20/02 – Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo


O uso de álcool e outras substâncias para busca de prazer ou para amenizar o sofrimento acompanha a história da humanidade desde seus primórdios. Às vezes, e para algumas pessoas, o uso pode gerar problemas como acidentes, desenvolvimento de dependência e danos ao organismo.

No último século, houve uma enorme evolução do conhecimento científico sobre como estas substâncias afetam nosso corpo e a importância do contexto social em que são consumidas. Entretanto, ainda prevalece em grande parte da população o conceito ultrapassado e moralista que atribui à droga em si e ao caráter do usuário, a responsabilidade pelos problemas associados ao uso. Este conceito errôneo leva a intervenções inadequadas e ineficientes.

Na primeira década do século XXI o Brasil desenvolveu uma das políticas sobre drogas mais avançadas do mundo, cientificamente embasada e discutida de forma democrática com profissionais de diversas áreas e representantes da população. Levantamentos nacionais, pesquisas científicas e processos de capacitação de profissionais das áreas de saúde, educação, assistência social, direito e segurança, assim como de lideranças comunitárias e religiosas foram realizadas sob a coordenação de docentes de diversas universidades federais com patrocínio da Secretaria Nacional de Política sobre Drogas. Foram obtidos dados importantes para embasar programas de prevenção, detecção precoce e intervenções terapêuticas e sociais.

A ciência mostra que o desenvolvimento de dependência de álcool ou de outras drogas é resultado de uma soma de fatores de vulnerabilidade, incluindo aspectos biológicos, psicológicos e sociais e que as intervenções mais efetivas são aquelas que os levam em consideração, desenvolvendo projetos terapêuticos individualizados.

A estigmatização dos dependentes de álcool ou outras drogas só os afasta dos tratamentos e joga neles a responsabilidade por problemas sociais dos quais eles são mais frequentemente vítimas do que causadores. A internação em ambientes sem equipes multidisciplinares de profissionais adequadamente treinados é inapropriada e na maioria das vezes inefetiva.

A dependência das drogas é transtorno onde predomina a heterogeneidade, já que afeta as pessoas de diferentes maneiras, por diferentes razões, em diferentes contextos e circunstâncias. Muitos consumidores de drogas não compartilham da expectativa e desejo de abstinência dos profissionais de saúde, e abandonam os serviços. Outros, sequer procuram tais serviços, pois não se sentem acolhidos em suas diferenças. Assim, o nível de adesão ao tratamento ou a práticas preventivas e de promoção é baixo, não contribuindo para a inserção social e familiar do usuário.

Reconhecer o consumidor, suas características e necessidades, assim como as vias de administração de drogas, exige a busca de novas estratégias de contato e de vínculo com ele e seus familiares, para que se possa desenhar e implantar múltiplos programas de prevenção, educação, tratamento e promoção adaptados às diferentes necessidades.

Classicamente, a prevenção do uso indevido de drogas pode ser dividida em prevenção primária, secundária e terciária. A primária pode ser definida pelo conjunto de ações que procuram evitar a ocorrência de novos casos de uso abusivo de psicotrópicos ou, segundo outra visão, evitar o primeiro contato com o produto.

Prevenção secundária é o conjunto de ações que procuram evitar complicações para as pessoas que fazem uso de uma substância, mas que apresentam níveis relativamente baixos de problemas associados a esse uso.

A prevenção terciária, por sua vez, é constituída pelo conjunto de ações que, a partir da existência de uma dependência, procura evitar prejuízos adicionais e/ou reintegrar na sociedade os indivíduos com problemas mais graves. Também busca melhorar a qualidade de vida dos usuários na família, no trabalho e na comunidade de forma geral.

A abordagem da saúde mental durante as consultas na Atenção Primária tem aspecto relevante quando se trata do consumo de álcool e drogas. Segundo o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aproximadamente 2,3 milhões de pessoas apresentaram critérios para dependência de álcool nos 12 meses anteriores à pesquisa.

Cerca de 20% dos pacientes tratados na rede primária bebem em um nível considerado de alto risco, fazendo uso abusivo do álcool. Estas pessoas têm seu primeiro contato com os serviços de saúde por intermédio de clínicos gerais. Apesar disso, estes pouco detectam a presença de acometimento por tal uso, o que tem repercussão negativa sobre as possibilidades de diagnóstico e tratamento. Vemos que, no geral, o foco da atenção está voltado para as doenças clínicas decorrentes da dependência – que ocorrem tardiamente – e não para a dependência subjacente.

É recomendável que o acolhimento e a assistência aos usuários de álcool ou drogas pela equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) seja pautada na redução de danos para minimizar as consequências adversas do consumo do ponto de vista da saúde e dos seus aspectos sociais. Assim, essa abordagem precisa seguir os preceitos éticos baseados na autonomia e no diálogo para facilitar o acesso desses usuários a Unidade Básica de Saúde (UBS).

A abstinência não pode ser, então, o único objetivo a ser alcançado. Pois, quando se trata de cuidar de vidas humanas, temos que, necessariamente, lidar com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas que são feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência, devem levar em conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o que em cada situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o que está sendo demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando a sua participação e o seu engajamento.

Saiba mais e reflita:

– a neurociência já demonstrou que a dependência de álcool e outras drogas é, essencialmente, uma doença do cérebro, mas com imensa influência do meio ambiente;
– dentre as pessoas que utilizam álcool, cerca de 30% apresentam problemas associados ao uso;
– cerca de 40% das pessoas dependentes de álcool apresentam transtornos mentais, como depressão e ansiedade, muitas vezes anteriores ao uso.

Fontes:

FORMIGONI, Maria Lucia. Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
Universidade Federal do Espírito Santo