A Classificação Internacional de Doenças, um conjunto de 55 mil códigos utilizados por profissionais de saúde, pesquisadores e formuladores de políticas públicas, passa pela décima primeira atualização.
Desde a primeira classificação, em 1900, mais ou menos a cada 10 anos novas conferências eram realizadas para nova revisão. Essa dinâmica ocorreu até a 10ª revisão (1989), quando houve, então, um intervalo de cerca de 30 anos para a apresentação da 11ª versão.
Esse grande intervalo entre as revisões só foi possível devido à adoção da política de atualizações anuais. Assim, apesar do grande intervalo, as atualizações da 10ª revisão tentavam torná-la menos obsoleta.
A CID-11 surge no contexto de uma realidade nunca experimentada pelas sociedades. Em nenhum momento a integração mundial foi tão possível, graças ao advento dos sistemas informatizados de comunicação e da possibilidade de acesso, quase em tempo real, a informações relevantes.
Para integrar-se a essa realidade, a CID-11 foi desenvolvida com a intenção de diminuir os erros de notificação, aumentar a praticidade e dar mais abrangência às informações catalogadas.
A CID-11 apresenta melhorias notórias em comparação com a versão anterior, dentre elas:
– Conhecimento médico atualizado. A ampla gama de entidades nosográficas reflete o desenvolvimento científico.
– Conceitos contemporâneos de atenção primária, com maior atenção ao campo de atuação em que grande parte dos diagnósticos são realizados.
– Revisão e atualização da seção que versa sobre a segurança do paciente.
– Codificação sobre resistência bacteriana. Tema significativo atualmente e que não era contemplado na versão anterior.
– Atualização da seção sobre HIV, justificada pelos muitos achados sobre o tema nas últimas décadas.
– Seção suplementar para avaliação funcional do paciente antes e após a intervenção.
– Incorporação de todas as doenças raras. Ganho importante no campo da pesquisa científica.
– Os códigos referentes a estresse pós-traumático foram atualizados e simplificados.
– Os transtornos dos jogos eletrônicos foram adicionados às condições que podem gerar adição.
Outras modificações nosográficas e estruturais importantes da nova versão da CID:
– O novo Capítulo 7 trata de distúrbios de sono-vigília, anteriormente apresentados nos capítulos sobre sistema respiratório, sistema nervoso ou saúde mental.
– O Capítulo 17, que aborda as condições relacionadas à saúde sexual, apresenta a condição “incongruência de gênero”, antes considerada afecção de “saúde mental”. A preocupação com a inclusão social e a aceitação das diferenças são aspectos relevantes da nova versão da CID. A codificação dessa condição por meio de pensamentos de cunho exclusivamente cultural, sem o devido embasamento científico, não seria possível. Esse aspecto pode ser apontado como um dos principais pontos de melhoria da CID-11.
– O novo Capítulo 26 corresponde à seção específica sobre medicina tradicional. Em vários países, utilizam-se conceitos e práticas da medicina tradicional sem acompanhamento, devido à falta de registro. Com a CID-11, pode-se acompanhar essas práticas e seu impacto sobre a saúde das populações.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a transição da CID-10 para a CID-11 deve durar de 2 a 3 anos, podendo despender um tempo ainda maior em localidades com déficit tecnológico ou de logística. Os países que se reportam à OMS devem fazer essa transição de forma paulatina, continuada e concomitante com a utilização da CID-10.
A implementação da CID-11 no Brasil será um grande desafio. O aspecto desfavorável inicial é o idioma. O português não é língua oficial para a OMS, e o processo de tradução, adaptação, revisão e implementação na nova língua é um dificultador importante, que demandará tempo.
Outro agravante são os projetos que estão em desenvolvimento e têm o CID-10 como base de apoio – Global Burden of Disease from Institute for Health Metrics and Evaluation (GBD/IHME); Painel de Monitoramento da Mortalidade por Causas Básicas Inespecíficas ou Incompletas (Garbage Codes); Análise de Causas de Morte (Nacional) para Ação (Anaconda); e Sistema para Codificação Automatizada de Causas de Morte e Seleção da Causa Básica de Morte (Iris).
Porém, é fundamental entender que o principal desafio está no estabelecimento de medidas que mudem o entendimento dos usuários da CID. Um sistema tão consistente e complexo de classificação não pode ser visto como um documento puramente descritor e burocrático de condições de morbidade e mortalidade.
A classificação precisa ser definitivamente consolidada na prática de saúde como uma ação estratégica capaz de definir rumos para todo o sistema assistencial e preventivo.
Fontes: