Testamento vital: “a voz do paciente quando ele não tiver mais voz”


 

Na nossa cultura, morte e finitude da vida ainda são assuntos que suscitam desconforto. Mas fugir do tema está longe de ser uma boa alternativa: algumas das angústias de quem passa pelos momentos finais inclusive poderiam ser minimizadas se, enquanto em plena consciência e capacidade de tomar decisões, essas pessoas tivessem registrado suas vontades em um “testamento vital”. O documento indica a manifestação da vontade do paciente – seja de aceitação ou de recusa – quanto aos procedimentos, cuidados e tratamentos de saúde a que ele deseja ser submetido caso esteja com uma doença terminal.

Uma pesquisa da USP aborda a questão do ponto de vista dos profissionais de enfermagem que lidam no dia a dia com pacientes terminais. O estudo traz as percepções deles com relação ao testamento vital, às divergências familiares no leito de morte e de quando se deparam com o autoritarismo médico em encaminhamentos que levam ao prolongamento artificial da vida

“O testamento vital representa a autonomia e o direito do paciente a um tratamento digno em seus últimos dias de vida. É a garantia de que ele não será mantido vivo [contra sua vontade] com a ajuda de aparelhos e nem será submetido a procedimentos médicos invasivos ou dolorosos”, descreve ao Jornal da USP a enfermeira do Instituto do Coração (Incor) da USP, Fabiana Remédio. Ela, que também é especialista em cardiologia e administração hospitalar e bacharel em Direito, é autora da pesquisa de mestrado defendida na Escola de Enfermagem (EE) da USP.

O documento pode ser registrado em cartório ou escrito de forma particular; seja de próprio punho ou redigido no computador e depois impresso e assinado. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) também prevê que, no hospital, quando o paciente verbalizar sua vontade quanto aos procedimentos a que ele deseja ser submetido, o médico deve registrar essa decisão em seu prontuário, explica, ao Jornal da USP, a advogada e bioeticista Luciana Dadalto.

Independentemente de como ele é elaborado, o testamento vital precisa ser levado ao conhecimento da família e dos profissionais de saúde, de forma a embasar tomadas de decisões com relação ao desejo do paciente sobre como quer ser tratado ao final de seus dias, observa Fabiana Remédio.

Segundo o trabalho, ao longo da história o momento da morte foi sendo retirado do ambiente familiar e doméstico e transferido para ambientes hospitalares, onde existe aparato tecnológico e pessoas capazes de prolongar a vida humana. Porém, este mesmo ambiente, capaz de proporcionar cura e vida, pode ser desumano para pacientes em terminalidade, que podem perder a consciência e a capacidade de decisão sobre como desejam viver seus últimos dias.

A pesquisadora recomenda que as pessoas falem em seu dia a dia sobre finitude da vida e morte, um processo natural pelo qual todo ser vivo irá passar. “É preciso quebrar os tabus culturais porque somos mortais”, diz a enfermeira.

Segundo ela, existem programas governamentais multiprofissionais que dão assistência às famílias e aos pacientes terminais em domicílio. No SUS, há o Melhor em Casa, e o próprio Saúde da Família, entre outros. No sistema particular, estão disponíveis algumas alternativas de home care. Mesmo com esses serviços, porém, o medo e a insegurança ainda prevalecem em pacientes e familiares – o que reforça a necessidade de se falar mais em terminalidade. É fundamental saber que podemos cuidar de nossos entes queridos em casa, provendo conforto, qualidade de vida e alívio do sofrimento através da prevenção de situações dolorosas.

Embora não haja legislação específica sobre o assunto, a validade do testamento vital é fundamentada na Constituição Federal de 1988: artigo 1º, III, que trata do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, artigo 5º, que trata do Princípio da Autonomia Privada e no artigo 5º, III, que trata da proibição constitucional de tratamento desumano, informa a pesquisadora.

 

Fonte:

Ivanir Ferreira: Jornal da USP