Manual alerta para as complicações da dengue em grávidas e puérperas


 

Ao longo das últimas décadas, o Brasil tem enfrentado desafios significativos relacionados à infecção pelo vírus da dengue (DENV), transmitido pelo mosquito Aedes aegypti. Sabe-se que a dengue é endêmica em muitas regiões tropicais e subtropicais do país, frequentemente protagonizando surtos epidêmicos que podem variar em intensidade e frequência, influenciados por fatores como condições climáticas, urbanização desordenada, falta de saneamento adequado, entre outros. O governo brasileiro tem implementado várias estratégias, ao longo dos anos, para controlar a propagação do DENV, incluindo campanhas de conscientização pública, programas de controle de vetores, medidas de gestão ambiental e, mais recentemente, a vacina. No entanto, os desafios persistem devido à complexidade do ciclo de vida do mosquito vetor e ao saneamento básico deficitário em algumas áreas.

A capacidade adaptativa do Aedes aegypti também tem reduzido significativamente a efetividade das estratégias de seu controle, a exemplo do controle com inseticidas, demandando mudanças constantes. Nesse cenário, a infecção pelo DENV segue desafiando os serviços de saúde pública, apresentando taxas elevadas de morbimortalidade e confirmando que pouco avanço real para o seu controle foi solidamente concretizado.

Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação da Coordenação-Geral de Vigilância de Arboviroses indicam que o número de casos de dengue em gestantes aumentou 345% nos primeiros dois meses de 2024, em comparação ao mesmo período de 2023. Uma das hipóteses prováveis para o aumento expressivo de casos em 2024, segundo Antônio Braga, um dos organizadores do manual, são as consequências das mudanças climáticas. “O mosquito vem se adaptando à luz artificial e à água contaminada, ampliando seu período de atividade ao longo do dia”, explica o pesquisador. No estado do Rio de Janeiro, em 2023 foram registrados 332 casos de dengue em gestantes, contra 447 apenas nos dois primeiros meses de 2024. “Mas podemos comemorar o fato de não ter havido nenhum óbito”, sublinha Braga.

Entre os grupos populacionais mais susceptíveis às complicações e à evolução para as formas mais graves da dengue estão as gestantes e puérperas, especialmente até 14 dias pós-parto, em decorrência do retorno lento das alterações fisiológicas aos padrões pré-gestacionais. O odor e o aumento do gás carbônico exalado pela pele das gestantes, aliados ao aumento da sua temperatura corporal, são fatores importantes para a atração do mosquito Aedes aegypti.

Os pesquisadores alertam para o maior risco de formas graves da doença nessas mulheres e um consequente quadro de saúde pública que inspira cuidados diferenciados, visto que tanto o prognóstico materno quanto o prognóstico perinatal podem ser comprometidos. Para as mães acometidas pelas formas mais graves da doença, há maior risco de choque, hemorragias e óbito. Quanto ao prognóstico perinatal, as complicações mais frequentemente observadas são a prematuridade, restrição de crescimento intrauterino e morte fetal.

Os autores chamam atenção para o fato de ainda não haver progresso no que se refere ao tratamento específico da dengue, muito menos sobre vacinas que possam ser utilizadas com segurança durante a gravidez. E ressaltam que, objetivamente, a profilaxia acessível para evitar os efeitos deletérios da dengue durante o ciclo gravídico-puerperal baseia-se em atitudes comportamentais, pessoais e comunitárias. Entretanto, consideram que a difusão dessas orientações, em geral e especificamente para gestantes e puérperas é falha, incluindo as que visam ao controle de criadouros do mosquito até ao uso de vestes apropriadas e de repelentes.

Diante das falhas nas medidas profiláticas, a cartilha recomenda a organização das unidades de atendimento para gestantes e puérperas até o 14º dia pós-parto, ainda na fase inicial da doença, evitando-se os casos de dengue grave, e a triagem com classificação de risco a fim de estabelecer tratamento prioritário e oportuno para os casos com sinais de alarme e para os casos graves. Para os pesquisadores, a assertividade e a rapidez no atendimento possibilitarão a redução dos potenciais agravos à saúde materna e perinatal.

O manual inicia detalhando os aspectos do vírus da dengue, sua influência sobre o prognóstico materno e perinatal, sua fisiopatologia, o diagnóstico e as variáveis epidemiológicas. Em seguida, aborda a importância da anamnese e do exame clínico, os aspectos técnicos para a realização da prova do laço, os diagnósticos diferencial, laboratorial, laboratorial etiológico e laboratorial para avaliar a gravidade da dengue. Os autores também descrevem as fases clínicas da dengue e caracterização da gravidade da doença (fase febril, crítica, dengue com sinais de alarme, dengue grave, fase de recuperação), abordam a conduta clínica e a formação de grupos, segundo a gravidade da doença.

O documento ainda inclui subsídios para a classificação do risco para o atendimento de gestantes e puérperas com dengue, a conduta clínica segundo a classificação de gravidade, os cuidados nas fases do pré-natal, obstétrico e puerperal, o controle pré-natal após a dengue e as ações de prevenção.

 

A publicação “Manual de prevenção, diagnóstico e tratamento da dengue na gestação e no puerpério” foi editada pela Federação Brasileira de Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e pelo Ministério da Saúde.

 

Fonte:

Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ)