Influenza aviária: infecção em humanos acende alerta


 

Desde 1997, a influenza aviária tem sido motivo de preocupação global devido ao seu potencial de infecção em humanos. Tudo começou em Hong Kong, quando ocorreu o primeiro surto conhecido de gripe aviária A (H5N1) em pessoas, com muitos pacientes apresentando sintomas respiratórios. O vírus, tipicamente encontrado especialmente em aves selvagens e em patos, perus, gansos e galinhas, geralmente é de baixa patogenicidade e não causa doenças graves nesses animais. No entanto, certos subtipos, como H5 e H7, podem sofrer mutações, tornando-se altamente patogênicos para aves domésticas, resultando em mortalidade quase total. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de janeiro de 2003 a agosto de 2023, foram registados 878 casos de infecção humana pelo vírus H5N1 relatados em 23 países. Destes, 458 foram fatais, o que representa uma letalidade de 52%.

A infectologista e virologista Dra. Nancy Bellei, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da International Society of Influenza and Other Respiratory Viruses (Sociedade Internacional da Influenza e Vírus Respiratórios), com grande expertise em vírus respiratórios no Brasil, explica que, embora não tenha adquirido a capacidade de transmissão sustentada entre humanos, houve recorrência de episódios de transmissão deste vírus para humanos em várias regiões da Ásia, China, Vietnã, Tailândia e Europa, entre 2003 e 2004. “Desde então, aproximadamente 900 pessoas foram infectadas por vírus aviários dos tipos H5, H7 e H9, geralmente por meio de contato direto com aves mortas ou carcaças infectadas. As preocupações aumentaram novamente a partir de 2019, quando o H5N1 se espalhou para a Europa e América, resultando em surtos significativos em diversas espécies de animais, incluindo aves domésticas e selvagens, mamíferos aquáticos e até gado leiteiro nos Estados Unidos. No entanto, até o momento, não há evidências de transmissão sustentada entre humanos, embora haja uma preocupação com casos de vírus aviários que acabam sendo transmitidos para pessoas, ressalta.

Ainda segundo ela, globalmente, surtos de gripe aviária têm levado à destruição de grandes plantéis de aves em várias regiões da América, Europa e Ásia. No Brasil, embora surtos em aves domésticas e na avicultura comercial não tenham sido registrados, focos de H5N1 foram detectados em áreas litorâneas e parques, monitorados pela vigilância animal. “Felizmente, nenhum caso humano foi registrado no País”, frisa. O Brasil tem adotado medidas rigorosas de vigilância e orientação, coordenadas pelo Ministério da Saúde e o Ministério da Agricultura. “Há protocolos claros para lidar com aves migratórias mortas, instruindo sobre a manipulação segura e os procedimentos a serem seguidos em caso de contato humano, incluindo tratamento e diagnóstico adequados para síndromes gripais”, acrescenta. Em junho deste ano, a OMS confirmou a primeira morte por H5N2 no México, primeira ocorrência mundial confirmada em laboratório. O homem de 59 anos não tinha histórico de exposição a aves ou outros animais. Não há vacinas específicas para prevenir a infecção por H5N2 em humanos.

Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), o Brasil registra mais de 160 focos de gripe aviária, mas nenhum da variante H5N2. Dados sobre vigilância indicam que muitas infecções por influenza aviária podem causar sintomas respiratórios leves ou mesmo subclínicos, mas casos de pneumonia grave com alta letalidade foi notificada nos grupos H5N1, H5N6 e H7N9. Infecções humanas por outras cepas de influenza aviária ocorreram esporadicamente, incluindo H7N3 no Canadá, H7N7 na Holanda, e H7N4 e H9N2, principalmente na China.

Preparação e resposta a uma potencial pandemia

De acordo com a Dra. Bellei, a comunidade internacional está em alerta e preparada para responder a uma possível pandemia de H5N1. Vacinas pré-pandêmicas contra o H5N1 estão em desenvolvimento, e a experiência da pandemia de 2009 de influenza A H1N1, conhecida como gripe suína, mostrou a capacidade de distribuir rapidamente vacinas pelo território nacional. “Além disso, antivirais eficazes, como oseltamivir e zanamivir, estão disponíveis para tratamento, juntamente com um arsenal de diagnósticos para influenza. A experiência adquirida com a pandemia de Covid-19 também permite que a população entenda as medidas não farmacológicas para lidar com uma situação de surto provocada por um novo agente de transmissão respiratória, bem como dos sistemas de saúde para implementar medidas eficazes. A vigilância contínua, apoiada por laboratórios de referência e parcerias internacionais nos tornam capazes de instituir medidas que permitam lidar com o surgimento de uma nova cepa pandêmica”, diz.

A Dra. Bellei enfatiza que, normalmente, o vírus influenza pode facilitar a infecção por outros agentes bacterianos. “No caso da influenza sazonal, que enfrentamos todos os anos, de 30% a 50% dos indivíduos sintomáticos podem desenvolver infecções bacterianas secundárias. Em contrapartida, até 10% das pessoas infectadas com influenza aviária podem contrair outros vírus. Além disso, é possível que uma pessoa seja infectada simultaneamente por influenza sazonal e aviária. Essa co-infecção pode resultar no surgimento de um novo vírus influenza, com maior capacidade de transmissão e elevada patogenicidade para a população humana”, destaca. Neste sentido, segunda ela, a colaboração científica internacional e a vigilância constante são essenciais para prevenir e responder efetivamente a futuras ameaças pandêmicas. “Mais de 100 países já realizam a vigilância de influenza com laboratórios de referência nacionais e existe todo um sistema de vigilância para detectar o aumento de casos ou a ocorrência de um vírus novo ou situação inusitada. O Brasil faz parte desta rede de vigilância e instituições, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mantêm estreita colaboração com a OMS, garantindo que o País esteja preparado para enfrentar novos desafios sanitários, como ocorreu na pandemia de coronavírus”, conclui.

Saiba mais:

O Guia de Vigilância da Influenza Aviária em Humanos orienta acerca da doença em humanos, apresenta diretrizes técnicas, recomenda medidas de prevenção e controle, entre outros objetivos.

 

Fontes:

Governo do Estado do Paraná
Sociedade Brasileira de Medicina Tropical