Ministério da Saúde
Secretaria de Atenção à Saúde

PORTARIA Nº 847, DE 31 DE OUTUBRO DE 2002

APROVA O PROTOCOLO CLINICO E DIRETRIZES TERAPEUTICA-FENILCETONURIA-FORMULADAMINOACIDOS ISENTA DE FENILALANINA,CONFORME ANEXO. (EMENTA ELABORADA PELA CDI/MS).

O Secretário de Assistência à Saúde, no uso de suas atribuições legais,

Considerando a necessidade de estabelecer Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o tratamento da Fenilcetonúria, que contenha critérios de diagnóstico e tratamento, observando ética e tecnicamente a prescrição médica, racionalize a dispensação dos complementos alimentares preconizados para o tratamento da doença, regulamente suas indicações e seus esquemas terapêuticos e estabeleça mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliação de resultados, garantindo assim a prescrição segura e eficaz;

Considerando a Consulta Pública a que foi submetido o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Fenilcetonúria, por meio da Consulta Pública SAS/MS nº 07, de 06 de junho de 2002, que promoveu sua ampla discussão e possibilitou a participação efetiva da comunidade técnico científica, sociedades médicas, profissionais de saúde e gestores do Sistema Único de Saúde na sua formulação;

Considerando as sugestões apresentadas ao Departamento de Sistemas e Redes Assistenciais no processo de Consulta Pública acima referido, resolve:

Art. 1º - Aprovar o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - FENILCETONÚRIA - Fórmula de Aminoácidos Isenta de Fenilalanina, na forma do Anexo desta Portaria.

§ 1º - Este Protocolo, que contém o conceito geral da doença, os critérios de inclusão/exclusão de pacientes no tratamento, critérios de diagnóstico, esquema terapêutico preconizado e mecanismos de acompanhamento e avaliação deste tratamento, é de caráter nacional, devendo ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na regulação da dispensação dos complementos alimentares nele previstos.

§ 2º - As Secretarias de Saúde que já tenham definido Protocolo próprio com a mesma finalidade, deverão adequá-lo de forma a observar a totalidade dos critérios técnicos estabelecidos no Protocolo aprovado pela presente Portaria;

§ 3º - É obrigatória a observância deste Protocolo para fins de dispensação dos complementos alimentares nele previstos.

Art. 2º - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. RENILSON REHEM DE SOUZA

ANEXO

PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS FENILCETONÚRIA

Fórmula de Aminoácidos Isenta de Fenilalanina

1. Introdução

Fenilcetonúria é um erro inato do metabolismo, de herança autossômica recessiva, cujo defeito metabólico (geralmente na fenilalanina hidroxilase) leva ao acúmulo de fenilalanina (FAL) no sangue e aumento da excreção urinária de ácido fenilpirúvico e fenilalanina. Foi a primeira doença genética e ter um tratamento realizado a partir de terapêutica dietética específica(1).

Sem a instituição de diagnóstico e tratamento precoces, antes dos 3 meses de vida (através de programas de triagem neonatal), a criança portadora de fenilcetonúria apresenta um quadro clínico clássico caracterizado por atraso global do desenvolvimento neuro-psicomotor, deficiência mental, comportamento agitado ou padrão autista, convulsões, alterações eletroencefalográficas e odor característico na urina(2).

Pacientes que fazem o diagnóstico no período neonatal e recebem a terapia dietética adequada precocemente não apresentam o quadro clínico acima descrito(3).

Três formas de apresentação metabólicas são reconhecidas e classificadas de acordo com o percentual de atividade enzimática encontrado:

• Fenilcetonúria Clássica: quando a atividade da enzima fenilalanina hidroxilase é praticamente inexistente (atividade inferior a 1%) e, conseqüentemente, os níveis plasmáticos encontrados de fenilalanina são superiores a 20 mg/dl.

Fenilcetonúria Leve: quando a atividade da enzima é de 1 a 3% e os níveis plasmáticos de fenilalanina encontram-se entre 10 e 20 mg/dl.

• Hiperfenilalninemia Transitória ou Permanente: quando a atividade enzimática é superior à 3% e os níveis de fenilalaninemia encontram-se entre 4 e 10 mg/dl; esta situação é considerada benigna, não ocasionando qualquer sintomatologia clínica(1).

Uma atenção especial deve ser dada às crianças do sexo feminino com quadros de Hiperfenilalaninemia Permanente porque, na gestação, as quantidades aumentadas da FAL materna (valores acima de 4mg/dl) levam a uma maior incidência de deficiência mental (21%), microcefalia (24%) e baixo peso ao nascimento (13%). Esta meninas, na idade fértil, devem ser orientadas a iniciar a dieta para pacientes fenilcetonúricos e manter níveis menores ou iguais a 4mg% antes da concepção, assim como durante toda a gestação(4).

Tabela I - Classificação das deficiências da fenilalanina hidroxilase segundo a atividade enzimática(5):

 

Atividade enzimática

FAL sanguíneos

Tratamento

FNC clássica

< 1%

>20 mg%

Sim

FNC Leve

1 – 3%

10 – 20 mg%

Sim

Hiperfenilalaninemia
Permanente

> 3%

<10 mg%

Não

Existem casos de hiperfenilalaninemias atípicas, causadas por deficiência no co-fator da tetra-hidrobiopterina (BH4) - com incidência de 1 a 3% dos casos -, com pior prognóstico porque apresentam quadro clínico mais intenso e o tratamento dietético é de pouca valia na maioria dos casos(1).

O tratamento da fenilcetonúria consta de intervenção dietética com uma dieta com restrição de fenilalanina. Resultados de estudos não-randomizados demonstraram que a dieta é efetiva em reduzir níveis séricos de fenilalanina, melhorar o quociente de inteligência e desfechos neuropsicomotores(6).

2. Classificação CID 10

E70.0 - Fenilcetonúria Clássica

3. Diagnóstico
O diagnóstico ideal é aquele realizado através de programas
de triagem neonatal, pois, como exposto anteriormente, permite tratamento precoce e prevenção do desenvolvimento do quadro clínico( 2,3,6). A triagem neonatal é realizada através da dosagem quantitativa da fenilalanina (FAL) sangüínea, obtida de amostras colhidas em papel filtro (teste do pezinho). Para que o aumento da FAL possa ser detectado, é fundamental que a criança tenha tido ingesta protéica, portanto é recomendado que a coleta seja feita após 48 horas do nascimento da criança. Neste momento, mesmo crianças de risco, que ainda não tiveram contato com leite materno, podem colher material desde que estejam sob dieta parenteral (rica em aminoácidos essenciais) (7,8,9).

A triagem para fenilcetonúria através da análise de metabólitos
na urina mostra-se inadequada para um programa de diagnóstico
precoce(8,9). As alterações detectáveis na urina só surgem em
fases posteriores às que são detectáveis no sangue e, muitas vezes, já
com os primeiros sinais de lesão no sistema nervoso.

3.1. Clínico
Idealmente o diagnóstico não deve aguardar até a fase de
manifestações clínicas para que seja realizado, uma vez que lesões
irreversíveis podem ocorrer. Para casos que não forem diagnosticados
durante a triagem neonatal, os seguintes sintomas devem fazer com
que se pesquise o diagnóstico de fenilcetonúria, em crianças que não
tenham realizado triagem neonatal (diagnóstico tardio):(3,4)
• Atraso do desenvolvimento neuro-psicomotor (de qualquer
intensidade);

• Deficiência mental;

• Comportamento agitado, agressivo ou padrão autista;

• Quadro convulsivo sem etiologia definida.

3.2. Laboratorial
Várias metodologias podem ser utilizadas para dosagem da
fenilalanina: fluorimetria, enzimático-colorimétrico ou espectrometria
de massa, sendo que o valor de referência para a população normal é
de FAL menor ou igual a 4 mg%.
O diagnóstico de fenilcetonúria (formas clássica ou leve) é
feito pela dosagem de fenilalanina com valores superiores a 10 mg/dl,
em pelo menos duas amostras laboratoriais distintas. Além disso, para
descartar as formas variantes de fenilcetonúria, os co-fatores da biopterina
(BH4) devem ser também determinados(4).

