Ministério da Saúde
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos

PORTARIA Nº 75, DE 1º DE NOVEMBRO DE 2006

(Revogada pela PRT SCTIE/MS nº 1 de 12.01.2007)

O Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, no uso de suas atribuições legais, Considerando a necessidade de estabelecer o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para o tratamento da Sobrecarga de Ferro, que contenha critérios de diagnóstico e tratamento, racionalize a dispensação dos medicamentos preconizados para o tratamento da doença, regulamente suas indicações e seus esquemas terapêuticos e estabeleça mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliação de resultados, garantindo assim a prescrição segura e eficaz;

Considerando a Consulta Pública GM/MS no- 3, de 15 de julho de 2003, a que foi submetido o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas - Sobrecarga de Ferro, que promoveu ampla discussão e possibilitou a participação efetiva da comunidade técnico científica, sociedades médicas, profissionais de saúde e gestores do SistemaÚnico de Saúde na sua formulação, resolve:

Art. 1o- - Aprovar o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS - SOBRECARGA DE FERRO, na forma do Anexo desta Portaria.

§ 1o- - Este Protocolo, que contém o conceito geral da doença, os critérios de inclusão/exclusão de pacientes no tratamento, critérios de diagnóstico, esquema terapêutico preconizado e mecanismos de acompanhamento e avaliação deste tratamento, é de caráter nacional, devendo ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, na regulação da dispensação dos medicamentos nele previstos.

§ 2o- - As Secretarias de Saúde que já tenham definido Protocolo próprio com a mesma finalidade, deverão adequá-lo de forma a observar a totalidade dos critérios técnicos estabelecidos no Protocolo aprovado pela presente Portaria;

§ 3o- - É obrigatória a observância deste Protocolo para fins de autorização e dispensação dos medicamentos nele previstos;

§ 4o- - É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso dos medicamentos preconizados para o tratamento da Sobrecarga de Ferro, o que deverá ser formalizado através da assinatura do respectivo Termo de Consentimento Informado, conforme o modelo integrante do Protocolo.

Art. 2o- - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário

MOISÉS GOLDBAUM

ANEXO

PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS SOBRECARGA DE FERRO DESFERROXAMINA E DEFERIPRONA

1.INTRODUÇÃO

O ferro é vital para todos os organismos vivos pela sua participação em múltiplos processos metabólicos essenciais, incluindo o transporte de oxigênio, síntese de DNA e transporte de elétrons. O equilíbrio de ferro no corpo é cuidadosamente regulado para assegurar que a absorção compense as perdas corporais deste elemento.

Ao contrário de outros metais, é altamente conservado pelo organismo.

O excesso de ferro pode ser excretado somente em processos lentos de descamação epitelial, de secreções intestinais e sangramento menstrual.

Toxicidade pode ocorrer tanto por uma dose única e excessiva de ferro quanto por acúmulo crônico proveniente de dieta, uso inadequado de sais de ferro ou transfusões sanguíneas.

As principais situações clínicas associadas à sobrecarga de ferro são a hemocromatose hereditária (HH) e hemossiderose secundária.

Esta última situação está relacionada a transfusões crônicas e/ou hipertransfusão, levando a sobrecarga de ferro, ocorrendo principalmente na talassemia maior mas também em outras situações clínicas como anemia falciforme, anemia aplásica refratária, síndromes mielodisplásicas refratárias e leucemias agudas. Enquanto que na hemocromatose hereditária o tratamento da sobrecarga de ferro é feito basicamente por sangrias, os quelantes do ferro são essenciais no manejo da hemossiderose secundária.

1.1. Hemocromatose hereditária

A hemocromatose hereditária é uma das desordens genéticas mais comuns na população caucasiana.1 A predisposição para aumento inapropriado da absorção de ferro proveniente da dieta leva ao desenvolvimento progressivo de complicações como cirrose, carcinoma hepatocelular, diabete mélito e doenças cardíacas.

Em pacientes homozigóticos para hemocromatose hereditária a absorção de ferro não é regulada pelos seus estoques.2 Estes pacientes absorvem 2-4mg de ferro ao dia, ao invés de 1mg ao dia como os indivíduos normais.

Na maioria dos trabalhos, homozigose C282Y ocorre em até 90% dos pacientes com HH.4 A manifestação clínica da HH varia grandemente, desde um clinicamente insignificante acúmulo de ferro, passando por um estágio de sobrecarga de ferro sem o desenvolvimento de doenças que, se não tratado, pode progredir para um quadro de sobrecarga de ferro com lesões em órgãos-alvo (comumente pacientes com mais de 40 anos e mais de 20g de estoque de ferro).3,4 Idealmente, o diagnóstico deve ser feito antes deste estágio de doença, objetivando que a remoção do ferro previna a progressão para lesão tecidual irreversível.

O desenvolvimento de lesão hepática nos pacientes com HHé relacionado ao acúmulo progressivo de ferro hepático.5-7 A concentração de ferro hepático aumenta com a idade na maioria dos pacientes homozigotos. Nos pacientes com mais de 40 anos, a concentração hepática de ferro provavelmente excede 10.000μg/g de fígado seco e a biópsia hepática revela fibrose ou cirrose.6,7 A observação de aumento de concentração de ferro hepático com a idade levou ao desenvolvimento do índice de ferro hepático (divisão do conteúdo de ferro hepático em μmol/g de fígado seco pela idade).1 Oíndice de ferro hepático acima de 1,9 foi capaz de distinguir homozigose para HH. O grau de sobrecarga de ferro tem um impacto direto sobre a expectativa de vida nestes pacientes. As principais causas de morte são cirrose, carcinoma hepatocelular, diabete mélito e miocardiopatia.5

O diagnóstico de HH baseia-se na documentação de aumento dos estoques de ferro, principalmente aumento das concentrações hepáticas de ferro associadas a aumentos dos níveis de ferritina sérica. 1 HH pode também ser definida genotipicamente8 pela ocorrência familiar de sobrecarga de ferro com homozigose C282Y ou heterozigose C282Y/H63T. Rastreamento deve ser feito nos pacientes de alto risco, como aqueles com envolvimento orgânico suspeito, história familiar de HH e naqueles em que exames radiológicos ou bioquímicos sugerem anormalidades relacionadas a possível sobrecarga de ferro.

