Cerca de 400 mil pessoas morreram em 2022 no Brasil por problemas cardiovasculares


 

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil. Após uma breve perda da dianteira em 2021 para a Covid-19, que naquele ano causou 411 mil óbitos, as enfermidades do coração e do sistema circulatório retomaram a liderança. De acordo com os dados do relatório “Carga global de doenças e fatores de risco cardiovasculares” mais recente, publicado em dezembro de 2023 no Journal of the American College of Cardiology, um conjunto de 18 doenças cardiovasculares tirou a vida de aproximadamente 400 mil brasileiros em 2022, quase o equivalente ao total de mortos no pior ano da pandemia do novo coronavírus.

O relatório é parte de um estudo mais amplo chamado Carga Global de Doenças, ou Global Burden of Diseases (GBD), que envolve a participação de mais de 10 mil pesquisadores, brasileiros inclusive, e registra desde 1990 a evolução de 371 causas de morte e 88 fatores de risco relacionados a elas no mundo. Na edição de 2023 do documento sobre doenças cardiovasculares, os dados do Brasil são apresentados somados aos do Paraguai, que à época tinha 6,1 milhões de habitantes, o correspondente a cerca de 3% da população brasileira.

Nos dois países, os únicos integrantes da sub-região denominada América Latina Tropical no GBD, as doenças cardiovasculares mataram 408 mil pessoas em 2022, um aumento de 48,4% em relação às 275 mil mortes de 1990 – no período, a população dos dois países cresceu 35,6%. No mundo todo, as mortes por doenças cardiovasculares aumentaram um pouco menos, 39,4%, passando de 12,4 milhões em 1990 para 19,8 milhões em 2022, período em que a população mundial cresceu 51%. No site do GBD é possível ver os números isolados de cada país até 2019.

Dois problemas responderam, sozinhos, pela grande maioria (76%) dos óbitos em 2022 na América Latina Tropical: o infarto do miocárdio e as diferentes formas de acidente vascular cerebral (AVC). Foram 170,5 mil óbitos pelo problema cardíaco e 138,4 mil por AVC. “Os números absolutos de morte crescem porque a população está aumentando e as pessoas estão vivendo mais”, explica o médico e epidemiologista Paulo Lotufo, da Universidade de São Paulo (USP), um dos colaboradores do GBD.

Apesar da elevação no total de casos, devido ao crescimento e ao envelhecimento da população, em boa parte do mundo a situação vem melhorando e o número relativo de mortes por doenças cardiovasculares ajustados por idade, recurso estatístico que permite comparar dados de populações com estruturas etárias diferentes, encontra-se em queda nessas três décadas. No Brasil, a redução foi de 55,6%: baixou de 356 mortes por 100 mil pessoas em 1990 para 158 por 100 mil em 2022. No restante do planeta, a redução foi de 35%. Caiu de 358 óbitos por 100 mil em 1990 para 233 por 100 mil em 2022.

“Até os anos 2000, infarto e AVC competiam como principal causa de morte nos estados brasileiros. O diagnóstico e o controle da hipertensão arterial fizeram a taxa de mortalidade por AVC cair mais do que a taxa de mortes por infarto”, conta a cardiologista Luisa Brant, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), também colaboradora do GBD. A proporção de mortes por AVC em cada grupo de 100 mil passou de 138 em 1990 para 58 em 2019, queda de 58%. A de infarto baixou 52,5%, de 158 para 75, no mesmo período.

Embora a hipertensão seja o principal fator de risco para os dois problemas, distúrbios metabólicos como o diabetes não controlado e os níveis de colesterol elevados, frequentes na população brasileira, favorecem a ocorrência do infarto, ainda hoje a principal causa de morte em todos os estados brasileiros, explica a pesquisadora.

A melhora registrada ao longo desses 30 anos, no entanto, foi desigual. “Nos anos 2000, a mortalidade era maior nos municípios maiores e mais ricos, que concentraram as políticas de enfrentamento dos fatores de risco e a ampliação do acesso ao atendimento de emergência”, conta Brant. “Conforme as cidades crescem, as pessoas passam a adotar um estilo de vida mais sedentário e o consumo de alimentos de menor qualidade. Estamos vendo uma migração dos casos dos estados do Sudeste e das grandes capitais para o Norte e o Nordeste e as cidades mais afastadas, com menos acesso aos serviços de saúde”, conclui.

Apesar de a frequência de doenças cardiovasculares ser maior na população idosa, especialistas afirmam que elas não são uma característica natural do envelhecimento. Em vez disso, elas seriam consequência de danos provocados por hábitos pouco saudáveis que se acumulam ao longo dos anos. Fumar, consumir bebidas alcoólicas, dormir mal, ser sedentário, ter excesso de peso, além de não controlar o diabetes e a hipertensão, estão entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento dos problemas cardiovasculares.

“Um indivíduo que passa um ano com pressão alta vai ter um determinado risco de sofrer um infarto. Se ele não se cuidar de forma adequada, após 20 anos, o risco torna-se muito maior, uma vez que se soma ao envelhecimento natural das artérias e a diferentes fatores de risco e exposição, que se associam negativamente e geram danos”, explica o cardiologista e pesquisador André Durães, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), outro participante do GBD. “Para que as estratégias de saúde pública surtam efeito e reduzam as mortes por problemas cardiovasculares, é preciso combater cada um dos principais fatores de risco. Para tanto, são necessárias a ampliação do acesso à atenção primária à saúde, que ainda não é universal, e a conscientização das pessoas para que tenham um estilo de vida saudável, incluindo dieta equilibrada e prática de atividade física”, afirma.

 

Fonte:

Alexandre Affonso – Revista Pesquisa FAPESP