Este texto não substitui o publicado no Diário Oficial da União
O Secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos,
no uso de suas atribuições legais,
Considerando a necessidade de estabelecer o Protocolo Clínico
e Diretrizes Terapêuticas para o tratamento da Sobrecarga de
Ferro, que contenha critérios de diagnóstico e tratamento, racionalize
a dispensação dos medicamentos preconizados para o tratamento da
doença, regulamente suas indicações e seus esquemas terapêuticos e
estabeleça mecanismos de acompanhamento de uso e de avaliação de
resultados, garantindo assim a prescrição segura e eficaz;
Considerando a Consulta Pública GM/MS no- 3, de 15 de
julho de 2003, a que foi submetido o Protocolo Clínico e Diretrizes
Terapêuticas - Sobrecarga de Ferro, que promoveu ampla discussão e
possibilitou a participação efetiva da comunidade técnico científica,
sociedades médicas, profissionais de saúde e gestores do SistemaÚnico de Saúde na sua formulação, resolve:
Art. 1o- - Aprovar o PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES
TERAPÊUTICAS - SOBRECARGA DE FERRO, na forma do
Anexo desta Portaria.
§ 1o- - Este Protocolo, que contém o conceito geral da doença,
os critérios de inclusão/exclusão de pacientes no tratamento, critérios
de diagnóstico, esquema terapêutico preconizado e mecanismos
de acompanhamento e avaliação deste tratamento, é de caráter nacional,
devendo ser utilizado pelas Secretarias de Saúde dos estados,
do Distrito Federal e dos municípios, na regulação da dispensação dos
medicamentos nele previstos.
§ 2o- - As Secretarias de Saúde que já tenham definido Protocolo
próprio com a mesma finalidade, deverão adequá-lo de forma
a observar a totalidade dos critérios técnicos estabelecidos no Protocolo
aprovado pela presente Portaria;
§ 3o- - É obrigatória a observância deste Protocolo para fins
de autorização e dispensação dos medicamentos nele previstos;
§ 4o- - É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu
responsável legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados
ao uso dos medicamentos preconizados para o tratamento da
Sobrecarga de Ferro, o que deverá ser formalizado através da assinatura
do respectivo Termo de Consentimento Informado, conforme
o modelo integrante do Protocolo.
Art. 2o- - Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação,
revogadas as disposições em contrário
ANEXO
PROTOCOLO CLÍNICO E DIRETRIZES TERAPÊUTICAS
SOBRECARGA DE FERRO
DESFERROXAMINA E DEFERIPRONA
1.INTRODUÇÃO
O ferro é vital para todos os organismos vivos pela sua
participação em múltiplos processos metabólicos essenciais, incluindo
o transporte de oxigênio, síntese de DNA e transporte de elétrons. O
equilíbrio de ferro no corpo é cuidadosamente regulado para assegurar
que a absorção compense as perdas corporais deste elemento.
Ao contrário de outros metais, é altamente conservado pelo organismo.
O excesso de ferro pode ser excretado somente em processos
lentos de descamação epitelial, de secreções intestinais e sangramento
menstrual.
Toxicidade pode ocorrer tanto por uma dose única e excessiva
de ferro quanto por acúmulo crônico proveniente de dieta, uso
inadequado de sais de ferro ou transfusões sanguíneas.
As principais situações clínicas associadas à sobrecarga de
ferro são a hemocromatose hereditária (HH) e hemossiderose secundária.
Esta última situação está relacionada a transfusões crônicas
e/ou hipertransfusão, levando a sobrecarga de ferro, ocorrendo principalmente
na talassemia maior mas também em outras situações
clínicas como anemia falciforme, anemia aplásica refratária, síndromes
mielodisplásicas refratárias e leucemias agudas. Enquanto que na
hemocromatose hereditária o tratamento da sobrecarga de ferro é feito
basicamente por sangrias, os quelantes do ferro são essenciais no
manejo da hemossiderose secundária.
1.1. Hemocromatose hereditária
A hemocromatose hereditária é uma das desordens genéticas
mais comuns na população caucasiana.1 A predisposição para aumento
inapropriado da absorção de ferro proveniente da dieta leva ao
desenvolvimento progressivo de complicações como cirrose, carcinoma
hepatocelular, diabete mélito e doenças cardíacas.
Em pacientes homozigóticos para hemocromatose hereditária
a absorção de ferro não é regulada pelos seus estoques.2 Estes pacientes
absorvem 2-4mg de ferro ao dia, ao invés de 1mg ao dia como
os indivíduos normais.
Na maioria dos trabalhos, homozigose C282Y ocorre em até
90% dos pacientes com HH.4 A manifestação clínica da HH varia
grandemente, desde um clinicamente insignificante acúmulo de ferro,
passando por um estágio de sobrecarga de ferro sem o desenvolvimento
de doenças que, se não tratado, pode progredir para um
quadro de sobrecarga de ferro com lesões em órgãos-alvo (comumente
pacientes com mais de 40 anos e mais de 20g de estoque de
ferro).3,4 Idealmente, o diagnóstico deve ser feito antes deste estágio
de doença, objetivando que a remoção do ferro previna a progressão
para lesão tecidual irreversível.
O desenvolvimento de lesão hepática nos pacientes com HHé relacionado ao acúmulo progressivo de ferro hepático.5-7 A concentração
de ferro hepático aumenta com a idade na maioria dos
pacientes homozigotos. Nos pacientes com mais de 40 anos, a concentração
hepática de ferro provavelmente excede 10.000μg/g de fígado
seco e a biópsia hepática revela fibrose ou cirrose.6,7 A observação
de aumento de concentração de ferro hepático com a idade
levou ao desenvolvimento do índice de ferro hepático (divisão do
conteúdo de ferro hepático em μmol/g de fígado seco pela idade).1 Oíndice de ferro hepático acima de 1,9 foi capaz de distinguir homozigose
para HH. O grau de sobrecarga de ferro tem um impacto
direto sobre a expectativa de vida nestes pacientes. As principais
causas de morte são cirrose, carcinoma hepatocelular, diabete mélito
e miocardiopatia.5
O diagnóstico de HH baseia-se na documentação de aumento
dos estoques de ferro, principalmente aumento das concentrações
hepáticas de ferro associadas a aumentos dos níveis de ferritina sérica.
