NORMAS TÉCNICAS PARA DIAGNÓSTICO, TRATAMENTO E CONTROLE DA LEISHMANIOSE TEGUMENTAR AMERICANA

O controle da Leishmaniose Tegumentar será orientado para os seguintes objetivos:

- O diagnóstico do doente, através do atendimento de demanda, fornecimento de insumos para diagnóstico complementar, investigação de focos e recebimento de notificações;

- orientação terapêutica padronizada, com o fornecimento da medicação e acompanhamento do doente;

- a investigação epidemiológica dos focos e adoção de medidas profiláticas pertinentes;

- a educação em saúde, através da ação participativa envolvendo os usuários dos serviços de saúde, equipes técnicas e a população em geral, de modo a fomentar a percepção do problema e a necessidade dos recursos a serem aplicados em cada realidade.

1. DIAGNÓSTICO - Para qualquer das formas deve ser clínico, epidemiológico e laboratorial, exceto nas áreas onde não se dispõe de recursos laboratoriais.

1.1- Diagnóstico clínico - A forma ulcerada franca é a mais comum, caracteriza-se por úlcera, com bordas elevadas em moldura, fundo granuloso com ou sem exsudação e indolor. Outras formas encontradas são a úlcero-crostosa, impetigoide, úlcero-vegetante, verrucosa, tuberosa, liquenóide ou framboesiforme. Na fase inicial é frequente a linfangite e/ou a adenopatia satélite às lesões. Quando existem lesões mucosas as queixas são de obstrução e eliminação de crostas nasais, epistaxes, e ao exame, ulceração de septo nasal.

1.2- Diagnóstico epidemiológico - Baseia-se em informações sobre residência e procedência do paciente, residências anteriores, e atividades profissionais relacionadas com desmatamento. Em presença de lesões suspeitas de mucosas deve-se investigar a preexistência de lesão cutânea, e a procedência e atividade profissional do paciente, naquela ocasião.

1.3- Diagnóstico laboratorial - Baseia-se na evidenciação do parasita e em provas imunológicas.

1.3.1- Diagnóstico parasitológico

A evidenciação do parasita é feita através de exames direto e indireto. Para a pesquisa direta são utilizados os seguintes procedimentos: escarificação, punção aspirativa, impressão por aposição e biopsia. O material deve ser colhido na superfície ou na borda interna de lesões novas; é raro o encontro de parasitas em lesões com mais do um ano. A identificação e tipagem do parasita através dos métodos abaixo é de grande utilidade na indicação terapêutica adequada. Entretanto, a tipagem só é possível em alguns centros de referência.

Para o cultivo o meio de escolha é o NNN, enriquecido com uma fase líquida de LIT-BHI, e o material pode ser obtido por punção-aspirativa ou por biopsia.

A inoculação em animais de laboratório é feita em hamster, principalmente nas patas posteriores.

Na histopatologia o diagnóstico de certeza só é dado quando se identifica o parasita nos tecidos.

1.3.2- O diagnóstico imunológico pode ser feito através de:

a) Intradermoreação de Montenegro, que traduz a resposta alérgica de hipersensibilidade celular retardada. É da grande valor presuntivo, dada a sua sensibilidade e especificidade, sendo positiva em mais de 90% dos casos de LTA. Nas lesões mucosas a reação é quase sempre positiva. Geralmente permanece positiva após o tratamento ou cicatrização espontânea da lesão, negativando nos indivíduos pouco reatores e nos precocemente tratados. Em áreas endêmicas deve ser valorizado, levando em consideração uma leishmaniose anterior ou, apenas exposição ao parasita sem doença.

Essa reação pode estar negativa de 1 a 4 meses após o inicia de lesão. É negativa na Leishmaniose anérgica.

b) Imunofluorescência indireta (IFI).

c) Testes imunoenzimáticos (ELISA).

