Cuidado e proteção: a importância da notificação dos casos de violência contra crianças e adolescentes


 

Números alarmantes registrados nos últimos anos mostram que, apesar das políticas existentes, falta de notificação e desarticulação de redes de proteção ainda tornam o tema um grande desafio à saúde pública

A Política Nacional de Redução de Morbimortalidade por Acidentes e Violências, estabelecida pela Portaria 737/2001 do Ministério da Saúde, institucionalizou o tema da violência como um problema de saúde pública. Essa política brasileira veio antes do Relatório Mundial Sobre Violência e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), publicado em 2002, que, além de ratificar a questão como problema de saúde pública em nível global, fornecia diretrizes para o enfrentamento do problema.

Segundo Edinilsa Ramos, pesquisadora do Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Claves/Ensp/Fiocruz), com a Política Nacional, pela primeira vez, um documento no país sistematizou a questão da violência no campo da saúde. “Ele fez uma espécie de diagnóstico para os principais problemas de acidentes e violências, estabeleceu diretrizes e identificou as responsabilidades em cada nível de gestão: federal, estadual e municipal”, relembra.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, entre os crimes não letais contra crianças e adolescentes de zero a 17 anos, foram registrados no Brasil, em 2021, 45.076¹ casos de estupro, 7.908 casos de abandono de incapaz, 19.136 de maus-tratos e 18.461 de lesões corporais em violência doméstica, entre outras violações de direitos. Já no que se refere a crimes letais, o registro contabiliza 2.555 crianças ou adolescentes vítimas fatais de violência. O levantamento “Maus-tratos entre crianças e adolescentes: perfil inédito das vítimas e circunstâncias desse crime no Brasil”, também produzido pelo Fórum, aponta ainda que 81% dos crimes dos maus-tratos ocorreram nas residências, percentual que pouco varia de acordo com a faixa etária da vítima. E, reforçando a necessidade de notificações mais aprofundadas, apenas 8% dos registros apresentam a informação sobre a relação entre agressor e vítima.

Notificação para órgãos de proteção

No caso de crianças e adolescentes, a notificação da violência é importante para atuação em três frentes. “A primeira atuação é para proteger essa criança; a segunda é para que se possa garantir a responsabilização na investigação criminal do agressor, que é importante, mas é diferente da parte da proteção. E uma terceira frente da atuação é ter todos esses dados para poder viabilizar políticas públicas preventivas, ou até garantir uma estruturação melhor do enfrentamento às situações de violência após a ocorrência delas”, informa a promotora Mirella de Carvalho Bauzys Monteiro.

Algumas formas de notificação são o Disque 100, que é uma forma nacional de comunicação. Também é possível fazer a notificação localmente, em cada município. “O Disque 100 recebe e encaminha a denúncia para os órgãos locais atuarem. As políticas, como um todo, são municipalizadas para terem a atuação de uma frente local, mas temos também políticas estaduais que são importantes. As notificações também podem ser feitas via Conselho Tutelar, ou ainda via Ministério Público, além da própria polícia, que pode ser acionada, principalmente, quando for uma situação emergencial, de flagrante”, afirma Mirella. Segundo ela, a legislação traz essa obrigação da notificação, principalmente para os órgãos públicos, que atuam diretamente e que podem ser a porta de entrada para a revelação e constatação de sinais da violência, como acontece com as áreas de saúde e educação, principalmente.

Para além das notificações, é fundamental que as redes de serviço estejam bem articuladas a fim de garantir a proteção às vítimas. Mas este é ainda um imenso gargalo na questão de violência no país.

Já a promotora do MP, considera que faltam políticas, mas, efetivamente, o que mais falta é organização. “Temos os serviços previstos, temos o Sistema Único de Assistência Social (Suas) e o SUS que funcionam, mas falta, muitas vezes, essa articulação que é imprescindível. É importante ter a porta de entrada das denúncias, pensar no encaminhamento imediato da área da saúde, principalmente, quando envolve violência sexual, para escuta especializada. E pensar um plano de intervenção intersetorial, que a saúde também tem que participar da elaboração porque envolve diversos aspectos, inclusive de saúde mental, além dos cuidados físicos com aquela criança. É importante lembrar que a nossa atuação tem sempre que evitar a revitimização, ou seja, fazer com que a criança ou adolescente seja ouvida preferencialmente apenas uma vez, por meio de profissionais capacitados, com atendimento humanizado e acolhedor”. Ela complementa: “Fato é que [sem as notificações devidas], muitas vezes, só temos notícia de uma violência quando o fato se tornou algo muito grave. E aí, vemos que essa criança já tinha passado pelo médico, pela escola, em situações que poderiam ter sido constatados previamente. Então, é por isso que as legislações são tão fundamentais, porque elas trazem a importância de toda a sociedade, o estado e a família estarem empenhados em prevenir e identificar todas as situações de violência para que o Sistema de Garantia de Direitos e todas as autoridades competentes possam ser acionadas para tomar providências de maneira mais rápida possível”, conclui Mirella.

 

Fonte:

Erika Farias – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV)/Fiocruz