Quem sente dor, em geral, toma um analgésico; quem sente enjoo, um antiácido; para sintomas de resfriado, um antigripal; se for inflamação, um anti-inflamatório. Mas será que há algum problema nisso? Afinal, basta comprar esses remédios na farmácia, muitos sem receita médica.
O que a maioria não sabe é que, com essa atitude, a pessoa está se automedicando e, por consequência, prejudicando-se. Se, aparentemente, os remédios sem prescrição soam como comuns e inofensivos, a verdade é que, por lei, eles precisam ser receitados por profissionais da medicina. E o problema se torna maior quando estamos à mercê da publicidade de medicamentos disponível nas emissoras abertas de televisão que, muitas vezes, oculta os efeitos colaterais e suas contraindicações. É disso que trata o artigo Análise da propaganda de medicamentos isentos de prescrição em TV aberta, publicado na Revista de Direito Sanitário.
Os pesquisadores analisaram peças publicitárias sobre medicamentos voltadas ao público leigo veiculadas em duas emissoras abertas de televisão do Rio de Janeiro, visto que “desde a década de 1970, a televisão é reconhecida como o meio de comunicação mais popular, abrangendo praticamente todo o país”, nas palavras dos autores. O monitoramento foi feito durante sete meses. As 90 peças publicitárias coletadas foram estudadas de acordo com a legislação vigente. A pesquisa revelou que 100% das peças publicitárias continham algo ilícito, já que o destaque aos benefícios dos medicamentos abafou os riscos e fatores prejudiciais à saúde. O artigo chama a atenção para os perigos da publicidade direta ao consumidor, sem levar em conta as peculiaridades de cada corpo, de cada organismo e as diversas reações prejudiciais à saúde que o uso indiscriminado de remédios pode ocasionar.
Os autores esclarecem que, por um lado, no Brasil, a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) n. 96/200827 proíbe a propaganda na TV aberta direcionada ao consumidor, se não houver o alerta da necessidade da prescrição médica para a compra de medicamentos. Porém, por outro lado, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região atendeu a uma interferência da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) por meio de uma ação cujo argumento foi que, em 2017, “a competência da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) restringe-se ao seu poder de regulação sanitária e que, quando necessário, o exercício de proibições de direitos e liberdades individuais – por exemplo, a liberdade de expressão – deverá ser limitado por ato legislativo próprio”.
Apesar de assegurado o direito do consumidor à liberdade de expressão, para a adequada divulgação de um produto comprado na farmácia para alívio de dores ou mesmo cura de doenças, forçosamente não se prescinde de esclarecimentos mínimos ao consumidor, como o “uso racional” dos medicamentos anunciados. É importante que se propaguem não só os benefícios como os perigos, contraindicações e efeitos colaterais para cada faixa etária, para cada caso, levando-se em conta as características diferenciadas de cada pessoa. Os autores argumentam que “esse direito básico do consumidor – o de acesso à informação adequada sobre os produtos e serviços que venha a consumir – é apontado pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC”.
Finalizando, o artigo relata a situação preocupante da questão sobre a qual a população necessita estar ciente, lembrando que a indústria farmacêutica, com um faturamento recorde, apesar da crise econômica, está mais preocupada com lucros, sem atender, de fato, ao atendimento integral tanto da Constituição Federal de 1988 quanto ao CDC, à legislação sanitária e à auto-regulamentação do setor publicitário.
O artigo está disponível aqui: SILVA, J. F. da C.; SILVA, P. S.; BOKEHI, J. R.; CASTILHO, S. R. de. Análise da propaganda de medicamentos isentos de prescrição em TV aberta. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 21, e0006, 2021.
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