As reações sorológicas de imunofluorescência indireta e os testes imunoenzimáticos (ELISA) são muitos úteis, principalmente nos casos com lesões extensas e múltiplas e no diagnóstico precoce das lesões mucosas secundárias ou primárias. A IFI apresenta reação cruzada com a leishmaniose visceral e a doença de Chagas. 

Após o tratamento e cura clínica da forma cutânea, os títulos caem ou desaparecem com alguns meses, podendo ser de utilidade no critério de cura.

Estes testes, são exigíveis em alguns centros de referência.

2. TRATAMENTO - A droga de primeira escolha é o antimonial pentavalente - antimoniato de N. Metil-glucamina (Glucantime). Atualmente não se recomenda a interrupção do Glucantime.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a dose deste antimonial seja calculada em mg/SbV/Kg/dia,(SbV significa antimônio puro).

As apresentações comerciais são em ampolas de 5ml, que contém 425mg do antimônio puro. Portanto, cada ml contém 85mg do antimônio puro.

É indicado para tratamento de todas as formas de leishmanioese tegumentar, embora as formas mucosas e cutâneo-mucosa exijam maior cuidado, por apresentarem respostas mais lentas e maior possibilidade de recidivas.

Não havendo resposta satisfatória com o tratamento pelo antimonial pentavalente, as drogas de segunda escolha são as Anfotericina B e a Pentamidina, esta última em fase de introdução no Brasil.

2.1- Antimoniato de N-Metil-Glucamina (Glucantime)

a) Forma cutânea - a dose recomendada pela OMS varia entre 10mg a 20mg/SbV/Kg/dia - sugere-se 15mg SbV/Kg/dia (Ex.: 2amp. para um paciente de 60Kg) durante 20 dias seguidos, por via intramuscular ou endovenosa, no final do dia, para possibilitar o repouso após a aplicação. Se não houver cicatrização completa após duas semanas do término do tratamento, o esquema deverá ser repetido. Persistindo o insucesso, o diagnóstico deverá ser reavaliado em serviço especializado.

Não deve ser administrada em gestantes.

A administração do Glucantime em pacientes com mais de 50 anos, ou ainda em portadores de cardiopatias, nefropatias, hepatopatias e doença de Chagas, pode desencadear toxicidade, exigindo vigilância permanente quanto ao eletrocardiograma, provas de função renal e provas de função hepática. O tratamento deverá ser suspenso uma vez constatados alterações eletrocardiográficas persistentes ou progressivas, ou ainda alterações importantes nas provas de funções renal e hepática.

A medicação pode produzir alguns efeitos colaterais, as vezes exigindo a suspensão do tratamento. Entre eles temas: artralgia, mialgia, inapetência, náuseas, vômitos, plenitude gástrica, epigastralgia, pirose, dor abdominal, prurido, febre, fraqueza, cefaléia, tontura, palpitação, insônia, nervosismo, choque pirogênico, edema, herpes zoster e insuficiência renal aguda.

b) Forma mucosa deve ser tratada com 20mg SbV/Kg/dia durante 30 dias, ou pode prolongar-se até a cura clínica, com rigorosa vigilância do paciente, e sempre que possível deve ser feito em âmbito hospitalar.

- Não se obtendo resposta satisfatória, adotar uma das medicações alternativas - Anfotericina B ou Pentamidina.

2.2- Anfotericina B (Fungizon)

É a droga de segunda escolha, empregada quando não se obtém resposta ao tratamento com antimonial. É a mais eficaz nas manifestações mucosas da leishmaniose, sendo as recidivas menos freqüentes.

Apresentação: 1 frasco = 50mg

Dose/Modo de Aplicação

Inicia-se com 0,5mg/Kg/dia em dias alternados, aumentando gradualmente até a dose total de 1mg/Kg, sem ultrapassar 50mg. Administração é feita por via endovenosa, gota a gota, lentamente (4 horas de infusão) diluída em soro glicosado a 5%, utilizando equipo em Y, sendo um frasco com anfotericina e outro com 50 a 100mg de hidrocortizona, para evitar a flebite. Deve ser administrada em dias alternados até a cura clínica, o que deve ocorrer quando atingir as seguintes doses totais: na forma cutânea, 1 a 1,5gr; nas formas mucosas e cutâneo-mucosa, 2,5 a 3gr.

Se necessário, esta dose total poderá ser elevada desde que o paciente esteja sob vigilância clínica rigorosa, acompanhada das provas laboratoriais que permitam avaliar, principalmente, a função renal.

Recomenda-se realizar avaliação clínica e laboratorial antes do início do tratamento, fazendo-se avaliação cardiológica, exames bioquímicos para avaliação das funções renal (dosagem de uréia, creatinina e k). Avaliação da função hepática (dosagem de bilirrubinas, transaminases e fosfatase alcalina) e hemograma. Essas avaliações deverão ser feitas semanalmente.

Em idosos a reavaliação da função renal e cardíaca deve ser feita 2 vezes por semana, desde que haja alterações.

É importante enfatizar que a medicação deve ser feita sob vigilância em serviços especializados, com o paciente hospitalizado.

Os efeitos colaterais de ocorrência mais frequente (febre,anorexia, náuseas, vômitos e flebite) podem ser atenuados ou evitados com o uso de antipiréticos, antieméticos ou de 50 a 100mg de hidrocortisona, acrescentados ao soro.

É contra indicada para administração em gestantes, cardiopatas, nefropatas e hepatopatas.

2.3- Isotionato de Pentamidina (Pentacarinat)

Apresentação: cada frasco contém 200mg

A OMS recomenda, para todas as formas, administrar 4mg/Kg/dia, via intramuscular, durante 5 ou mais semanas, dependendo da resposta clínica.

Experiência brasileira tem mostrado que, para a forma cutânea, ocasionada por Leishmania guyanensis obtem-se bons resultados terapêuticos, com poucos efeitos colaterais, utilizando-se a mesma dose e via de administração, porém, com apenas 3 aplicações e intervalo de dois dias entre cada aplicação.

A Pentamidina, face o seu efeito hipoglicemiante, deverá ser administrada após uma refeição.

As reações adversas mais frequentes são dor, induração e abcessos estéreis no local da aplicação, além de náuseas, vômitos, tonturas, adinamias, mialgias, cefaléia, hipotensão, lipotímias, síncope, hiperglicemia e hipoglicemia. Diabetes mellitus pode ocorrer a partir da administração da dose total de 1 grama.

Nas doses recomendas pela OMS, sugere-se a realização do exame bioquímico para avaliação das funções renal (dosagem da uréia e da creatinina) hepática (dosagem das transaminases, bilirrubinas e fosfatase alcalina) e glicemia periodicamente, no curso do tratamento. O acompanhamento eletrocardiográfico, antes, durante e no final do tratamento é também recomendado.

É contra-indicada para gestantes, e para portadores de diabetes, insuficiência renal, insuficiência hepática, doenças cardíacas e crianças com menos de 8Kg de peso.

3- CONTROLE DO TRATAMENTO - é feito principalmente pelo aspecto clínico das lesões, reepitelização das lesões ulceradas e regressão, nas formas mucosas a regressão de todos os sinais deve se comprovada pelo exame otorrinolaringológico.

No tratamento com 3 doses de Pentamidina verifica-se a cicatrização das lesões, em média, 25 dias após a última injeção.

Laboratorialmente devemos considerar que a imunofluorescência indireta e útil para o diagnóstico, principalmente, na forma mucosa.

Títulos positivos persistentes são encontrados em pacientes com freqüentes recidivas, com potencialidade de desenvolver a forma secundária mucosa, ou em indivíduos que permanecem em áreas endêmicas.

Ainda não está suficientemente estabelecido um critério de cura parasitológica para a LTA.

4- MEDIDAS GERAIS DE CONTROLE DA LTA

4.1- Medidas de atuação na cadeia de transmissão

Para a elaboração de um programa de controle torna-se necessária a integração das diversas instituições que atuam na área, evitando-se duplicidade de ações e gastos desnecessários.

