilos de vida saudáveis, mediante a mobilização de diferentes segmentos da sociedade e por intermédio de campanhas publicitárias e de processos educativos permanentes.
• Promover a articulação com os setores de educação, justiça e segurança pública, visando o estabelecimento de protocolos de cooperação na prevenção de acidentes e de violências, que incluam, entre outros, a elaboração e implantação de projetos conjuntos e a realização de treinamentos para policiais, técnicos do IML, Conselhos Tutelares e Varas de Infância e Juventude.
• Apoiar os municípios, a partir da análise de tendências, no desencadeamento de medidas visando a eliminação ou o controle de fatores de risco detectados.
• Promover a observância do disposto na Portaria SAS/MS N° 142/97, que determina o preenchimento da Autorização de Internação Hospitalar com o código referente à causa externa que motivou a internação, de modo a contribuir para a efetiva vigilância epidemiológica dos acidentes e das violências.
• Promover a consolidação e ou organização do atendimento pré-hospitalar.
• Organizar a rede regionalizada e hierarquizada para a assistência às vítimas de acidentes e de violências, incluindo a recuperação e reabilitação, promovendo, se for o caso, o estabelecimento de consórcios intermunicipais.
4.4. Responsabilidades do Gestor Municipal - Secretaria Municipal de Saúde ou organismo correspondente
• Coordenar e executar as ações decorrentes das Políticas Nacional e Estadual, em seu respectivo âmbito, definindo componentes específicos que devem ser implementados pelo município.
• Promover e executar as medidas necessárias visando a integração da programação municipal à adotada pelo estado.
• Promover e executar a articulação entre os diferentes setores no município, visando a implementação das ações decorrentes das Políticas Nacional e Estadual, na conformidade da orientação constante na introdução deste Capítulo 4.
• Promover e executar o treinamento e a capacitação de recursos humanos para operacionalizar o elenco das atividades específicas decorrentes das Políticas Nacional e Estadual.
• Estabelecer e manter sistemas de informação e análise relacionados à morbirmortalidade por acidentes e violências.
• Desenvolver ações relativos à vigilância epidemiológica de acidentes e de violências.
• Promover a observância da Portaria SAS/MS N° 142/97, que determina o preenchimento da Autorização de Internação Hospitalar com o código referente à causa externa que motivou a internação, de modo a contribuir para a efetiva vigilância epidemiológica dos acidentes e das violências.
• Promover a difusão de conhecimentos e recomendações sobre práticas, hábitos e estilos saudáveis por parte dos munícipes, mobilizando, para tanto, os diferentes segmentos sociais locais.
• Aplicar e acompanhar o cumprimento das normas decorrentes desta Política.
• Promover a consolidação e ou organização do atendimento pré-hospitalar.
• Organizar e implementar a rede regionalizada e hierarquizada para a assistência às vítimas de acidentes e de violências, incluindo a recuperação e reabilitação, estabelecendo, se for o caso, consórcios intermunicipais.
5. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO
A parir de sua operacionalização a presente Política Nacional compreenderá o desenvolvimento de um processo sistematizado de avaliação, com um acompanhamento permanente que permita o conhecimento da repercussão das ações sobre a ocorrência de acidentes e de violências no País, bem como acerca das consequências decorrentes destes eventos, sobretudo no tocante ao atendimento, recuperação e reabilitação de pessoas vitimadas. Além disso, deverá possibilitar a incorporação de novas diretrizes para o enfrentamento dos diferentes eventos relacionados a acidentes e a violências e a realização de eventuais ajustes que venham a ser ditados pela prática.
Para o desenvolvimento desse processo, serão definidos parâmetros, critérios e metodologias específicas, capazes de, inclusive, favorecer o conhecimento da repercussão das medidas levadas a efeito por setores com os quais se buscará estabelecer parcerias, identificadas no capítulo "Responsabilidades Institucionais", deste documento.
Tais acompanhamentos e avaliação poderão valer-se dos dados e informações gerados pelos diferentes programas, planos, projetos ou atividades que serão operacionalizados a partir desta Política.
Além da avaliação anteriormente prescrita, procurar-se-á investigar a repercussão desta Política sobre a qualidade de vida das pessoas, bem como a sua contribuição para a concretização dos princípios e diretrizes do SUS, especialmente na conformidade do que estabelece a Lei Orgânica da Saúde, em seu art. 7° (Lei N.° 8.080/90), destacando-se:
• a “integralidade da assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema" (inciso II);
• a "preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral" (inciso III);
• o direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde" (inciso V);
• a "conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na prestação de serviços de assistência à saúde da população" (inciso XI);
• a "capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência" (inciso XII); e
• a "organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos" (inciso XIII).
O processo de acompanhamento aqui preconizado deverá, igualmente, avaliar em que medida estão sendo cumpridas as metas e compromissos internacionais dos quais o Governo Brasileiro é signatário, bem como daqueles oriundos de eventos nacionais.
6. TERMINOLOGIA
Abandono: ausência ou deserção por parte do responsável, dos cuidados, necessários às vítimas, ao qual caberia prover custódia física ou cuidado;
Abuso financeiro aos idosos: exploração imprópria ou ilegal e ou uso não consentido de recursos financeiros de um idoso;
Abuso físico ou maus-tratos físicos: uso de força física que pode produzir uma injúria, ferida, dor ou incapacidade;
Abuso psicológico ou maus-tratos psicológicos: agressões verbais ou gestuais com o objetivo de aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir a liberdade ou ainda isolá-la do convívio social;
Abuso sexual: ato ou jogo sexual que ocorre em relação hétero ou homossexual que visa estimular a vítima ou utilizá-la para obter excitação sexual e práticas eróticas e sexuais impostas por meio de aliciamento, violência física ou ameaças;
Acidentes ampliados: são acidentes relacionados a indústrias de processos contínuos, não se restringem ao ambiente de trabalho, afetando comunidades do entorno e produzindo efeitos adversos ao longo do tempo;
Autonegligência: conduta de pessoa idosa que ameaça sua própria saúde ou segurança, com a recusa ou o fracasso de prover a si mesmo um cuidado adequado;
Acidentes de transporte: todo acidente que envolve veículo destinado ao transporte de pessoas ou mercadorias de um lugar para outro;
Acidentes de trânsito: acidentes com veículos, ocorridos na via pública;
Agentes tóxicos: toda substância que, em contágio com o organismo, causa alterações eia suas funções;
Atendimento de recuperação e reabilitação: atendimento oferecido após a alta do paciente, geralmente em ambiente ambulatorial;
Atendimento pré-hospitalar: atendimento especializado oferecido a uma pessoa no local da ocorrência do evento, antes da chegada ao hospital;
Causas externas: ocorrências relacionais e acidentais e circunstâncias ambientais como causas de lesões, envenenamentos e outros efeitos adversos;
Deficiência: qualquer perda ou alteração de uma estrutura, função de ordem psicológica, fisiológica ou anatômica;
Fatores de risco: elementos de qualquer origem que possam comprometer ou colocar em risco a integridade física e ou emocional de um indivíduo;
Imaginologia: estudo de todos procedimentos diagnósticos por imagem;
Incapacidade: qualquer restrição ou falta - resultante de uma deficiência – da capacidade de realizar uma atividade nos moldes e limites considerados normais para um ser humano;
Informações tóxico-farmacológicas: informações sobre envenenamentos por medicamentos, produtos domiciliares, inseticidas, plantas tóxicas, animais peçonhentos, metais pesados, euforias (cocaína, LSD etc.), interações medicamentosas ou de drogas e teratogênese, bem como ações preventivas na área toxicológica;
Negligência: recusa, omissão ou fracasso por parte do responsável no cuidado com a vítima;
Notificação: é a comunicação obrigatória de determinadas doenças ou agravos às autoridades de saúde;
Reabilitação: desenvolvimento de uma pessoa até o mais completo potencial físico, psicológico, social, profissional, não-profissional e educacional, compatível com seu comprometimento fisiológico, anatômico e limitações ambientais;
Recuperação: ato de recuperar, recobrar ou restaurar funções, membros ou segmentos corporais que foram atingidos por lesões ou traumas;
Sequelas: danos deixados por qualquer doença ou agravo;
Profissionais responsáveis pela segurança relacionados ao Atendimento Pré-Hospitalar: Corpos de Bombeiros, Policiais Civis, Militares, Rodoviários, e outros profissionais, devidamente reconhecidos pelo Gestor público da saúde, para o desempenho do atendimento pré-hospitalar em suporte básico de vida (intervenção conservadora não-invasiva) sob supervisão médica, normalizados pelo SUS;
Suporte básico de vida: estrutura de apoio oferecida a pacientes com risco de morte desconhecido, promovida por profissionais de saúde, por meio de medidas conservadoras não-invasivas (como imobilização do pescoço, compressão de sangramento etc.);
Suporte avançado de vida: estrutura de apoio oferecido a pacientes em risco de morte, promovido por profissionais médicos, por intermédio de medidas não-invasivas ou invasivas (como, por exemplo, drenagem de tórax, acesso às vias aéreas, acesso venoso etc.);
Unidade de tratamento de pacientes de alto risco: ambiente destinado a oferecer suporte básico e avançado de vida, favorecendo principalmente uma remoção adequada, tanto intra quanto inter-hospitalar; e
Veículos para atendimento pré-hospitalar: viaturas equipadas com equipamentos para resgatar vítimas presas em ferragens ou em outras condições anômalas.