1.2 Talassemia maior

As talassemias são anemias hereditárias que ocorrem por mutações que afetam a síntese da hemoglobina. A síntese reduzida de um dos dois polipeptídios (alfa ou beta) da globina conduz ao acúmulo de hemoglobina deficiente, resultando em hemácias hipocrômicas e microcíticas. A talassemia maior é um subtipo de talassemia beta que se caracteriza por anemia grave e necessidade de transfusões sanguíneas regulares para compensação do paciente.9 As transfusões sangüíneas eliminam as complicações de anemia e a expansão compensatória da medula óssea, permitem o desenvolvimento normal ao longo de infância e aumentam a sobrevida.

Paralelamente, transfusões resultam em uma segunda doença: o acúmulo de ferro nos tecidos que, sem tratamento, é fatal na segunda década de vida.10,11 Cada unidade de sangue transfundida carreia consigo 200mg a 250mg de ferro.12 O excesso de ferro é inicialmente armazenado intracelularmente na forma de ferritina em macrófagos e, persistindo a sobrecarga, em células do parênquima hepático, miocárdio e órgãos endócrinos.12

O coração é mais suscetível do que o fígado ao efeito tóxico do ferro devido a sua menor capacidade de síntese de ferritina.12

Crianças não submetidas à terapia com quelantes freqüentemente desenvolvem hipertrofia ventricular esquerda e distúrbios de condução elétrica já na primeira infância, e arritmias cardíacas e insuficiência cardíaca na adolescência. No coração, mesmo quantias pequenas de ferro livre podem gerar metabólitos tóxicos do oxigênio. Nos pacientes talassêmicos, a hipertensão pulmonar crônica e a miocardite podem apressar o processo.11

O fígado é um grande depósito de ferro transfundido. Acúmulo hepático de ferro já se manifesta no segundo ano de terapia transfusional, podendo resultar rapidamente em fibrose portal em uma porcentagem significante de pacientes.11

Alterando o prognóstico da talassemia, principal durante osúltimos 20 anos, foi o progresso no desenvolvimento de terapia quelante de ferro.9,13 Desferroxamina, primeiro introduzido em estudos em curto prazo em pacientes com sobrecarga de ferro nos inícios da década de 1960, foi aceita como terapia standard durante a década seguinte em países capazes de suportar os custos altos desta terapia.

Neste período, terapia quelante de ferro para talassemia resultou em uma das alterações mais dramáticas em morbidade e mortalidade associadas com uma doença genética11 , entretanto a morbimortalidade associada a esta situação clínica continua elevada.13,14

1.3 Outras causas de hemossiderose secundária A anemia falciforme é outra anemia hemolítica hereditária causada pela presença da hemoglobina S, uma hemoglobina anormal gerada pela mutação da cadeia beta da globina. A presença da hemoglobina S ocasiona a polimerização da hemoglobina e posterior“falcização” da hemácia, o que gera a sua retirada precoce da circulação (hemólise) e maior propensão a eventos trombóticos.15 A apresentação clínica é variável. Quadros clínicos leves, como o chamado traço falciforme, normalmente não requerem tratamento. Já a forma mais grave, a forma homozigota para o gene da hemoglobina S (forma SS), deve ser sempre tratada. O tratamento envolve medicações que elevam a quantidade de hemoglobina F (como a hidroxiuréia), que proporciona proteção contra eventos trombóticos e crises álgicas, e transfusões de hemácias.16,17 A sobrecarga de ferro é uma complicação tardia nos pacientes com anemia falciforme. Algumas evidências apontam para um menor impacto da sobrecarga de ferro sobre os tecidos nos pacientes com anemia falciforme em relação aos pacientes com talassemia. Outras mostram estoques de ferro elevados e dano hepático similares entre os pacientes com anemia falciforme e talassemia. Enquanto estas situações aparentemente discrepantes não são devidamente esclarecidas, o manejo da sobrecarga de ferro nos pacientes com anemia falciforme deve ser similar ao feito para os pacientes com talassemia maior.17

As síndromes mielodisplásicas são um grupo de doenças clonais da medula óssea caracterizadas por uma hematopoese inefetiva e inadequada.18 Uma de suas complicações são quadros de anemia crônica refratárias e onde muitas vezes as transfusões representam a única opção terapêutica. Sobrecarga de ferro secundáriaé uma complicação em alguns destes pacientes politransfundidos.

Mais raramente os pacientes portadores de leucemias agudas podem, em virtude das repetidas transfusões durante o seu tratamento, apresentar sobrecarga de ferro a ponto de requerer terapia quelante. Nos pacientes com anemia aplásica refratária a tratamento imunossupressor e sem doador compatível para transplante de medula óssea ou idosos, transfusões são a única opção terapêutica, podendo a sobrecarga de ferro ser uma complicação a longo prazo.

2. CLASSIFICAÇÃO - CID 10

·E83.1 doença do metabolismo do ferro

·T45.4 intoxicação por ferro e seus compostos

3. DIAGNÓSTICO

Os métodos para diagnóstico de sobrecarga de ferro incluem exames sangüíneos e urinários, biópsia hepática, avaliação de respostaà flebotomia e, ainda com caráter experimental, exames de imagem.

3.1 Exames sangüíneos e urinários Há quatro exames sangüíneos úteis para o diagnóstico de sobrecarga de ferro, todos com limitações e potencias erros:

a)concentração de ferro plasmático (normal: 60 a 50μg/dl)

b)capacidade ferropéxica plasmática (normal: 300 a 360μg/dl)

c)saturação da transferrina (normal: 20 a 50%)

d)ferritina sérica (normal: 40 a 200ng/ml)

A acurácia destes métodos diagnósticos foi avaliada em um estudo envolvendo mais de 10.000 pacientes.19 Demonstrou sensibilidade da saturação da transferrina (de 50%) de somente 52% e uma especificidade de 90,8% para o diagnóstico de homozigose para C282Y (HH).

Uma análise comparativa20 de marcadores séricos com avaliação dos estoques hepáticos de ferro (em pacientes com sobrecarga por doença alcoólica ou hemocromatose) demonstrou correlação significativa apenas da concentração de ferritina sérica nos pacientes que não apresentavam hepatite ou cirrose alcoólica. Neste estudo a capacidade ferropéxica e concentração de ferro sérico mostraram-se de pouco utilidade na avaliação dos estoques de ferro do organismo.

Alternativa laboratorial é a análise de excreção urinária de ferro após estimulação com desferroxamina. A utilidade desta medida
é questionável tendo em vista a baixa acurácia.11 A correlação entre esta medida e a concentração hepática de ferro é baixa, em parte devido à variação na fração de ferro que é excretada pela urina e pelas fezes. Este exame também sofre variações de fatores como existência de infecções, inflamações, efetividade da eritropoese, doença hepática e outros.11

A dosagem da ferritina sérica é, provavelmente, o parâmetro mais útil para a avaliação/monitorização dos pacientes com sobrecarga de ferro por ser o exame não-invasivo de melhor correlação com os estoques de ferro corpóreo além de apresentar baixo custo. 12

3.2 Biópsia Hepática

Avaliação da concentração hepática de ferro por biópsia é o método quantitativo mais específico e sensível para determinar sobrecarga de ferro.21 Considerado o teste diagnóstico definitivo para sobrecarga de ferro, permite, além da avaliação da quantidade de ferro, a análise da presença ou não de fibrose hepática.9 O conteúdo de ferro é descrito em microgramas de ferro por grama de tecido hepático seco.

Pacientes que têm diagnóstico de HH realizado por outros métodos (como a pesquisa da mutação do gene por PCR) e que apresentam baixa probabilidade de apresentar fibrose hepática podem não necessitar de biópsia hepática. Em um estudo22, a presença de AST normal, ferritina sérica inferior a 1.000ng/ml e a ausência de hepatomegalia apresentaram um valor preditivo negativo de fibrose de 100%.

3.3 Resposta à Flebotomia

Nas situações em que for contra-indicada a realização de biópsia hepática, a sobrecarga de ferro pode ser avaliada clinicamente
através da flebotomia quantitativa: determina-se o número de flebotomias (de 500ml) semanais necessárias para produzir uma eritropoese deficiente. Cada flebotomia de 500ml remove de 200mg a 250mg de ferro elementar. Em um indivíduo normal, sem sobrecarga de ferro, os estoques deste elemento são de 1g. Desta forma, quatro ou cinco flebotomias produzem deficiência de ferro. Em pacientes com sobrecarga, que comumente apresentam 4-5g de ferro em estoques, são necessárias mais de 20 flebotomias.

Alguns autores recomendam23 que se realize, com finalidade diagnóstica, uma a duas flebotomias de 500ml por semana até que a hemoglobina alcance 12g/dl e o volume corpuscular médio (VCM) 75 a 80; o número de flebotomias é então avaliado e, sendo maior do que 5, sugere a existência de sobrecarga de ferro.

3.4 Exames de imagem

Testes não invasivos como tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética, embora promissores, não são acurados, particularmente nos pacientes com fibrose hepática e quantidades moderadas de sobrecarga de ferro.12,21,24

Reduções de estoques de ferro em biópsias hepáticas têm sido detectados por exames de ressonância nuclear magnética em alguns pacientes, mas a correlação entre estes dois métodos é baixa11 e variam com diferentes equipamentos e métodos. Devido ao caráter experimental destes exames, eles não são recomendados para uso na prática clínica.

4. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO

Serão incluídos neste Protocolo de Tratamento pacientes com sobrecarga de ferro secundária e portadores de HH conforme definido abaixo:

Pacientes com sobrecarga de ferro secundária definida por:

·concentração hepática de ferro em biópsia hepática maior de 3,2mg/g de fígado seco ou;

·ferritina sérica (nos casos de contra-indicação da biopsia hepática) maior de 1000μg/l.

Pacientes portadores de HH

·com refratariedade e/ou intolerância à terapia com flebotomias e;

·sobrecarga de ferro caracterizada por oconcentração hepática de ferro em biópsia hepática maior de 3,2mg/g de fígado seco ou;
oferritina sérica (nos casos de contra-indicação da biopsia hepática) maior de 1000μg/l.

5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO

Desferroxamina

Não devem usar desferroxamina:

·Pacientes com insuficiência renal crônica grave.

Deferiprona

Não devem usar deferiprona:

·Gestantes ou nutrizes;

·pacientes que apresentem história de hipersensibilidade ao fármaco ou a algum componente da fórmula;

·pacientes que apresentem história de agranulocitose ou neutropenia ou ainda que utilizem concomitantemente medicações que
possam causar estas situações clínicas.

6. CASOS ESPECIAIS

Deferiprona

Não existem na literatura dados sobre o uso de deferiprona em crianças com menos de 6 anos de idade, não sendo recomendado seu uso. Informações sobre seu uso em crianças entre 6 e 10 anos são limitadas, devendo sua utilização ser realizada com extrema cautela nestes pacientes, preferencialmente em Centros de Referência nomeados pelo Gestor Estadual.

7. TRATAMENTO

7.1 Pacientes com sobrecarga de ferro secundária

Pacientes que apresentam sobrecarga de ferro de etiologia transfusional tem na terapia com quelantes a única escolha. Julgamento clínico deve decidir quando começar a terapia com quelantes.

O prognóstico do paciente também deve ser considerado.

Desferroxamina

A desferroxamina é um quelante altamente específico que liga-se ao ferro permitindo, assim, sua fácil excreção na urina e bile.

Apesar de absorvida por via oral, as características farmacocinéticas obrigam ao desenvolvimento de protocolos de infusão contínua.

Em pacientes com talassemia, os efeitos benéficos de terapia com desferroxamina na sobrevida da doença cardíaca foram inicialmente descritos no início da década de 1980.11 Foi, porém, somente na década passada que os estudos comprovaram inequivocamente tal benefício.11,13 Relatos de redução da concentração de ferro hepático, melhora de anormalidades laboratoriais (de função hepática) e a interrupção do desenvolvimento de fibrose hepática justificam a terapia com desferroxamina nestes pacientes.11

Infusão subcutânea noturna de desferroxamina deve resultar na excreção urinária de ferro de 20mg a 50mg ao dia.25 Pode minimizar acúmulo de ferro adicional e reduzir estoques de ferro se a taxa de transfusão poder ser mantida abaixo de quatro unidades por mês. Uma conduta alternativa em pacientes que já têm sobrecarga de ferro grave (com manifestações como arritmias cardíacas e insuficiência ventricular esquerda) ou não toleram terapia subcutânea é a infusão contínua, 24 horas ao dia, de desferroxamina por um cateter intravenoso. Esta estratégia foi usada em 17 pacientes de alto risco com beta-talassemia durante um seguimento médio de 4,5 anos; taxas de infecção e de trombose foram 1,2 e 0,5 por 1000 dias de cateter, respectivamente, e não houve nenhuma mortalidade relacionada ao tratamento.26 Outra alternativa em estudo é a administração em bolus: excreção urinária de ferro foi comparada em pacientes submetidos a duas injeções subcutâneas diárias em bolus com infusão subcutânea contínua por 12 horas diárias, com resultados promissores27, não havendo ainda subsídios para sua indicação clínica.

Uma vez que reduzir os estoques de ferro é mais difícil, recomenda-se começar a terapia de quelação cedo, antes que ocorra acúmulo de ferro significativo e que já exista repercussão clínica. A concentração de ferritina deve ser avaliada a cada três a quatro meses, objetivando uma estabilização ou um decréscimo em seus níveis. Em um seguimento a longo prazo de pacientes com talassemia beta, a manutenção da ferritina abaixo de 2500ng/ml apresentou importância prognóstica para doença cardíaca.28

Apesar dos incontestáveis benefícios da terapia com desferroxamina, sua efetividade é limitada pela difícil aderência ao tratamento.

A principal limitação é o esquema de administração, que deve ser por via subcutânea ou intravenosa, em infusões de 8 a 24 horas ao dia. Também de importância, é a ocorrência dos efeitos adversos, em que destaca-se o risco aumentado de murcomicose, principalmente em pacientes com insuficiência renal. Outros efeitos adversos são neurotoxicidade visual e auditiva com a terapia crônica e complicações agudas como distúrbios gastro-intestinais, hipotensão e anafilaxia. Altas doses de desferroxamina também se associam com piora de doença pulmonar, incluindo hipertensão pulmonar. Manifestação importante, principalmente em crianças, é a falha no crescimento linear, associada à displasia da cartilagem de crescimento dos ossos longos.

A toxicidade associada à desferroxamina pode ser evitada por aferição regular do conteúdo de ferro no organismo através da medida da concentração hepática de ferro. Se a concentração hepática não é regularmente aferida, um índice de toxicidade, definido como a dose média de desferroxamina dividido pela concentração de ferritina, deve ser calculado para os pacientes a cada 6 meses, e não deve exceder 0,025.29

As doses de desferroxamina não devem exceder 50mg/kg/dia, uma vez que efeitos adversos graves, incluindo morte, se associaram com doses superiores a esta.11

Deferiprona

Terapia quelante alternativa, a deferiprona apresenta a grande vantagem de poder ser administrada por via oral.

Deferiprona tem sido testada em pacientes com talassemia maior e anemia falciforme. Em uma série30 de 51 pacientes que não foram aderentes ou não toleraram o tratamento com desferroxamina, 26 receberam a administração de deferiprona por uma média de 39 meses. Estes pacientes apresentaram estabilização dos estoques de ferro evidenciado por ferritina sérica e excreção urinária de ferro.

Entretanto, 8 de 17 pacientes que tiveram os estoques hepáticos de ferro avaliados mantiveram-se com níveis acima de 15mg/g, nível considerado tóxico para fígado e coração.

Em outro estudo31, 19 pacientes com talassemia maior tratados continuamente com deferiprona, por uma média de 4,6 anos, foram comparados com um grupo de pacientes em uso de desferroxamina.

Alguns pacientes submeteram-se a múltiplas biópsias hepáticas.

Em 7 dos 18 pacientes, os níveis de ferro estavam acima do considerado seguro do ponto de vista cardíaco.

Uma metanálise que incluiu estudos abertos, estudos de crossover randomizados e não-randomizados, estudos comparados e não comparados, avaliou eficácia e efetividade da deferiprona.32 Nesta análise, a deferiprona foi eficaz em reduzir estoques de ferro (avaliado por concentração de ferritina sérica e por excreção urinária de ferro). Após uma média de 16 meses com doses de 75mg/kg/dia de deferiprona, a maioria dos pacientes apresentou diminuição da concentração de ferritina.

Uma limitação da deferiprona é a potencialização do dano oxidativo do DNA em células hepáticas saturadas de ferro demonstrada em um estudo in vitro.33 Isto ocorre quando a concentração do quelante é baixa relativamente à concentração de ferro. As conseqüências clínicas desta observação in vitro são questionáveis, embora já exista relato de aumento da ocorrência de fibrose hepática com o uso desta medicação.31 Este relato de fibrose, publicado no estudo de Olivieri e colaboradores31, criou grande controvérsia na literatura mundial, inclusive com aspectos éticos e legais envolvendo os investigadores, o hospital e o laboratório fabricante.34,35 Em um estudo de fase IV36, 532 pacientes portadores de talassemia em tratamento com deferiprona foram monitorizados por uma média de 3 anos.

Elevação transitória de AST, desconforto gastrointestinal e artralgias foram os efeitos adversos mais comumente reportados. Durante os 3 anos de seguimento, 187 pacientes (32%) apresentaram um total de 269 eventos que levaram a interrupção da terapia. Dos 111 pacientes que interromperam permanentemente o tratamento, 47 o fizeram por efeitos adversos, 30 por falta de aderência e 14 por falha terapêutica (ferritina sérica acima de 4.000μg/l). Outra série de casos37 acompanhou 56 pacientes em uso de deferiprona por 3 anos também não evidenciando desenvolvimento de fibrose.

ATENÇÃO: ESTE MEDICAMENTO APRESENTA O RISCO DE DESENVOLVIMENTO DE NEUTROPENIAS (2,1% PACIENTE/
ANO) E AGRANULOCITOSE (0,4% PACIENTES/ANO), ESTA ÚLTIMA COM CASOS FATAIS. PORTANTO É IMPORTANTE QUE A MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO SEJA ESTRITAMENTE SEGUIDA CONFORME PRECONIZADO NO ITEM 8 DESTE PROTOCOLO.

Desferroxamina versus deferiprona

Não existe consenso na literatura sobre a comparação de desferroxamina e deferiprona a respeito de efetividade.38 As evidências atuais advêm de estudos não-randomizados e séries de casos, com pequeno número de pacientes, que avaliaram a eficácia de um quelante por um curto ou, raramente, longo período de tempo. Outra limitação é a variação do método utilizado pelos vários estudos para a avaliação dos estoques de ferro.

Em pacientes com talassemia maior e terapia transfusional, 75mg/kg de deferiprona induz excreção renal de ferro equivalente aquela alcançada com 50mg/kg de desferroxamina, suficiente para induzir um balanço negativo de ferro na maioria dos pacientes com talassemia maior.39

Em outro estudo40, deferiprona foi administrada a 21 pacientes que não toleraram ou não aceitaram o uso de terapia com desferroxamina parenteral. Os estoques de ferro hepático foram determinados anualmente por biópsia hepática ou ressonância nuclear
magnética. O seguimento médio foi de 3,1 anos. Nos 11 pacientes em que a desferroxamina havia sido eficaz, a deferiprona manteve o
benefício (concentração hepática de ferro abaixo de 80μmol/g). Nos 10 pacientes em que a concentração de ferro continuava elevada com o uso de desferroxamina, a concentração baixou de 125,3μmol/g para 60,3μmol/g com o uso de deferiprona. O seguimento desta série de casos por 4,6 anos deu origem a um estudo de casos e controles31, onde 19 pacientes que apresentavam múltiplas biópsias hepáticas (72 biópsias) foram comparados com 20 pacientes (48 biópsias hepáticas) que estavam em tratamento com desferroxamina. Ao final do seguimento, 7 de 18 pacientes apresentavam concentrações de ferro hepática acima de 80μmol/g de fígado seco, valor acima do considerado seguro. Progressão de fibrose hepática pôde ser estudada em 14 pacientes do grupo deferiprona e 12 pacientes do grupo desferroxamina.

No grupo deferiprona, ocorreram 5 casos de fibrose, comparados com nenhum caso no grupo desferroxamina (P = 0,04). Este estudo conclui que a deferiprona não controla adequadamente os estoques de ferro e pode piorar a fibrose hepática.

Maggio e colaboradores41 realizaram um ensaio clínico randomizado aberto comparando deferiprona (75mg/kg/dia) com desferroxamina (50mg/kg/dia) por um seguimento de 30 meses. A ferritina dos 144 pacientes estudados situava-se entre 1.500 e 3.000ng/ml. O desfecho primário deste estudo foi concentração de ferritina sérica. Não houve diferença entre os dois grupos de estudo
no desfecho primário. Efeitos adversos foram mais comuns no grupo deferiprona, sendo que 5 pacientes descontinuaram o tratamento neste grupo.

Anderson e colaboradores42 compararam o conteúdo de ferro miocárdico e função cardíaca em 15 pacientes em terapia com deferiprona a longo prazo com 30 pacientes em uso de desferroxamina.

As concentrações de ferro no miocárdio foram avaliadas utilizando técnica de ressonância nuclear magnética. O grupo deferiprona teve concentrações de ferro miocárdico significativamente menores e fração de ejeção maior do que o grupo desferroxamina. Este estudo sugere uma maior eficácia do uso de deferiprona. Entretanto, críticas foram feitas em relação a metodologia utilizada para a aferição da concentração de ferro, uma vez que a ressonância nuclear magnética ainda não foi validada para a aferição de ferro miocárdico.43-46

Um ensaio clínico não-randomizado47 comparou desferroxamina e deferiprona por 24 meses em pacientes com sobrecarga de ferro e talassemia. Dezesseis pacientes que não toleraram o uso de desferroxamina foram tratados com deferiprona na dose de 75mg/kg/dia e comparados com 40 pacientes que fizeram uso de desferroxamina (20-50mg/kg/dia por infusão subcutânea). Tendo como desfecho a concentração de ferritina, não houve diferença entre os dois grupos, mesmo tendo o grupo desferroxamina apresentado uma baixa aderência ao tratamento.

Caro e colaboradores38 realizaram uma avaliação sistemática e quantitativa da literatura a respeito da comparação de desferroxamina e deferiprona. A análise incluiu estudos tipo ensaios clínicos e séries de casos, totalizando 30 pacientes no grupo desferroxamina e 68 pacientes no grupo deferiprona. Redução dos estoques de ferro hepático foi mais comumente encontrada no grupo desferroxamina do que no grupo deferiprona, num seguimento de 45 meses (razão de chances de 19, intervalo de confiança de 95% de 2,4 a 151,4). O grau de melhora também foi maior no grupo desferroxamina.

A literatura não permite uma conclusão definitiva a respeito da análise comparativa de desferroxamina e deferiprona. Apresenta, entretanto, uma ampla experiência clínica e demonstração de eficácia com o uso da desferroxamina sugerindo uma possível superioridade desta em relação ao deferiprona. Desta forma, recomenda-se que a desferroxamina seja considerada a primeira opção sendo reservada a deferiprona para pacientes que apresentem impossibilidade de uso da desferroxamina, quer por contra-indicação, intolerância ou dificuldades de operacionalização.

Terapia combinada de Desferroxamina e Deferiprona

A associação de desferroxamina e deferiprona tem sido sugerida para pacientes que não tolerem e/ou não alcancem os objetivos terapêuticos com cada uma das medicações isoladamente.24,48 Deve-se salientar, entretanto, que existem poucos estudos adequadamente delineados na literatura testando esta associação.21 Mourad e colaboradores49 em um pequeno estudo randomizado com pacientes com talassemia mostraram que a combinação de deferiprone 75mg/kg/dia e desferroxamina 40-50mg/kg/dia 2 vezes por semana resulta numa redução da ferritina e uma maior excreção de ferro na urina que o grupo que utilizou desferroxamina 40-50mg/kg/dia 5 vezes por semana.

Não se observou aumento na incidência de parefeitos no grupo que recebeu a combinação de quelantes. A combinação dos dois quelantes aparentemente potencializa o efeito quelante e pode ser uma alternativa para o tratamento destes pacientes.

Vitamina C

Baixos níveis de ácido ascórbico têm sido encontrados em pacientes talassêmicos com sobrecarga de ferro. Nestes pacientes a suplementação com vitamina C resulta em aumento importante da excreção de ferro induzida pela desferroxamina, isto ocorre pelo aumento da fração de ferro suscetível ao quelante.50 Ao mesmo tempo o aumento da quantidade de ferro livre pode agravar a toxicidade de ferro in vivo - a utilização de altas doses de vitamina C (500mg) tem sido associada à deterioração/precipitação de toxicidade cardíaca.12,50

O uso da suplementação de vitamina C, desta forma, deve ser feito com cautela. Nos pacientes em que for necessária a suplementação da vitamina C, esta deve ser feita somente nos dias em que o paciente fizer uso da desferroxamina, preferencialmente iniciando 1 hora após o início da infusão, e não excedendo 2mg/kg/dia.12 A possibilidade de toxicidade da associação da vitamina C com outros quelantes é, até o momento, desconhecida.

Objetivos da terapia

Uma vez que existe correlação direta entre as concentrações de ferro e os danos em órgãos alvo, o objetivo principal da terapia quelante é reduzir os estoques de ferro do organismo. A terapia ótima deve minimizar os riscos de aparecimento de efeitos adversos com a terapia com quelantes e diminuir a ocorrência das complicações associadasà sobrecarga do ferro.12 A tentativa de manter a quantidade de ferro em níveis normais (correspondendo a concentrações hepáticas de 0,6 a 1,2mg/g de fígado seco) muito provavelmente reduz a chance de complicações secundárias a sobrecarga de ferro.11 Entretanto, o risco de ocorrência de efeitos adversos em decorrência do tratamento também aumenta de maneira significativa. Assim, uma estratégia conservadora na terapia com quelantes é manter o ferro corpóreo correspondente a concentrações hepáticas de 3,2 a 7mg/g de fígado seco. O risco de toxicidade de desferroxamina com estes objetivos é muito pequeno.11

Se a avaliação da concentração de ferro hepático não pode ser realizada, a concentração de ferritina sérica pode ser utilizada.

Concentração de ferritina acima de 2.500μg/l é considerada o ponto de corte para associação com risco aumentado de eventos cardíacos e morte. Em uma coorte de 97 pacientes com um seguimento médio de 12 anos, concentração de ferritina sérica acima de 2.500μg/l foi oúnico parâmetro de impacto prognóstico na análise multivariada28. O objetivo terapêutico, considerando-se valores de ferritina, é de atingir concentrações inferiores a 1000μg/l, concentração associada a muito baixo risco de ocorrência de complicações decorrentes de sobrecarga de ferro.11

Início da terapia com quelantes

Entre as principais dificuldades de manejo dos pacientes com sobrecarga de ferro, destaca-se a correta avaliação dos estoques de ferro do organismo e a decisão do momento correto de iniciar a terapia com quelantes.

O momento ótimo para o início da terapia com quelantes continua um assunto controverso. Relatos de crescimento anormal foram apresentados em crianças tratadas com desferroxamina antes dos 3 anos de idade; paralelamente, anormalidades hepáticas foram relatadas em crianças que recebiam terapia transfusional devido a talassemia, mesmo antes desta idade.12

Devido a imprecisão de medidas indiretas, recomenda-se iniciar terapia com quelantes, em pacientes talassêmicos, após um ano do início da terapia transfusional regular.11 Biópsia hepática sobre orientação ultrassonográfica é procedimento seguro a ser realizado.

A maioria dos centros inicia as infusões aos cinco ou seis anos de idade, uma vez que o efeito sobre crescimento e desenvolvimento antes deste período é desconhecido.10,12,50 O início neste período da vida parece estar associado à redução das complicações cardíacas e, talvez, diminuição da mortalidade.

Existem poucas diretrizes internacionais a respeito do momento ideal para o início da terapia com quelantes. Na prática, a abordagem da maioria dos médicos é determinar a concentração de ferritina sérica após um período de transfusões regular e, baseados neste parâmetro, iniciar um regime de terapia com quelantes. Como a acurácia da concentração de ferritina para a estimativa da quantidade de ferro corporal é limitada, alguns recomendam que todas as crianças com talassemia maior façam biópsias hepáticas após 1 ano de terapia transfusional regular.11 O nível de ferro hepático que indica o início da terapia com quelantes é o mesmo nível considerado objetivo terapêutico desta terapia.11 Nos casos em que não estiver disponível biópsia hepática no início do tratamento, terapia com quelante deve ser iniciada aproximadamente um ano após o início da terapia transfusional.

7.2 Pacientes com Hemocromatose Hereditária

Há evidências crescentes de que a instituição precoce de flebotomias, antes do desenvolvimento de cirrose ou de diabete, reduzem morbimortalidade na HH.5 Algumas das manifestações clínicas podem melhorar após terapia com flebotomias (cansaço, pigmentação da pele, diabete, dor abdominal), enquanto outras têm menor probabilidade de resposta após a remoção da sobrecarga de ferro (artropatia, hipogonadismo, cirrose). A terapia padrão no manejo de pacientes com HH continua sendo a flebotomia. Uma unidade de sangue deve ser removida 1 a 2 vezes por semana, conforme tolerado.

A instituição precoce de flebotomias já se mostrou efetiva na terapia para HH, prevenindo morbidade e promovendo uma longevidade normal.5 Salientando a importância do tratamento precoce, a sobrevida em pacientes com HH é normal naqueles pacientes que iniciam tratamento antes do desenvolvimento de cirrose ou diabete.

Arritmias cardíacas e miocardiopatias são causas comuns de morte nestes pacientes. Uma vez que estas complicações podem aumentar durante rápida mobilização do ferro e que doses farmacológicas de vitamina C aceleram esta mobilização a um nível que pode saturar a transferrina, cautela deve ser tomada com o uso de vitamina C nestes pacientes. Controle da ingesta dietética de ferro deve fazer parte do manejo desta doença.1

Flebotomia

Flebotomia é o método mais simples, barato e efetivo de remover ferro do corpo. Cada 500ml de sangue removido contem 200mg a 250mg de ferro.1 A maioria dos pacientes que tem o fenótipo consistente com HH, independentemente do seu genótipo, beneficiam- se de terapia com flebotomia. Possíveis exceções incluem pacientes que apresentam expectativa de vida limitada por outras situações clínicas e aqueles que não toleram flebotomia, requerendo, então, terapia com quelantes.

A flebotomia pode ser realizada no consultório médico, no hospital (banco de sangue) ou até mesmo em casa, por um profissional devidamente treinado neste procedimento. Os pacientes devem ser bem hidratados e devem evitar exercício vigoroso dentro nas primeiras 24 horas após o procedimento. Sintomas de hivopolemia são mais prováveis em pacientes com concentração de hemoglobina inferior a 11g/dl antes do tratamento.

O regime ótimo de terapia com flebotomia não está bem estabelecido. Parece ser preferível que o paciente seja depletado de ferro tão logo quanto possível uma vez que o tratamento antes do desenvolvimento de cirrose mostrou ser capaz de melhorar sobrevida e prevenir o desenvolvimento de neoplasia hepática.1,51 Uma unidade de sangue por semana usualmente é suficiente. Pacientes masculinos e com grande massa corporal podem tolerar até 2 flebotomias por semana, enquanto que mulheres, idosos e pacientes com baixa massa corporal ou doença cardiopulmonar podem tolerar apenas 0,5 unidades por semana. O desenvolvimento de hiperplasia eritróide, que ocorre em poucas semanas, permite um esquema mais acelerado de flebotomias.

Não há consenso na literatura sobre o objetivo terapêutico com as flebotomias. Alguns autores23,52 recomendam a realização de flebotomias até que ocorra hematopoiese deficiente, evidenciada por concentração de hemoglobina de 11g/dl com VCM de 80 e uma saturação de transferrina de 10% a 20%. Outros autores recomendam a realização de flebotomias semanais até que os estoques de ferro estejam normalizados, definido como uma concentração de ferritina sérica abaixo de 50ng/ml e saturação de transferrina abaixo de 50%.

Suspensão temporária deve ser feita na presença de anemia.

Na fase de manutenção, o objetivo terapêutico é manter a ferritina em 50ng/ml ou menos. A maioria dos pacientes necessita uma flebotomia a cada 2-4 meses. Terapia com quelantes é raramente necessária em pacientes com HH, visto a alta eficácia da terapia com flebotomias.

7.3 Apresentações disponíveis

a)Desferroxamina: frasco-ampola com 500mg de pó liofilizado + ampolas de 5ml de água

b)Deferiprona: comprimidos de 500mg

7.4 Esquemas de Administração

a)Desferroxamina: 50mg/kg/dia, em infusão subcutânea através de bomba de infusão, durante 8-14 horas;

b)Deferiprona: 75mg/kg/dia, dividida em 3 tomadas diárias.