1 HH pode também ser definida genotipicamente8 pela ocorrência
familiar de sobrecarga de ferro com homozigose C282Y ou heterozigose
C282Y/H63T. Rastreamento deve ser feito nos pacientes de
alto risco, como aqueles com envolvimento orgânico suspeito, história
familiar de HH e naqueles em que exames radiológicos ou bioquímicos
sugerem anormalidades relacionadas a possível sobrecarga
de ferro.
1.2 Talassemia maior
As talassemias são anemias hereditárias que ocorrem por
mutações que afetam a síntese da hemoglobina. A síntese reduzida de
um dos dois polipeptídios (alfa ou beta) da globina conduz ao acúmulo
de hemoglobina deficiente, resultando em hemácias hipocrômicas
e microcíticas. A talassemia maior é um subtipo de talassemia
beta que se caracteriza por anemia grave e necessidade de transfusões
sanguíneas regulares para compensação do paciente.9
As transfusões sangüíneas eliminam as complicações de anemia
e a expansão compensatória da medula óssea, permitem o desenvolvimento
normal ao longo de infância e aumentam a sobrevida.
Paralelamente, transfusões resultam em uma segunda doença: o acúmulo
de ferro nos tecidos que, sem tratamento, é fatal na segunda
década de vida.10,11 Cada unidade de sangue transfundida carreia
consigo 200mg a 250mg de ferro.12 O excesso de ferro é inicialmente
armazenado intracelularmente na forma de ferritina em macrófagos e,
persistindo a sobrecarga, em células do parênquima hepático, miocárdio
e órgãos endócrinos.12
O coração é mais suscetível do que o fígado ao efeito tóxico
do ferro devido a sua menor capacidade de síntese de ferritina.12
Crianças não submetidas à terapia com quelantes freqüentemente desenvolvem
hipertrofia ventricular esquerda e distúrbios de condução
elétrica já na primeira infância, e arritmias cardíacas e insuficiência
cardíaca na adolescência. No coração, mesmo quantias pequenas de
ferro livre podem gerar metabólitos tóxicos do oxigênio. Nos pacientes
talassêmicos, a hipertensão pulmonar crônica e a miocardite
podem apressar o processo.11
O fígado é um grande depósito de ferro transfundido. Acúmulo
hepático de ferro já se manifesta no segundo ano de terapia
transfusional, podendo resultar rapidamente em fibrose portal em uma
porcentagem significante de pacientes.11
Alterando o prognóstico da talassemia, principal durante osúltimos 20 anos, foi o progresso no desenvolvimento de terapia quelante
de ferro.9,13 Desferroxamina, primeiro introduzido em estudos
em curto prazo em pacientes com sobrecarga de ferro nos inícios da
década de 1960, foi aceita como terapia standard durante a década
seguinte em países capazes de suportar os custos altos desta terapia.
Neste período, terapia quelante de ferro para talassemia resultou em
uma das alterações mais dramáticas em morbidade e mortalidade
associadas com uma doença genética11 , entretanto a morbimortalidade
associada a esta situação clínica continua elevada.13,14
1.3 Outras causas de hemossiderose secundária
A anemia falciforme é outra anemia hemolítica hereditária
causada pela presença da hemoglobina S, uma hemoglobina anormal
gerada pela mutação da cadeia beta da globina. A presença da hemoglobina
S ocasiona a polimerização da hemoglobina e posterior“falcização” da hemácia, o que gera a sua retirada precoce da circulação
(hemólise) e maior propensão a eventos trombóticos.15 A
apresentação clínica é variável. Quadros clínicos leves, como o chamado
traço falciforme, normalmente não requerem tratamento. Já a
forma mais grave, a forma homozigota para o gene da hemoglobina S
(forma SS), deve ser sempre tratada. O tratamento envolve medicações
que elevam a quantidade de hemoglobina F (como a hidroxiuréia),
que proporciona proteção contra eventos trombóticos e
crises álgicas, e transfusões de hemácias.16,17 A sobrecarga de ferro é
uma complicação tardia nos pacientes com anemia falciforme. Algumas
evidências apontam para um menor impacto da sobrecarga de
ferro sobre os tecidos nos pacientes com anemia falciforme em relação
aos pacientes com talassemia. Outras mostram estoques de ferro
elevados e dano hepático similares entre os pacientes com anemia
falciforme e talassemia. Enquanto estas situações aparentemente discrepantes
não são devidamente esclarecidas, o manejo da sobrecarga
de ferro nos pacientes com anemia falciforme deve ser similar ao
feito para os pacientes com talassemia maior.17
As síndromes mielodisplásicas são um grupo de doenças
clonais da medula óssea caracterizadas por uma hematopoese inefetiva
e inadequada.18 Uma de suas complicações são quadros de
anemia crônica refratárias e onde muitas vezes as transfusões representam
a única opção terapêutica. Sobrecarga de ferro secundáriaé uma complicação em alguns destes pacientes politransfundidos.
Mais raramente os pacientes portadores de leucemias agudas podem,
em virtude das repetidas transfusões durante o seu tratamento, apresentar
sobrecarga de ferro a ponto de requerer terapia quelante. Nos
pacientes com anemia aplásica refratária a tratamento imunossupressor
e sem doador compatível para transplante de medula óssea ou
idosos, transfusões são a única opção terapêutica, podendo a sobrecarga
de ferro ser uma complicação a longo prazo.
2. CLASSIFICAÇÃO - CID 10
·E83.1 doença do metabolismo do ferro
·T45.4 intoxicação por ferro e seus compostos
3. DIAGNÓSTICO
Os métodos para diagnóstico de sobrecarga de ferro incluem
exames sangüíneos e urinários, biópsia hepática, avaliação de respostaà flebotomia e, ainda com caráter experimental, exames de imagem.
3.1 Exames sangüíneos e urinários
Há quatro exames sangüíneos úteis para o diagnóstico de
sobrecarga de ferro, todos com limitações e potencias erros:
a)concentração de ferro plasmático (normal: 60 a 50μg/dl)
b)capacidade ferropéxica plasmática (normal: 300 a
360μg/dl)
c)saturação da transferrina (normal: 20 a 50%)
d)ferritina sérica (normal: 40 a 200ng/ml)
A acurácia destes métodos diagnósticos foi avaliada em um
estudo envolvendo mais de 10.000 pacientes.19 Demonstrou sensibilidade
da saturação da transferrina (de 50%) de somente 52% e uma
especificidade de 90,8% para o diagnóstico de homozigose para
C282Y (HH).
Uma análise comparativa20 de marcadores séricos com avaliação
dos estoques hepáticos de ferro (em pacientes com sobrecarga
por doença alcoólica ou hemocromatose) demonstrou correlação significativa
apenas da concentração de ferritina sérica nos pacientes que
não apresentavam hepatite ou cirrose alcoólica. Neste estudo a capacidade
ferropéxica e concentração de ferro sérico mostraram-se de
pouco utilidade na avaliação dos estoques de ferro do organismo.
Alternativa laboratorial é a análise de excreção urinária de
ferro após estimulação com desferroxamina. A utilidade desta medida
é questionável tendo em vista a baixa acurácia.11 A correlação entre
esta medida e a concentração hepática de ferro é baixa, em parte
devido à variação na fração de ferro que é excretada pela urina e
pelas fezes. Este exame também sofre variações de fatores como
existência de infecções, inflamações, efetividade da eritropoese, doença
hepática e outros.11
A dosagem da ferritina sérica é, provavelmente, o parâmetro
mais útil para a avaliação/monitorização dos pacientes com sobrecarga
de ferro por ser o exame não-invasivo de melhor correlação
com os estoques de ferro corpóreo além de apresentar baixo custo.
12
3.2 Biópsia Hepática
Avaliação da concentração hepática de ferro por biópsia é o
método quantitativo mais específico e sensível para determinar sobrecarga
de ferro.21 Considerado o teste diagnóstico definitivo para
sobrecarga de ferro, permite, além da avaliação da quantidade de
ferro, a análise da presença ou não de fibrose hepática.9 O conteúdo
de ferro é descrito em microgramas de ferro por grama de tecido
hepático seco.
Pacientes que têm diagnóstico de HH realizado por outros
métodos (como a pesquisa da mutação do gene por PCR) e que
apresentam baixa probabilidade de apresentar fibrose hepática podem
não necessitar de biópsia hepática. Em um estudo22, a presença de
AST normal, ferritina sérica inferior a 1.000ng/ml e a ausência de
hepatomegalia apresentaram um valor preditivo negativo de fibrose
de 100%.
3.3 Resposta à Flebotomia
Nas situações em que for contra-indicada a realização de
biópsia hepática, a sobrecarga de ferro pode ser avaliada clinicamente
através da flebotomia quantitativa: determina-se o número de flebotomias
(de 500ml) semanais necessárias para produzir uma eritropoese
deficiente. Cada flebotomia de 500ml remove de 200mg a
250mg de ferro elementar. Em um indivíduo normal, sem sobrecarga
de ferro, os estoques deste elemento são de 1g. Desta forma, quatro
ou cinco flebotomias produzem deficiência de ferro. Em pacientes
com sobrecarga, que comumente apresentam 4-5g de ferro em estoques,
são necessárias mais de 20 flebotomias.
Alguns autores recomendam23 que se realize, com finalidade
diagnóstica, uma a duas flebotomias de 500ml por semana até que a
hemoglobina alcance 12g/dl e o volume corpuscular médio (VCM) 75
a 80; o número de flebotomias é então avaliado e, sendo maior do que
5, sugere a existência de sobrecarga de ferro.
3.4 Exames de imagem
Testes não invasivos como tomografia computadorizada e
ressonância nuclear magnética, embora promissores, não são acurados,
particularmente nos pacientes com fibrose hepática e quantidades
moderadas de sobrecarga de ferro.12,21,24
Reduções de estoques de ferro em biópsias hepáticas têm
sido detectados por exames de ressonância nuclear magnética em
alguns pacientes, mas a correlação entre estes dois métodos é baixa11
e variam com diferentes equipamentos e métodos. Devido ao caráter
experimental destes exames, eles não são recomendados para uso na
prática clínica.
4. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO
Serão incluídos neste Protocolo de Tratamento pacientes com
sobrecarga de ferro secundária e portadores de HH conforme definido
abaixo:
Pacientes com sobrecarga de ferro secundária definida por:
·concentração hepática de ferro em biópsia hepática maior de
3,2mg/g de fígado seco ou;
·ferritina sérica (nos casos de contra-indicação da biopsia
hepática) maior de 1000μg/l.
Pacientes portadores de HH
·com refratariedade e/ou intolerância à terapia com flebotomias
e;
·sobrecarga de ferro caracterizada por
oconcentração hepática de ferro em biópsia hepática maior
de 3,2mg/g de fígado seco ou;
oferritina sérica (nos casos de contra-indicação da biopsia
hepática) maior de 1000μg/l.
5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Desferroxamina
Não devem usar desferroxamina:
·Pacientes com insuficiência renal crônica grave.
Deferiprona
Não devem usar deferiprona:
·Gestantes ou nutrizes;
·pacientes que apresentem história de hipersensibilidade ao
fármaco ou a algum componente da fórmula;
·pacientes que apresentem história de agranulocitose ou neutropenia
ou ainda que utilizem concomitantemente medicações que
possam causar estas situações clínicas.
