Nascido no bojo das lutas sociais que emergiram no cenário da ditadura militar, o movimento antimanicomial reúne diferentes profissionais do campo da saúde mental, inclusive assistentes sociais que denunciaram as violações, violências e péssimas condições de trabalho no interior dos hospitais psiquiátricos.
Mas um olhar aprofundado revela que a luta antimanicomial vai além, e aponta para a transformação radical da sociedade, com defesa dos princípios da liberdade, da emancipação e dos direitos humanos.
Desde o final da década de 1970, maio é marcado como o mês de Luta Antimanicomial, celebrando a nova proposta de cuidado às pessoas com transtornos mentais a partir do fechamento de manicômios e do movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira.
Em 1987, durante encontro de trabalhadores da saúde mental, realizado em Bauru (SP), foi definido que haveria um dia nacional de lutas e foram discutidas as bases de uma proposta de reforma no sistema psiquiátrico brasileiro.
“O manicômio é expressão de uma estrutura presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, índios, mulheres”, caracteriza o Manifesto de Bauru, documento do evento de 1987, considerado um dos marcos fundantes da luta antimanicomial brasileira.
“Lutar pelos direitos dos doentes mentais significa incorporar-se à luta de todos os trabalhadores por seus direitos mínimos à saúde, justiça e melhores condições de vida”, defende o manifesto.
A partir de então, as políticas públicas de saúde mental foram sendo transformadas, principalmente a partir de 2001. Naquele ano foi aprovada a Lei 10.216, também chamada de Lei Paulo Delgado ou Lei da Reforma Psiquiátrica. A legislação determinou que a política de saúde mental no país passasse por uma transição, com o fechamento dos leitos em hospitais psiquiátricos e o desenvolvimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), para oferecer serviços abertos, comunitários e territorializados.
Em seu art. 1º., a Lei destaca: Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Na década de 1980, havia no Brasil cerca de 100 mil leitos em hospitais psiquiátricos, também chamados de hospícios ou manicômios. Com a aplicação da Reforma Psiquiátrica a partir de 2001 e o desenvolvimento da RAPS, que tem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) como seu serviço mais conhecido, esses leitos foram gradativamente fechados. Atualmente, existem 13 mil leitos no país.
Retrocessos
Depois dos avanços na primeira década dos anos 2000, o progresso na luta antimanicomial sofreu abalos. Em 2011, as Comunidades Terapêuticas – instituições privadas de internação para tratamento de pessoas adictas -, foram incluídas nas normativas legais e passaram a receber financiamento público.
Historicamente, o setor de saúde mental é usado como um significativo instrumento de lucratividade no mercado da Saúde. Tanto o setor privado de ‘atenção à saúde mental’ quanto as indústrias farmacêuticas lucram, sistematicamente, com o sofrimento mental.
A partir de 2016, uma série de medidas foram adotadas pelo governo federal no sentido inverso ao da reforma psiquiátrica. Em 2017, por exemplo, uma portaria do Ministério da Saúde incluiu hospitais psiquiátricos no centro da Rede de Atenção Psicossocial.
Em 2021, foi aprovada a Lei Complementar 187, dispondo sobre a certificação de entidades beneficentes – a partir de então, as Comunidades Terapêuticas passaram a ter o direito da imunidade tributária.
Em março de 2022, o Ministério da Saúde revogou, por meio da Portaria 596, o custeio mensal do Programa de Desinstitucionalização, voltado para a reinserção social de pessoas internadas há mais de um ano em hospitais psiquiátricos e, na semana seguinte, o Ministério da Cidadania publicou um edital com incentivos que somam R$ 10 milhões para financiar projetos nos mesmos hospitais psiquiátricos que o programa anterior pretendia esvaziar.
De acordo com o levantamento “Financiamento público de comunidades terapêuticas brasileiras entre 2017 e 2020”, o investimento federal em Comunidades Terapêuticas chegou a R$ 560 milhões no referido período. A pesquisa foi lançada em 25 de abril pela Conectas Direitos Humanos e o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
A Política Nacional de Saúde Mental é uma ação do Governo Federal, coordenada pelo Ministério da Saúde (MS), que compreende as estratégias e diretrizes adotadas pelo país para organizar a assistência às pessoas com necessidades de tratamento e cuidados específicos em saúde mental. Abrange a atenção a pessoas com transtornos mentais como depressão, ansiedade, esquizofrenia, transtorno afetivo bipolar, transtorno obsessivo-compulsivo etc., e pessoas com quadro de uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas, como álcool, cocaína, crack e outras drogas.
Considerada uma das pautas prioritárias da atual gestão do MS, a assistência em saúde mental será ampliada no Sistema Único de Saúde (SUS). Serão R$21,3 milhões destinados ao ano para atendimento das pessoas com sofrimento ou transtorno mental ou com necessidades de atendimento decorrentes do uso de álcool e outras drogas.
Os investimentos na Rede de Atenção Psicossocial foram anunciados por meio de três portarias do governo federal publicadas no Diário Oficial da União. Cerca de R$9 milhões serão investidos ao ano nos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), ambientes localizados em espaço urbano para responder às necessidades de moradia de pessoas com problemas de saúde mental que estiveram por longo tempo institucionalizadas.
De acordo com a diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sônia Barros, o investimento oportuniza maior acesso da população aos serviços. “A Rede de Atenção Psicossocial esteve desinvestida, o que provocou redução da oferta e da qualidade de cuidados. Estamos reassumindo o processo de desinstitucionalização que havia sido interrompido desde 2016 e que será retomado de modo processual, programado e articulado em âmbito tripartite, com outras estratégias para consolidar a Política de Saúde Mental de forma democrática, inclusiva e de cuidado em liberdade”, destaca.
Política Antimanicomial
O Ministério da Saúde mantém diálogo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para implementar o fechamento gradual dos hospitais de custódia, conforme previsto há mais de 20 anos na Lei Antimanicomial e regulamentado pela Política Antimanicomial do Poder Judiciário. O trabalho conjunto prevê o alinhamento de fluxos direcionados a profissionais do Judiciário e aos de saúde para endereçar e qualificar encaminhamentos em cumprimento às leis, além da assinatura de um Plano Nacional de Desinstitucionalização.
Fontes:
Associação Brasileira de Saúde Coletiva
Conselho Federal de Serviço Social
Ministério da Saúde – notícia em 12/5/2023
Ministério da Saúde – Saúde de A a Z
Prefeitura de Jundiaí – SP
Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN)