A gravidez na adolescência é um fenômeno complexo e envolve múltiplas dimensões da vida humana, diretamente relacionada ao contexto sociocultural, econômico e político, assim como às dimensões étnicas e raciais e de gênero. Portanto, a prevenção da gravidez durante a adolescência exige esforços dos distintos setores públicos responsáveis pela formulação e pela implementação de políticas públicas que têm como perspectiva central os direitos humanos, mas demanda também o envolvimento de todos os setores da sociedade civil.
Tratar a gravidez na adolescência sob uma perspectiva preventiva e de atenção integral à menina e ao menino adolescentes proporciona a estes sujeitos o exercício da vida sexual e reprodutiva com base em valores e comportamentos mais autônomos, com decisões mais responsáveis, além da construção de projetos de vida de longo prazo. Favorece também que a gestante adolescente tenha uma gravidez saudável e uma rede de cuidado e proteção para ela e o bebê, garantindo o atendimento de suas necessidades psicossociais, como a permanência na escola, o apoio da comunidade, da família e do pai adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante às crianças e aos adolescentes o direito à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, à profissionalização e à proteção no trabalho e, ainda, os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que preconiza a autonomia, o protagonismo e a participação dos adolescentes, fazem emergir a necessidade da articulação em rede e do olhar amplo para as diferentes adolescências e suas especificidades.
Destaca-se, desta forma, a importância de criar ambientes e oportunidades que reconheçam, valorizem e considerem a pluralidade entre crianças e adolescentes, sem discriminação em função de sexo, raça/etnia, orientação sexual, identidades de gênero, deficiência, opção religiosa/credo, território onde vivem, nacionalidade, opção política, classe social e geração a que pertencem, incluindo aqueles que vivem em situação de rua ou que cumprem medidas socioeducativas, assim como imigrantes, indígenas, institucionalizados e judicializados.
Faz-se necessário que os serviços sejam sensibilizados e estejam preparados para falar sobre o assunto, acolher e, quando necessário, encaminhar as questões e demandas relacionadas à gravidez na adolescência.
Diversos fatores concorrem para a gestação na adolescência. No entanto, a desinformação sobre sexualidade, sobre direitos sexuais e reprodutivos é o principal motivo. Questões emocionais, psicossociais e contextuais também contribuem, inclusive para a falta de acesso à proteção social e ao sistema de saúde, incluindo o uso inadequado de contraceptivos, como métodos de barreira e preservativos.
Existem outras causas inerentes ao desenvolvimento psíquico ou fatores culturais, tais como pensamentos mágicos e inconscientes de ser amado/a ou de ser conquistado/a como reflexo dos papéis estereotipados e veiculados pelas mídias e sociedade em geral, muitas vezes envolvendo romance e violência.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a gestação nesta faixa etária é uma condição que eleva a prevalência de complicações maternas, fetais e neonatais, além de agravar problemas socioeconômicos existentes. Como em outras condições de saúde, o prognóstico da gravidez na adolescência depende da interação de fatores biológicos, sociais, psicológicos, culturais e econômicos.
As complicações e gravidade da gestação correlacionam-se à idade da adolescente (maiores riscos para meninas com menos de 16 anos, especialmente menores de 14 anos, ou com menos de dois anos da menarca/primeira menstruação), paridade, início e aderência ao pré-natal, ganho de peso e aspectos nutricionais.
Não se pode esquecer a influência de fatores psicossociais, como a presença ou ausência do apoio familiar, apoio ou não de companheiro/pai do recém-nascido, e fatores ambientais, como acesso aos cuidados básicos em saúde, forças que exercem variações nos resultados da gestação, como no peso, na prematuridade e outros achados neonatais, além das complicações maternas obstétricas do parto e pós-parto.
