O aquecimento global é problema intocável que vai continuar sendo muito forte, principalmente nos Trópicos, onde não existe infraestrutura para defesa contra catástrofes naturais. Uma série de fenômenos de natureza econômica, geopolítica, social e cultural que levaram as populações para as cidades influenciaram nas doenças tropicais.
Com o aumento da população e a globalização, os agentes causadores de doenças passaram a circular mais rapidamente, trocando de continente do dia para a noite, deixando o mundo à mercê de sucessão de epidemias. O aumento da temperatura média do planeta, induzido principalmente pela emissão de gases de efeito estufa, tem contribuído para ampliar as doenças tropicais. Além disso, entender-se a saúde nas favelas e nas grandes cidades tropicais é fundamental para compreender a crescente proliferação das doenças tropicais. Esse é um passo importante a ser dado para o controle das doenças nos próximos anos.
O ex-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), Dr. Carlos Henrique Nery Costa, professor de doenças infecciosas e parasitárias, doutor em Saúde Tropical pela Harvard University, explica que as doenças tropicais se referem a um conjunto de doenças e agravos com maior prevalência nos Trópicos. Segundo ele, a ecologia e a economia são os seus principais determinantes. “As duas principais características dos Trópicos que determinam a ocorrência das doenças tropicais são o clima quente e a distribuição espacial dos continentes, que impactaram na distribuição da pobreza ao Sul, nos Trópicos”, complementa. Ainda de acordo com o Prof. Costa, a principal consequência do clima é o efeito sobre os patógenos e vetores das doenças. “Em clima quente, eles conseguem manter o ciclo de reprodução durante todo o ano, que é interrompido no inverno em países com temperaturas mais baixas. As armas, o aço e as doenças, como diz Jare Diamond, foram determinantes para a pobreza dos Trópicos, tornados colônias”, acrescenta.
Dr. Costa lembra ainda o fardo econômico, o qual, além da assimetria do domínio que gerou o colonialismo, também extraiu maciçamente as riquezas dos países tropicais, que alimentaram a economia dos países ricos, hoje chamados Norte Global ou simplesmente Ocidente. Uma vez fragilizados, esses países, com saúde pública deficitária, sem recursos para saneamento básico ou infraestrutura, tornaram-se também vítimas da transmissão de doenças como malária, esquistossomose, doença de Chagas, e daquelas transmitidas pelo Aedes aegypti, impossibilitados de investir em medidas de saúde pública que pudessem levar a proteção contra essas doenças tropicais. Sem recursos, obviamente, a ciência também ficou mais atrasada. Assim, as doenças tropicais são negligenciadas porque são tropicais.
Questionado sobre as perspectivas para o ano de 2023, o Dr. Costa afirma que do ponto de vista de aquecimento global não há muito o que fazer, pois mesmo havendo reação global para cessar a emissão de gases que aumentam o aquecimento global, os esforços não são suficientes, e a tendência é a continuação do problema, como a ocorrência de catástrofes que devem levar a um agravamento das situações que já existiam anteriormente. “Esse é um problema intocável que vai continuar muito forte, principalmente nos Trópicos, onde não existe infraestrutura para defesa contra catástrofes naturais, com enchentes e secas como observamos no Brasil a cada ano e a cada período chuvoso, quando são registradas de dezenas a milhares de óbitos”, lamenta.
Quanto à América Latina, o professor reconhece que vivemos um momento singular com o retorno das economias dos regimes políticos mais à esquerda, que tendem a investir muito mais na saúde pública do que os regimes liberais. “Isso pode ser um alento à saúde pública e aos países tropicais, particularmente da América Latina, com investimento importante para o controle das doenças tropicais”, diz.
Temos notícias promissoras também, segundo o Dr. Costa. Por exemplo, as vacinas da Takeda e do Butantan, contra a dengue, uma doença de relevante carga. São duas vacinas que podem alterar substancialmente o perfil de transmissão da dengue. “Acredito que teremos um cenário diferente em 2023 para dengue, que registrou número de óbitos assustadores em 2022. Temos esperança de que isso venha a trazer boas mudanças”, admite.
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