4. Critérios de Inclusão no Protocolo de Tratamento
Serão incluídos neste protocolo pacientes que apresentarem o
diagnóstico de fenilcetonúria, forma leve ou clássica, através de duas
medidas laboratoriais de fenilalanina com resultados superiores a 10
mg/dl.

5. Centros de Referência

Conforme já definido em Portaria GM/MS n° 822 de 06 de
junho de 2001, Serviços de Referência em Triagem Neonatal/Acompanhamento
e Tratamento de Doenças Congênitas Tipo I, II ou III -
onde se inclui a fenilcetonúria - são os responsáveis pela triagem,
diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes portadores
de fenilcetonúria.

6. Casos Especiais

Durante a gestação de uma paciente portadora de hiperfenilalaninemia
permanente (níveis de fenilalanina com resultados
entre 4 e 10mg/dL), as quantidades aumentadas da FAL materna
(valores acima de 4mg/dl) levam a uma maior incidência de complicações
fetais.Desta forma, meninas em idade fértil que planejem
gestar devem ser orientadas a iniciar a dieta para pacientes fenilcetonúricos
e manter níveis menores ou iguais a 4mg% antes da
concepção, assim como durante toda a gestação(4,8).

7. Tratamento

O tratamento consiste basicamente de uma dieta com baixo
teor de FAL, porém com níveis suficientes deste aminoácido para
promover crescimento e desenvolvimento adequados(7). Se instituída
uma dieta isenta de FAL, poderia levar à "Síndrome da Deficiência",
caracterizada por eczema grave, prostração, ganho de peso insuficiente
levando à desnutrição, além de deficiência mental e crises
convulsivas(3).

Além da fórmula de aminoácidos, os pacientes recebem as
seguintes orientações:

• Os lactentes recebem as fórmulas especiais e, a elas pode
ser adicionado leite integral modificado com a menor quantidade de
FAL possível.

• Amamentação materna pode ocorrer desde que exista controle
semanal da FAL sangüínea.

• A introdução de outros alimentos deve ocorrer aos 4 meses
de idade, utilizando-se alimentos que contenham baixos teores de
FAL, tais como vegetais e frutas, sempre com controle diário da
quantidade diária permitida de ingesta de FAL.

7.1. Produto terapêutico

Os produtos utilizados no tratamento da fenilcetonúria são
complementos alimentares - fórmulas de aminoácidos isentas de fenilalanina.
A característica básica dos produtos é a muito baixa concentração
de fenilalanina - não superior a 0,1 g de fenilalanina por
100g de produto.

Tratam-se de fórmulas lácteas, ou solução que permite a
formulação láctea, que serve para reposição dos aminoácidos essenciais
(todos, com exceção da FAL) que serão retirados da dieta
instituída para o paciente. Alimentos fontes de proteína (ricos em
FAL) são eliminados da dieta e a fonte de aminoácidos essenciais
passa a ser controlada através do fornecimento desta fórmula especial
de aminoácidos (10). Esta reposição permite que o paciente mantenha
o desenvolvimento somático e neurológico adequados apesar da importante
restrição dietética que lhe será imposta.

Os produtos normalmente são liofilizado e devem ser reconstituídos
com água de acordo com a quantidade a ser consumida
(a cada consumo, deve ser preparado conforme as orientações da
nutricionista da equipe que acompanha o caso).
As fórmulas comerciais disponíveis podem ser divididas em
três grupos:

• aquelas para crianças até um ano de idade;
• outras para maiores de um ano de idade

• algumas fórmulas podem ser utilizados tanto para menores
quanto para maiores de um ano de idade.

7.2. Esquema de administração

A dieta é individualizada, sendo calculada para cada paciente,
pois a tolerância à FAL varia de acordo com a idade, peso e
grau da deficiência enzimática(2,3,7). O cálculo inicial baseia-se na
quantidade de proteínas necessárias para a faixa etária, de acordo com
tabela II.

Usualmente a dieta deve conter entre 250 e 500 mg de
FAL/dia, quando o normal de ingesta para um paciente não portador
de fenilcetonúria é de 2.500 mg de FAL/dia(1).

Tabela II - Recomendação diária de proteína e de fenilalanina na dieta(4)

Tabela II

Recomendação de proteína

Recomendação de FAL

Idade
(anos)

g/kg

g/dia

mg/kg

0 -05

2,5

-

20 - 70

0,5 - 1

2,2

-

15 - 50

1 - 4

-

25

15 - 40

4 -7

-

30

15 - 35

7 - 11

-

35

15 - 30

11 - 15

-

45 - 50

15 - 30

15 - 19

-

45 - 55

15 - 30

O tratamento preconizado deverá ser mantido por toda a vida(6,8,9).

Estudos realizados sugerem que a suspensão da dieta pode
resultar em deterioração intelectual e comportamental, sendo portanto
aconselhável a manutenção da dieta por toda a vida.

7.4. Benefícios esperados com o tratamento

• Mantida a normalização dos parâmetros neuro-psicomotores
nos pacientes com diagnóstico precoce (através da Triagem
Neonatal) e instituição do tratamento adequado antes dos três meses
de vida;

• Desenvolvimento pôndero-estatural adequado para a idade
do paciente apesar da restrição dietética imposta;

• Melhoria gradual das alterações neuropsicológicas observadas
nos pacientes cujo tratamento inicia-se à partir de três meses de
idade (pacientes não submetidos à triagem neonatal).

8. Monitorização

O acompanhamento da dieta dos pacientes portadores de
fenilcetonúria deve ser feito por uma equipe multidisciplinar formada
minimamente por pediatra e nutricionista.

Logo após o diagnóstico, o acompanhamento clínico minimamente
recomendado deve ser mensal até o primeiro ano de vida,
para que a mãe seja esclarecida sobre a dieta e os riscos das transgressões
para o desenvolvimento de seu filho. Após este período, o
acompanhamento pode ser bimestral ou trimestral, dependendo da
evolução da criança e das dificuldades da família. O acompanhamento
laboratorial, com análise quantitativa de fenilalanina, deve ser
mensal nos primeiros 12 meses de tratamento e, após este período,
dosagens a cada 2-3 meses são recomendadas.

Conforme decisão da equipe multidisciplinar do Serviço de Referência que orienta o tratamento
da Fenilcetonúria, algumas situações especiais de dificuldade
no seguimento do mesmo podem definir uma rotina diferenciada de acompanhamento clínico e/ou laboratorial, com a redução dos prazos acima definidos

9. Referências Bibliográficas

1. Scriver, CR, Beaudet AL, Sly WS, Valle D. In: The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease, 8th ed. Mc- Graw-Hill Inc: New York; 2001.

2. Mira NV & Marquez UM. Importance of the diagnoses and treatment of phenylketonuria. Rev Saude Publica 2000 Feb;34(1):86-96.

3. Martins AM, et al. Temas em Pediatria 54 - Fenilcetonúria: abordagem terapêutica. Nestlé, 1993.

4. Levy HL. Phenylketonuria: old disease, new approach to treatment. Proc Natl Acad Sci U S A. 1999 Mar 2;96(5):1811-3.

5. Trefz FK, Schmidt H, Bartholomé K, Mahle M, Matthis P, Pecht G. Differential diagnosis and significance of various hyperphenylalaninemias. In: Bickel H & Watchtel U. Inherited diseases of amino acid metabolism. International Symposium. Heldeiberg; 1984.Stuttgart. Georg Thieme Verlag; 1985: 86.

6. Poustie VJ, Rutherford P. Dietary Interventions for phenylketnuria (Cochrane Review). In: The Cochrane Library. Issue 1, 2002. Oxford: Update Software.

7. Elsas LJ & Acosta PB. Nutrition support of Inherited metabolic diseases. In: Shils, ME & Young VR. Modern Nutrition in Health and Disease. Philadelphia, LEA & Febiges 7th ed. 1988: 1337.

8. National Institute Of Health - Phenylketonuria: Screening and Management. In: NIH Consens Statement 2000, Oct; 17 (3):1- 28.

9. Seashore MR, et al. Development of guidelines for treatment of children with Phenylketonuria: report of a meeting at the National Institute Of Child Health and Human Development. Pediatrics 1999, Dec; 104 (6):1-7.

10. Tierney Jr. LM et al. Diagnóstico & Tratamento. Ed. Atheneu; 2001. p. 1537.