6. CASOS ESPECIAIS
Deferiprona
Não existem na literatura dados sobre o uso de deferiprona
em crianças com menos de 6 anos de idade, não sendo recomendado
seu uso. Informações sobre seu uso em crianças entre 6 e 10 anos são
limitadas, devendo sua utilização ser realizada com extrema cautela
nestes pacientes, preferencialmente em Centros de Referência nomeados
pelo Gestor Estadual.
7. TRATAMENTO
7.1 Pacientes com sobrecarga de ferro secundária
Pacientes que apresentam sobrecarga de ferro de etiologia
transfusional tem na terapia com quelantes a única escolha. Julgamento
clínico deve decidir quando começar a terapia com quelantes.
O prognóstico do paciente também deve ser considerado.
Desferroxamina
A desferroxamina é um quelante altamente específico que
liga-se ao ferro permitindo, assim, sua fácil excreção na urina e bile.
Apesar de absorvida por via oral, as características farmacocinéticas
obrigam ao desenvolvimento de protocolos de infusão contínua.
Em pacientes com talassemia, os efeitos benéficos de terapia
com desferroxamina na sobrevida da doença cardíaca foram inicialmente
descritos no início da década de 1980.11 Foi, porém, somente
na década passada que os estudos comprovaram inequivocamente tal
benefício.11,13 Relatos de redução da concentração de ferro hepático,
melhora de anormalidades laboratoriais (de função hepática) e a interrupção
do desenvolvimento de fibrose hepática justificam a terapia
com desferroxamina nestes pacientes.11
Infusão subcutânea noturna de desferroxamina deve resultar
na excreção urinária de ferro de 20mg a 50mg ao dia.25 Pode minimizar
acúmulo de ferro adicional e reduzir estoques de ferro se a
taxa de transfusão poder ser mantida abaixo de quatro unidades por
mês. Uma conduta alternativa em pacientes que já têm sobrecarga de
ferro grave (com manifestações como arritmias cardíacas e insuficiência
ventricular esquerda) ou não toleram terapia subcutânea é a
infusão contínua, 24 horas ao dia, de desferroxamina por um cateter
intravenoso. Esta estratégia foi usada em 17 pacientes de alto risco
com beta-talassemia durante um seguimento médio de 4,5 anos; taxas
de infecção e de trombose foram 1,2 e 0,5 por 1000 dias de cateter,
respectivamente, e não houve nenhuma mortalidade relacionada ao
tratamento.26 Outra alternativa em estudo é a administração em bolus:
excreção urinária de ferro foi comparada em pacientes submetidos a
duas injeções subcutâneas diárias em bolus com infusão subcutânea
contínua por 12 horas diárias, com resultados promissores27, não
havendo ainda subsídios para sua indicação clínica.
Uma vez que reduzir os estoques de ferro é mais difícil,
recomenda-se começar a terapia de quelação cedo, antes que ocorra
acúmulo de ferro significativo e que já exista repercussão clínica. A
concentração de ferritina deve ser avaliada a cada três a quatro meses,
objetivando uma estabilização ou um decréscimo em seus níveis. Em
um seguimento a longo prazo de pacientes com talassemia beta, a
manutenção da ferritina abaixo de 2500ng/ml apresentou importância
prognóstica para doença cardíaca.28
Apesar dos incontestáveis benefícios da terapia com desferroxamina,
sua efetividade é limitada pela difícil aderência ao tratamento.
A principal limitação é o esquema de administração, que
deve ser por via subcutânea ou intravenosa, em infusões de 8 a 24
horas ao dia. Também de importância, é a ocorrência dos efeitos
adversos, em que destaca-se o risco aumentado de murcomicose,
principalmente em pacientes com insuficiência renal. Outros efeitos
adversos são neurotoxicidade visual e auditiva com a terapia crônica
e complicações agudas como distúrbios gastro-intestinais, hipotensão
e anafilaxia. Altas doses de desferroxamina também se associam com
piora de doença pulmonar, incluindo hipertensão pulmonar. Manifestação
importante, principalmente em crianças, é a falha no crescimento
linear, associada à displasia da cartilagem de crescimento dos
ossos longos.
A toxicidade associada à desferroxamina pode ser evitada
por aferição regular do conteúdo de ferro no organismo através da
medida da concentração hepática de ferro. Se a concentração hepática
não é regularmente aferida, um índice de toxicidade, definido como a
dose média de desferroxamina dividido pela concentração de ferritina,
deve ser calculado para os pacientes a cada 6 meses, e não deve
exceder 0,025.29
As doses de desferroxamina não devem exceder
50mg/kg/dia, uma vez que efeitos adversos graves, incluindo morte,
se associaram com doses superiores a esta.11
Deferiprona
Terapia quelante alternativa, a deferiprona apresenta a grande
vantagem de poder ser administrada por via oral.
Deferiprona tem sido testada em pacientes com talassemia
maior e anemia falciforme. Em uma série30 de 51 pacientes que não
foram aderentes ou não toleraram o tratamento com desferroxamina,
26 receberam a administração de deferiprona por uma média de 39
meses. Estes pacientes apresentaram estabilização dos estoques de
ferro evidenciado por ferritina sérica e excreção urinária de ferro.
Entretanto, 8 de 17 pacientes que tiveram os estoques hepáticos de
ferro avaliados mantiveram-se com níveis acima de 15mg/g, nível
considerado tóxico para fígado e coração.
Em outro estudo31, 19 pacientes com talassemia maior tratados
continuamente com deferiprona, por uma média de 4,6 anos,
foram comparados com um grupo de pacientes em uso de desferroxamina.
Alguns pacientes submeteram-se a múltiplas biópsias hepáticas.
Em 7 dos 18 pacientes, os níveis de ferro estavam acima do
considerado seguro do ponto de vista cardíaco.
Uma metanálise que incluiu estudos abertos, estudos de crossover
randomizados e não-randomizados, estudos comparados e não
comparados, avaliou eficácia e efetividade da deferiprona.32 Nesta
análise, a deferiprona foi eficaz em reduzir estoques de ferro (avaliado
por concentração de ferritina sérica e por excreção urinária de
ferro). Após uma média de 16 meses com doses de 75mg/kg/dia de
deferiprona, a maioria dos pacientes apresentou diminuição da concentração
de ferritina.
Uma limitação da deferiprona é a potencialização do dano
oxidativo do DNA em células hepáticas saturadas de ferro demonstrada
em um estudo in vitro.33 Isto ocorre quando a concentração do
quelante é baixa relativamente à concentração de ferro. As conseqüências
clínicas desta observação in vitro são questionáveis, embora
já exista relato de aumento da ocorrência de fibrose hepática com o
uso desta medicação.31 Este relato de fibrose, publicado no estudo de
Olivieri e colaboradores31, criou grande controvérsia na literatura
mundial, inclusive com aspectos éticos e legais envolvendo os investigadores,
o hospital e o laboratório fabricante.34,35 Em um estudo
de fase IV36, 532 pacientes portadores de talassemia em tratamento
com deferiprona foram monitorizados por uma média de 3 anos.
Elevação transitória de AST, desconforto gastrointestinal e artralgias
foram os efeitos adversos mais comumente reportados. Durante os 3
anos de seguimento, 187 pacientes (32%) apresentaram um total de
269 eventos que levaram a interrupção da terapia. Dos 111 pacientes
que interromperam permanentemente o tratamento, 47 o fizeram por
efeitos adversos, 30 por falta de aderência e 14 por falha terapêutica
(ferritina sérica acima de 4.000μg/l). Outra série de casos37 acompanhou
56 pacientes em uso de deferiprona por 3 anos também não
evidenciando desenvolvimento de fibrose.
ATENÇÃO: ESTE MEDICAMENTO APRESENTA O RISCO
DE DESENVOLVIMENTO DE NEUTROPENIAS (2,1% PACIENTE/
ANO) E AGRANULOCITOSE (0,4% PACIENTES/ANO),
ESTA ÚLTIMA COM CASOS FATAIS. PORTANTO É IMPORTANTE
QUE A MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO SEJA ESTRITAMENTE
SEGUIDA CONFORME PRECONIZADO NO
ITEM 8 DESTE PROTOCOLO.
Desferroxamina versus deferiprona
Não existe consenso na literatura sobre a comparação de
desferroxamina e deferiprona a respeito de efetividade.38 As evidências
atuais advêm de estudos não-randomizados e séries de casos,
com pequeno número de pacientes, que avaliaram a eficácia de um
quelante por um curto ou, raramente, longo período de tempo. Outra
limitação é a variação do método utilizado pelos vários estudos para
a avaliação dos estoques de ferro.
Em pacientes com talassemia maior e terapia transfusional,
75mg/kg de deferiprona induz excreção renal de ferro equivalente
aquela alcançada com 50mg/kg de desferroxamina, suficiente para
induzir um balanço negativo de ferro na maioria dos pacientes com
talassemia maior.39
Em outro estudo40, deferiprona foi administrada a 21 pacientes
que não toleraram ou não aceitaram o uso de terapia com
desferroxamina parenteral. Os estoques de ferro hepático foram determinados
anualmente por biópsia hepática ou ressonância nuclear
magnética. O seguimento médio foi de 3,1 anos. Nos 11 pacientes em
que a desferroxamina havia sido eficaz, a deferiprona manteve o
benefício (concentração hepática de ferro abaixo de 80μmol/g). Nos
10 pacientes em que a concentração de ferro continuava elevada com
o uso de desferroxamina, a concentração baixou de 125,3μmol/g para
60,3μmol/g com o uso de deferiprona. O seguimento desta série de
casos por 4,6 anos deu origem a um estudo de casos e controles31,
onde 19 pacientes que apresentavam múltiplas biópsias hepáticas (72
biópsias) foram comparados com 20 pacientes (48 biópsias hepáticas) que estavam em tratamento com desferroxamina. Ao final do seguimento,
7 de 18 pacientes apresentavam concentrações de ferro
hepática acima de 80μmol/g de fígado seco, valor acima do considerado
seguro. Progressão de fibrose hepática pôde ser estudada em
14 pacientes do grupo deferiprona e 12 pacientes do grupo desferroxamina.
No grupo deferiprona, ocorreram 5 casos de fibrose,
comparados com nenhum caso no grupo desferroxamina (P = 0,04).
Este estudo conclui que a deferiprona não controla adequadamente os
estoques de ferro e pode piorar a fibrose hepática.
Maggio e colaboradores41 realizaram um ensaio clínico randomizado
aberto comparando deferiprona (75mg/kg/dia) com desferroxamina
(50mg/kg/dia) por um seguimento de 30 meses. A ferritina
dos 144 pacientes estudados situava-se entre 1.500 e
3.000ng/ml. O desfecho primário deste estudo foi concentração de
ferritina sérica. Não houve diferença entre os dois grupos de estudo
no desfecho primário. Efeitos adversos foram mais comuns no grupo
deferiprona, sendo que 5 pacientes descontinuaram o tratamento neste
grupo.
Anderson e colaboradores42 compararam o conteúdo de ferro
miocárdico e função cardíaca em 15 pacientes em terapia com deferiprona
a longo prazo com 30 pacientes em uso de desferroxamina.
As concentrações de ferro no miocárdio foram avaliadas utilizando
técnica de ressonância nuclear magnética. O grupo deferiprona teve
concentrações de ferro miocárdico significativamente menores e fração
de ejeção maior do que o grupo desferroxamina. Este estudo
sugere uma maior eficácia do uso de deferiprona. Entretanto, críticas
foram feitas em relação a metodologia utilizada para a aferição da
concentração de ferro, uma vez que a ressonância nuclear magnética
ainda não foi validada para a aferição de ferro miocárdico.43-46
Um ensaio clínico não-randomizado47 comparou desferroxamina
e deferiprona por 24 meses em pacientes com sobrecarga de
ferro e talassemia. Dezesseis pacientes que não toleraram o uso de
desferroxamina foram tratados com deferiprona na dose de
75mg/kg/dia e comparados com 40 pacientes que fizeram uso de
desferroxamina (20-50mg/kg/dia por infusão subcutânea). Tendo como
desfecho a concentração de ferritina, não houve diferença entre os
dois grupos, mesmo tendo o grupo desferroxamina apresentado uma
baixa aderência ao tratamento.
Caro e colaboradores38 realizaram uma avaliação sistemática
e quantitativa da literatura a respeito da comparação de desferroxamina
e deferiprona. A análise incluiu estudos tipo ensaios clínicos
e séries de casos, totalizando 30 pacientes no grupo desferroxamina e
68 pacientes no grupo deferiprona. Redução dos estoques de ferro
hepático foi mais comumente encontrada no grupo desferroxamina do
que no grupo deferiprona, num seguimento de 45 meses (razão de
chances de 19, intervalo de confiança de 95% de 2,4 a 151,4). O grau
de melhora também foi maior no grupo desferroxamina.
A literatura não permite uma conclusão definitiva a respeito
da análise comparativa de desferroxamina e deferiprona. Apresenta,
entretanto, uma ampla experiência clínica e demonstração de eficácia
com o uso da desferroxamina sugerindo uma possível superioridade
desta em relação ao deferiprona. Desta forma, recomenda-se que a
desferroxamina seja considerada a primeira opção sendo reservada a
deferiprona para pacientes que apresentem impossibilidade de uso da
desferroxamina, quer por contra-indicação, intolerância ou dificuldades
de operacionalização.
Terapia combinada de Desferroxamina e Deferiprona
A associação de desferroxamina e deferiprona tem sido sugerida
para pacientes que não tolerem e/ou não alcancem os objetivos
terapêuticos com cada uma das medicações isoladamente.24,48 Deve-se
salientar, entretanto, que existem poucos estudos adequadamente delineados
na literatura testando esta associação.21 Mourad e colaboradores49
em um pequeno estudo randomizado com pacientes com
talassemia mostraram que a combinação de deferiprone 75mg/kg/dia
e desferroxamina 40-50mg/kg/dia 2 vezes por semana resulta numa
redução da ferritina e uma maior excreção de ferro na urina que o
grupo que utilizou desferroxamina 40-50mg/kg/dia 5 vezes por semana.
Não se observou aumento na incidência de parefeitos no grupo
que recebeu a combinação de quelantes. A combinação dos dois
quelantes aparentemente potencializa o efeito quelante e pode ser uma
alternativa para o tratamento destes pacientes.
Vitamina C
Baixos níveis de ácido ascórbico têm sido encontrados em
pacientes talassêmicos com sobrecarga de ferro. Nestes pacientes a
suplementação com vitamina C resulta em aumento importante da
excreção de ferro induzida pela desferroxamina, isto ocorre pelo aumento
da fração de ferro suscetível ao quelante.50 Ao mesmo tempo
o aumento da quantidade de ferro livre pode agravar a toxicidade de ferro in vivo - a utilização de altas doses de vitamina C (500mg) tem
sido associada à deterioração/precipitação de toxicidade cardíaca.12,50
O uso da suplementação de vitamina C, desta forma, deve ser feito
com cautela. Nos pacientes em que for necessária a suplementação da
vitamina C, esta deve ser feita somente nos dias em que o paciente
fizer uso da desferroxamina, preferencialmente iniciando 1 hora após
o início da infusão, e não excedendo 2mg/kg/dia.12 A possibilidade de
toxicidade da associação da vitamina C com outros quelantes é, até o
momento, desconhecida.
Objetivos da terapia
Uma vez que existe correlação direta entre as concentrações
de ferro e os danos em órgãos alvo, o objetivo principal da terapia
quelante é reduzir os estoques de ferro do organismo. A terapia ótima
deve minimizar os riscos de aparecimento de efeitos adversos com a
terapia com quelantes e diminuir a ocorrência das complicações associadasà sobrecarga do ferro.12 A tentativa de manter a quantidade
de ferro em níveis normais (correspondendo a concentrações hepáticas
de 0,6 a 1,2mg/g de fígado seco) muito provavelmente reduz
a chance de complicações secundárias a sobrecarga de ferro.11 Entretanto,
o risco de ocorrência de efeitos adversos em decorrência do
tratamento também aumenta de maneira significativa. Assim, uma
estratégia conservadora na terapia com quelantes é manter o ferro
corpóreo correspondente a concentrações hepáticas de 3,2 a 7mg/g de
fígado seco. O risco de toxicidade de desferroxamina com estes
objetivos é muito pequeno.11
Se a avaliação da concentração de ferro hepático não pode
ser realizada, a concentração de ferritina sérica pode ser utilizada.
Concentração de ferritina acima de 2.500μg/l é considerada o ponto
de corte para associação com risco aumentado de eventos cardíacos e
morte. Em uma coorte de 97 pacientes com um seguimento médio de
12 anos, concentração de ferritina sérica acima de 2.500μg/l foi oúnico parâmetro de impacto prognóstico na análise multivariada28. O
objetivo terapêutico, considerando-se valores de ferritina, é de atingir
concentrações inferiores a 1000μg/l, concentração associada a muito
baixo risco de ocorrência de complicações decorrentes de sobrecarga
de ferro.11
Início da terapia com quelantes
Entre as principais dificuldades de manejo dos pacientes com
sobrecarga de ferro, destaca-se a correta avaliação dos estoques de
ferro do organismo e a decisão do momento correto de iniciar a
terapia com quelantes.