As características peculiares da LTA - a diversidade de agentes, reservatórios, vetores e situações epidemiológicas, indicam que as estratégias de controle devem ser flexíveis e distintas, de aplicação restrita, adequadas a cada região ou foco particular. A complexidade do controle se evidencia quando se consideram as inúmeras lacunas ainda existentes no conhecimento destes aspectos.

Para a seleção de estratégias adequadas a cada região geográfica deverá ser considerada a análise epidemiológica dos dados referentes a:

1) Notificação dos casos humanos quanto à forma clínica, sexo, idade, profissão e procedência;

2) Estudos entomológicos para definir as espécies vetoras, sua dispersão, graus de antropofilia e exofilia, infecção natural;

3) Estudos parasitológicos para definir a espécie do agente etiológico circulante no foco;

4) Estudos ecológicos para determinação dos reservatórios animais envolvidos.

Como resultados dessa análise, poderão ser desenvolvidas as seguintes ações:

a) Diagnóstico precoce e tratamento adequado dos casos humanos, cuja competência é da rede básica de saúde, através do atendimento à demanda passiva, notificações e busca ativa em áreas de maior morbidade ou onde o acesso da população à rede é dificultada por diversos fatores.

b) Diagnóstico animal precoce e seguro para controle e/ou eliminação dos infectados.

c) Medidas de redução do contato homem-vetor, através de:

- medidas educativas - educação da comunidade;

- ampliação de inseticidas;

- medidas de proteção individual; e

- controle de reservatórios.

4.2- Vacina

Com relação a utilização da vacina para Leishmaniose Tegumentar Americana quer para imunoprofilaxia quer para imunoterapia, em virtude dos resultadas apresentados até o momento não serem conclusivos, sua utilização no território nacional, fica condicionada à autorização prévia do Ministério da Saúde.

5- DEFINIÇÃO DE RESPONSABILIDADES DAS INSTITUIÇÕES DE SAÚDE NOS DIFERENTES NÍVEIS

As ações de controle serão desenvolvidas a partir dos trabalhos conjunto entre a Fundação Nacional de Saúde (controle de vetores, reservatórios e busca ativa) e a Rede Básica de Saúde (controle de doentes e busca ativa).

Tradicionalmente a SUCAM se responsabilizou por todas as atividades de vigilância epidemiológica, não só da Leishmaniose Visceral como também da Leishmaniose Tegumentar, em todos os níveis; trabalho que hoje está incorporado à Fundação Nacional de Saúde (FNS).

Entretanto, o processo de descentralização em andamento no Sistema único de Saúde (SUS), impõe a revisão das atribuições de cada instituição, com vistas à atuação conjunta e hierarquizada de todas as instituições de saúde.

Considerando as interfaces das instâncias técnicas da Fundação Nacional de Saúde, no que tange à normalização para o controle da Leishmaniose Tegumentar, faz-se necessário o planejamento e acompanhamento conjunto a nível nacional, desempenhando as seguintes atribuições:

- Normalização da vigilância epidemiológica, investigação e controle dos focos, através de inquérito e intervenções na cadeia epidemiológica.

- Distribuição de insumos críticos.

- Normalização em diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos doentes de LTA, para a rede básica dos serviços de saúde.

Sendo assim, faz-se necessário que as Secretarias de Saúde Estaduais e Municipais assumam gradualmente as suas funções de vigilância epidemiológica, aos agravos prevalentes nas respectivas regiões e de assistência aos portadores de Leishmaniose Tegumentar.

Do mesmo modo, a atuação do Estado requer que as estratégias de controle sejam estabelecidas de acordo com realidade de cada Unidade Federada.

Implementar as atividades de referência da Leishmaniose Tegumentar Americana nos Centros de Zoonoses e Serviços de Referência de Dermatologia Sanitária com vistas a obtenção do impacto epidemiológico necessário.