O uso de desferroxamina por via intravenosa e/ou de doses acima das preconizadas neste protocolo podem ser considerados, assim como a terapia combinada. Nestes casos recomenda-se que o paciente seja avaliado por um Comitê de Peritos em um Centro de Referência nomeado pelo Gestor Estadual.

7.5 Benefícios esperados com o tratamento clínico·Diminuição dos estoques de ferro do organismo;

·Diminuição das complicações do excesso de ferro, como as cardíacas e hepáticas;

·Diminuição da mortalidade em pacientes portadores de talassemia.

8. MONITORIZAÇÃO

Pacientes em uso de desferroxamina devem ser avaliados antes do início do tratamento e anualmente após este período por oftalmologista e otorrinolaringologista pelos riscos de efeitos adversos.

Pacientes em uso de deferiprona devem se cuidadosamente monitorizados pelo risco de agranulocitose. Devem ser realizados hemogramas semanalmente nos três primeiros meses após o início do tratamento, podendo esta monitorização laboratorial ser espaçada para quinzenal com o tempo. Esta monitorização clínica deste potencial efeito adverso deve ser feita continuamente. O surgimento de neutropenia abaixo de 1500/mm3 impõe a suspensão permanente do uso do deferiprona.

A monitorização do tratamento deve ser realizada com medidas indiretas de concentração de ferro (ferritina sérica ou excreção urinária de ferro) a cada 3 meses e medida direta através de biópsia hepática anualmente.24

9. TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO

É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados ao uso dos medicamentos preconizados neste protocolo, o que deverá ser formalizado por meio da assinatura de Termo(s) de Consentimento Informado, de acordo com os modelos que fazem parte deste Anexo.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO DESFERROXAMINA E DEFERIPRONA

Eu, ............................................................................................, (nome do(a) paciente), abaixo identificado(a) e firmado(a), declaro ter sido informado(a) claramente sobre todas as indicações, contra-indicações, principais efeitos colaterais e riscos relacionados ao uso dos medicamentos desferroxamina e deferiprona indicados para o tratamento da sobrecarga de ferro.

Estou ciente de que este(s) medicamento(s) somente pode(m) ser utilizado(s) por mim, comprometendo-me a devolvê-lo(s) caso o tratamento seja interrompido.

Os termos médicos foram explicados e todas as minhas dúvidas foram esclarecidas pelo médico............................................................................................................. (nome do médico que prescreve).

Expresso também minha concordância e espontânea vontade em submeter-me ao referido tratamento, assumindo a responsabilidade e os riscos por eventuais efeitos indesejáveis.

Assim, declaro que:

Fui claramente informado (a) de que os medicamentos que passo a receber podem trazer os seguintes benefícios:

·diminuição dos estoques de ferro do organismo;

·diminuição das complicações do excesso de ferro como as cardíacas e hepáticas;

·diminuição da mortalidade em pacientes portadores de talassemia.

Fui também claramente informado (a) a respeito das seguintes contra-indicações, potenciais efeitos colaterais e riscos:

·medicamentos classificados na gestação:

-desferroxamina: fator de risco C (significa que risco para bebê não pode ser descartado, mas um benefício potencial pode ser maior que os riscos);

-deferiprona: estudos em animais demostraram anormalidades nos descendentes. Não foram feitos estudos em humanos. Não há classificação sobre a gestação pelo FDA.

·risco de ocorrência dos seguintes efeitos colaterais:

-desferroxamina: reações no local de aplicação da injeção (dor, inchaço, coceira, vermelhidão) urina escura, vermelhidão da pele, coceira, reações alérgicas, visão borrada, catarata, distúrbios de audição, zumbidos, tontura, dificuldade para respirar, desconforto abdominal, diarréia, caibra nas pernas, taquicardia, febre, retardo no crescimento (em pacientes que começam tratamento antes dos 3 anos de vida), distúrbio renal, suscetibilidade a infecções (Yersinia e murcomicose).

-deferiprona: infecções (febre, dor de garganta, sintomas gripais), dor e inchaço nas articulações, dor abdominal, náusea, vômitos, alteração de apetite, urina escura, elevação de enzimas hepáticas (ALT), diminuição das células brancas do sangue e agranulocitose (reversíveis com a suspensão do tratamento).

·medicamentos contra-indicados em casos de hipersensibilidade (alergia) ao fármaco;

·o risco de ocorrência de efeitos adversos aumenta com a superdosagem.

Estou ciente de que posso suspender o tratamento a qualquer momento, sem que este fato implique qualquer forma de constrangimento entre mim e meu médico, que se dispõe a continuar me tratando em quaisquer circunstâncias.

Autorizo o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde a fazer uso de informações relativas ao meu tratamento desde que assegurado o anonimato.

Declaro, finalmente, ter compreendido e concordado com todos os termos deste Consentimento Informado.

Assim, o faço por livre e espontânea vontade e por decisão conjunta, minha e de meu médico.

O meu tratamento constará do(s) seguinte(s) medicamento(s):

 desferroxamina

 deferiprona

Paciente:
Documento de identidade:
Sexo: Masculino ( ) Feminino ( ) Idade:
Endereço:
Cidade: CEP: Telefone: ( )
Responsável legal (quando for o caso):
Documento de identidade do responsável legal:
Assinatura do paciente ou do responsável legal

 

Médico Responsável: CRM: UF:
Endereço:
Cidade: CEP: Telefone: ( )
Assinatura e carimbo do médico Data

Observações:

1.O preenchimento completo deste Termo e sua respectiva assinatura são imprescindíveis para o fornecimento do medicamento.

Este Termo será preenchido em duas vias: uma será arquivada na farmácia responsável pela dispensação dos medicamentos e a outra será entregue ao paciente.

 

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