O momento ótimo para o início da terapia com quelantes
continua um assunto controverso. Relatos de crescimento anormal
foram apresentados em crianças tratadas com desferroxamina antes
dos 3 anos de idade; paralelamente, anormalidades hepáticas foram
relatadas em crianças que recebiam terapia transfusional devido a
talassemia, mesmo antes desta idade.12
Devido a imprecisão de medidas indiretas, recomenda-se iniciar
terapia com quelantes, em pacientes talassêmicos, após um ano
do início da terapia transfusional regular.11 Biópsia hepática sobre
orientação ultrassonográfica é procedimento seguro a ser realizado.
A maioria dos centros inicia as infusões aos cinco ou seis
anos de idade, uma vez que o efeito sobre crescimento e desenvolvimento
antes deste período é desconhecido.10,12,50 O início neste
período da vida parece estar associado à redução das complicações
cardíacas e, talvez, diminuição da mortalidade.
Existem poucas diretrizes internacionais a respeito do momento
ideal para o início da terapia com quelantes. Na prática, a
abordagem da maioria dos médicos é determinar a concentração de
ferritina sérica após um período de transfusões regular e, baseados
neste parâmetro, iniciar um regime de terapia com quelantes. Como a
acurácia da concentração de ferritina para a estimativa da quantidade
de ferro corporal é limitada, alguns recomendam que todas as crianças
com talassemia maior façam biópsias hepáticas após 1 ano de
terapia transfusional regular.11 O nível de ferro hepático que indica o
início da terapia com quelantes é o mesmo nível considerado objetivo
terapêutico desta terapia.11 Nos casos em que não estiver disponível
biópsia hepática no início do tratamento, terapia com quelante deve
ser iniciada aproximadamente um ano após o início da terapia transfusional.
7.2 Pacientes com Hemocromatose Hereditária
Há evidências crescentes de que a instituição precoce de
flebotomias, antes do desenvolvimento de cirrose ou de diabete, reduzem
morbimortalidade na HH.5 Algumas das manifestações clínicas
podem melhorar após terapia com flebotomias (cansaço, pigmentação
da pele, diabete, dor abdominal), enquanto outras têm menor
probabilidade de resposta após a remoção da sobrecarga de ferro
(artropatia, hipogonadismo, cirrose). A terapia padrão no manejo de
pacientes com HH continua sendo a flebotomia. Uma unidade de
sangue deve ser removida 1 a 2 vezes por semana, conforme tolerado.
A instituição precoce de flebotomias já se mostrou efetiva na
terapia para HH, prevenindo morbidade e promovendo uma longevidade
normal.5 Salientando a importância do tratamento precoce, a
sobrevida em pacientes com HH é normal naqueles pacientes que
iniciam tratamento antes do desenvolvimento de cirrose ou diabete.
Arritmias cardíacas e miocardiopatias são causas comuns de
morte nestes pacientes. Uma vez que estas complicações podem aumentar
durante rápida mobilização do ferro e que doses farmacológicas
de vitamina C aceleram esta mobilização a um nível que pode
saturar a transferrina, cautela deve ser tomada com o uso de vitamina
C nestes pacientes. Controle da ingesta dietética de ferro deve fazer
parte do manejo desta doença.1
Flebotomia
Flebotomia é o método mais simples, barato e efetivo de
remover ferro do corpo. Cada 500ml de sangue removido contem
200mg a 250mg de ferro.1 A maioria dos pacientes que tem o fenótipo
consistente com HH, independentemente do seu genótipo, beneficiam-
se de terapia com flebotomia. Possíveis exceções incluem pacientes que apresentam expectativa de vida limitada por outras
situações clínicas e aqueles que não toleram flebotomia, requerendo,
então, terapia com quelantes.
A flebotomia pode ser realizada no consultório médico, no
hospital (banco de sangue) ou até mesmo em casa, por um profissional
devidamente treinado neste procedimento. Os pacientes devem
ser bem hidratados e devem evitar exercício vigoroso dentro nas
primeiras 24 horas após o procedimento. Sintomas de hivopolemia
são mais prováveis em pacientes com concentração de hemoglobina
inferior a 11g/dl antes do tratamento.
O regime ótimo de terapia com flebotomia não está bem
estabelecido. Parece ser preferível que o paciente seja depletado de
ferro tão logo quanto possível uma vez que o tratamento antes do
desenvolvimento de cirrose mostrou ser capaz de melhorar sobrevida
e prevenir o desenvolvimento de neoplasia hepática.1,51 Uma unidade
de sangue por semana usualmente é suficiente. Pacientes masculinos
e com grande massa corporal podem tolerar até 2 flebotomias por
semana, enquanto que mulheres, idosos e pacientes com baixa massa
corporal ou doença cardiopulmonar podem tolerar apenas 0,5 unidades
por semana. O desenvolvimento de hiperplasia eritróide, que
ocorre em poucas semanas, permite um esquema mais acelerado de
flebotomias.
Não há consenso na literatura sobre o objetivo terapêutico
com as flebotomias. Alguns autores23,52 recomendam a realização de
flebotomias até que ocorra hematopoiese deficiente, evidenciada por
concentração de hemoglobina de 11g/dl com VCM de 80 e uma
saturação de transferrina de 10% a 20%. Outros autores recomendam
a realização de flebotomias semanais até que os estoques de ferro
estejam normalizados, definido como uma concentração de ferritina
sérica abaixo de 50ng/ml e saturação de transferrina abaixo de 50%.
Suspensão temporária deve ser feita na presença de anemia.
Na fase de manutenção, o objetivo terapêutico é manter a
ferritina em 50ng/ml ou menos. A maioria dos pacientes necessita
uma flebotomia a cada 2-4 meses. Terapia com quelantes é raramente
necessária em pacientes com HH, visto a alta eficácia da terapia com
flebotomias.
7.3 Apresentações disponíveis
a)Desferroxamina: frasco-ampola com 500mg de pó liofilizado
+ ampolas de 5ml de água
b)Deferiprona: comprimidos de 500mg
7.4 Esquemas de Administração
a)Desferroxamina: 50mg/kg/dia, em infusão subcutânea através
de bomba de infusão, durante 8-14 horas;
b)Deferiprona: 75mg/kg/dia, dividida em 3 tomadas diárias.
O uso de desferroxamina por via intravenosa e/ou de doses
acima das preconizadas neste protocolo podem ser considerados, assim
como a terapia combinada. Nestes casos recomenda-se que o
paciente seja avaliado por um Comitê de Peritos em um Centro de
Referência nomeado pelo Gestor Estadual.
7.5 Benefícios esperados com o tratamento clínico·Diminuição dos estoques de ferro do organismo;
·Diminuição das complicações do excesso de ferro, como as
cardíacas e hepáticas;
·Diminuição da mortalidade em pacientes portadores de talassemia.
8. MONITORIZAÇÃO
Pacientes em uso de desferroxamina devem ser avaliados
antes do início do tratamento e anualmente após este período por
oftalmologista e otorrinolaringologista pelos riscos de efeitos adversos.
Pacientes em uso de deferiprona devem se cuidadosamente
monitorizados pelo risco de agranulocitose. Devem ser realizados
hemogramas semanalmente nos três primeiros meses após o início do
tratamento, podendo esta monitorização laboratorial ser espaçada para
quinzenal com o tempo. Esta monitorização clínica deste potencial
efeito adverso deve ser feita continuamente. O surgimento de neutropenia
abaixo de 1500/mm3 impõe a suspensão permanente do uso
do deferiprona.
A monitorização do tratamento deve ser realizada com medidas
indiretas de concentração de ferro (ferritina sérica ou excreção
urinária de ferro) a cada 3 meses e medida direta através de biópsia
hepática anualmente.24
9. TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
É obrigatória a cientificação do paciente, ou de seu responsável
legal, dos potenciais riscos e efeitos colaterais relacionados
ao uso dos medicamentos preconizados neste protocolo, o que deverá
ser formalizado por meio da assinatura de Termo(s) de Consentimento
Informado, de acordo com os modelos que fazem parte deste Anexo.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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TERMO DE CONSENTIMENTO INFORMADO
DESFERROXAMINA E DEFERIPRONA
Eu, ............................................................................................,
(nome do(a) paciente), abaixo identificado(a) e firmado(a), declaro ter
sido informado(a) claramente sobre todas as indicações, contra-indicações,
principais efeitos colaterais e riscos relacionados ao uso dos
medicamentos desferroxamina e deferiprona indicados para o tratamento
da sobrecarga de ferro.
Estou ciente de que este(s) medicamento(s) somente pode(m)
ser utilizado(s) por mim, comprometendo-me a devolvê-lo(s) caso o
tratamento seja interrompido.
Os termos médicos foram explicados e todas as minhas dúvidas
foram esclarecidas pelo médico.............................................................................................................
(nome do médico que prescreve).
Expresso também minha concordância e espontânea vontade
em submeter-me ao referido tratamento, assumindo a responsabilidade
e os riscos por eventuais efeitos indesejáveis.
Assim, declaro que:
Fui claramente informado (a) de que os medicamentos que
passo a receber podem trazer os seguintes benefícios:
·diminuição dos estoques de ferro do organismo;
·diminuição das complicações do excesso de ferro como as
cardíacas e hepáticas;
·diminuição da mortalidade em pacientes portadores de talassemia.
Fui também claramente informado (a) a respeito das seguintes
contra-indicações, potenciais efeitos colaterais e riscos:
·medicamentos classificados na gestação:
-desferroxamina: fator de risco C (significa que risco para
bebê não pode ser descartado, mas um benefício potencial pode ser
maior que os riscos);
-deferiprona: estudos em animais demostraram anormalidades
nos descendentes. Não foram feitos estudos em humanos. Não há
classificação sobre a gestação pelo FDA.
·risco de ocorrência dos seguintes efeitos colaterais:
-desferroxamina: reações no local de aplicação da injeção
(dor, inchaço, coceira, vermelhidão) urina escura, vermelhidão da
pele, coceira, reações alérgicas, visão borrada, catarata, distúrbios de
audição, zumbidos, tontura, dificuldade para respirar, desconforto abdominal,
diarréia, caibra nas pernas, taquicardia, febre, retardo no
crescimento (em pacientes que começam tratamento antes dos 3 anos
de vida), distúrbio renal, suscetibilidade a infecções (Yersinia e murcomicose).
-deferiprona: infecções (febre, dor de garganta, sintomas gripais),
dor e inchaço nas articulações, dor abdominal, náusea, vômitos,
alteração de apetite, urina escura, elevação de enzimas hepáticas
(ALT), diminuição das células brancas do sangue e agranulocitose
(reversíveis com a suspensão do tratamento).
·medicamentos contra-indicados em casos de hipersensibilidade
(alergia) ao fármaco;
·o risco de ocorrência de efeitos adversos aumenta com a
superdosagem.
Estou ciente de que posso suspender o tratamento a qualquer
momento, sem que este fato implique qualquer forma de constrangimento
entre mim e meu médico, que se dispõe a continuar me
tratando em quaisquer circunstâncias.
Autorizo o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde a
fazer uso de informações relativas ao meu tratamento desde que
assegurado o anonimato.
Declaro, finalmente, ter compreendido e concordado com
todos os termos deste Consentimento Informado.
Assim, o faço por livre e espontânea vontade e por decisão
conjunta, minha e de meu médico.
O meu tratamento constará do(s) seguinte(s) medicamento(s):
desferroxamina
deferiprona
Observações:
1.O preenchimento completo deste Termo e sua respectiva assinatura são imprescindíveis para o fornecimento do medicamento.
Este Termo será preenchido em duas vias: uma será arquivada na farmácia responsável pela dispensação dos medicamentos e a outra
será entregue ao paciente.