Como se dá o acesso à saúde nos interiores remotos do Brasil?


 

Vencedor do 1º Prêmio Jabuti Acadêmico 2024, na categoria Enfermagem, Farmácia, Saúde Coletiva e Serviço Social, o livro Atenção Primária à Saúde em Municípios Rurais Remotos no Brasil mostra os resultados de pesquisas sobre assistência à saúde nas cidades classificadas pelo IBGE (2017) com baixa densidade populacional, longe de grandes centros urbanos e com as vias de acesso limitadas. Hoje, o País tem 323 municípios rurais remotos, como também são chamados, que no total abrigam aproximadamente 4 milhões de brasileiros.

As pesquisas buscaram compreender as particularidades dos contextos rurais remotos brasileiros a partir da Atenção Primária à Saúde (APS) e dos princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS).  Estabelecer diferenças entre os municípios foi a chave da análise, verificando a lógica de inserção deles na dinâmica socioespacial brasileira, como eles se comportam social e economicamente dentro de suas regiões, o que levou os cientistas a criarem seis flechas ou clusters, visando a agrupá-los mesmo com suas diferenças.

A maioria dos locais fica nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Os clusters definidos incluem norte de Minas Gerais, que funcionalmente é quase como no Nordeste e o da região do Semiárido, a Matopiba – região de fronteira entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, famosa pela expansão do agronegócio.  Entre o Centro-Oeste e Roraima foi analisado um vetor com suas características específicas, que envolvem esse encontro entre o agro e a floresta. E na Amazônia, os municípios foram divididos em dois clusters, de acordo com a sua dinâmica, sendo mais ligados aos rios ou a estradas e projetos de expansão. Ficaram de fora da classificação apenas seis municípios do Rio Grande do Sul e alguns poucos do litoral maranhense, por não se encaixarem nas outras classificações e serem poucos para formarem outros clusters.

O trabalho de campo e a importância da obra

“Após essa organização, fizemos o estudo de campo. Fomos a 27 dessas cidades, tentando buscar aquelas que fossem parecidas dentro de seus clusters, mas que se diferenciam das outras, para realmente conseguirmos visualizar essas diferenças”, explica a organizadora da obra e professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP Aylene Bousquat. A pesquisa envolveu diversas instituições, além da USP, incluindo algumas universidades estaduais e federais de outros Estados e a Fiocruz. A principal ajuda em campo veio de organizações regionais que intermediaram as entrevistas com gestores e secretários de saúde, além de auxiliarem nas visitas às UBS, Unidades Básicas de Saúde.

Nesses locais, a equipe do estudo buscou entender de perto como funcionava a dinâmica da saúde dos municípios. Muitos deles possuem UBS sede, e ainda outras bases em distritos distantes, o “interior do interior”, chamado também de “interiores”. “Para você ter uma ideia, o município de Vila Bela (MT) tem uma unidade a 200 km de distância e o trajeto é feito por estrada de terra. E havia outros tantos em que era feito por barcos”, alerta Aylene Bousquat.

As entrevistas eram feitas em três linhas de cuidado: pré-natal, doenças crônicas e câncer de colo de útero. Para entender como era a trajetória desses usuários no sistema, também foram contatados agentes comunitários de saúde. “Então, produzimos vários artigos, mas não achamos suficiente. E o livro foi pensado para ser uma síntese de tudo, terminando com uma matriz, uma proposta exitosa para a organização do SUS nesses munícipios”, afirma a professora.

Para ela, essa produção se faz necessária por voltar o olhar da academia para uma realidade constantemente invisibilizada pelas políticas públicas de modo geral. Entender esses mundos ajuda a pensar um sistema de saúde plural e que se adapta às necessidades de cada local.

Mais informações sobre o livro estão disponíveis no site da Faculdade de Saúde Pública da USP

 

Fonte:

Jornal da USP