Fatores que aumentam os riscos da gestação na adolescência:
– idade menor que 16 anos ou ocorrência da primeira menstruação há menos de 2 anos (fenômeno do duplo anabolismo: competição biológica entre mãe e feto pelos mesmos nutrientes);
– altura da adolescente inferior a 150 cm ou peso menor que 45kg;
– adolescente usuária de álcool ou de outras drogas lícitas ou ilícitas (cocaína/crack ou medicamentos sem prescrição médica);
– gestação decorrente de abuso/estupro ou outro ato violento/ameaça de violência sexual;
– existência de atitudes negativas quanto à gestação ou rejeição ao feto;
– tentativa de interromper a gestação por quaisquer meios;
– dificuldades de acesso e acompanhamento aos serviços de pré-natal;
– não realização do pré-natal ou menos do que seis visitas de rotina;
– presença de doenças crônicas: diabetes, doenças cardíacas ou renais; infecções sexualmente transmissíveis; sífilis, HIV, hepatite B ou C; hipertensão arterial;
– presença de doenças agudas e emergentes: dengue, zika, toxoplasmose, outras doenças virais;
– ocorrência de pré-eclâmpsia ou desproporção pélvica-fetal, gravidez de gêmeos, complicações obstétricas durante o parto, inclusive cesariana de urgência;
– falta de apoio familiar à adolescente.
Fatores que aumentam os riscos para o recém-nascido (RN) ou lactente até o primeiro ano de vida, quando nascido de mãe adolescente:
– RN prematuro, pequeno para idade gestacional ou com baixo peso (retardo intrauterino);
– RN com menos do que 48 cm ou com peso menor do que 2.500 g;
– nota inferior a 5 na Classificação de Apgar (escala que avalia as condições de vitalidade do RN), na sala de parto ou se o parto ocorreu em situações desfavoráveis;
– RN com anomalias ou síndromes congênitas (Síndrome de Down, defeitos do tubo neural ou outras);
– RN com circunferências craniana, torácica ou abdominal incompatíveis;
– RN com infecções de transmissão vertical ou placentária: sífilis, herpes, toxoplasmose, hepatites B ou C, zika, HIV/AIDS e outras;
– RN que necessita de cuidados intensivos em UTI neonatal;
– RN com dificuldades na sucção e na amamentação;
– RN que passe por problemas de higiene e cuidados no domicílio ou no contexto familiar, com negligência ou abandono;
– falta de acompanhamento médico pediátrico em visitas regulares e falhas no esquema de vacinação.
Riscos para a mãe adolescente e para o filho recém-nascido:
– RN com anomalias graves, problemas congênitos ou traumatismos durante o parto (asfixia, paralisia cerebral, outros);
– abandono do RN em instituições ou abrigos;
– ausência de amamentação por quaisquer motivos;
– mãe adolescente com transtornos mentais ou psiquiátricos antes, durante ou após a gestação e o parto;
– abandono, omissão ou recusa do pai biológico ou parceiro pela responsabilidade da paternidade;
– RN é resultado de abuso sexual incestuoso ou por desconhecido, ou relacionamento extraconjugal;
– quando a família rejeita ou expulsa a adolescente e o RN do convívio familiar;
– quando a família apresenta doenças psiquiátricas, uso de drogas, álcool ou episódios de violência intrafamiliar;
– falta de suporte familiar, pobreza ou situações de risco (migração, situação de rua, refugiados);
– quando a mãe adolescente abandonou ou foi excluída da escola, interrompendo a sua educação e dificultando sua inserção no mercado de trabalho.
Prevenção da gravidez na adolescência:
Um dos mais importantes fatores de prevenção é a educação. Educação sexual integrada e compreensiva faz parte da promoção do bem-estar de adolescentes e jovens ao realçar a importância do comportamento sexual responsável, o respeito pelo/a outro/a, a igualdade e equidade de gênero, assim como a proteção da gravidez inoportuna, a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis/HIV, a defesa contra violência sexual incestuosa, bem como outras violências e abusos.
A garantia de desenvolvimento integral na adolescência e juventude é uma responsabilidade coletiva que precisa unir família, escola e sociedade para articular-se com órgãos e instituições, públicas e privadas na formulação de políticas públicas de atenção integral à saúde em todos os níveis de complexidade, embasando-se em situações epidemiológicas, indicadores e demandas sociais, respeitando os princípios do Sistema Único de Saúde.
A data foi instituída pela Lei nº 13.798/2019 e realiza-se anualmente na semana que incluir o dia 1º de fevereiro, com o objetivo de disseminar informações sobre medidas preventivas e educativas que contribuam para a redução da incidência da gravidez na adolescência.
Fontes:
Associação Médica Brasileira
Sociedade Brasileira de Pediatria
Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência