O ‘Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra’ foi comemorado pela primeira vez em 27 de outubro de 2006. A data, escolhida por organizações do movimento negro e trabalhadores da saúde, pretende chamar a atenção para a desigualdade racial nas políticas públicas de saúde e nos indicadores de saúde no Brasil e lembrar que, apesar dos avanços conquistados, ainda persistem as desigualdades raciais.
Na busca pelo combate ao racismo e pela promoção da saúde, estudos divulgados pelo Ministério da Saúde demonstraram que os óbitos por causas evitáveis, como a morte por diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, tuberculose, HIV/AIDS, hepatites virais e causas violentas, ocorrem mais na população negra, tendo em vista os indicadores de menor escolaridade, renda e acesso a serviços de saúde de qualidade, pontuando também a maior prevalência de anemia falciforme nessa população.
A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), instituída em 2009, por meio da Portaria GM/MS nº 992, revogada e recriada pela Portaria de Consolidação nº 2/2017, reconhece que o racismo, as desigualdades étnico-raciais e o racismo estrutural são determinantes sociais das condições de saúde que corroboram com a morbimortalidade das populações negras no Brasil.
Com a publicação dessa Política, o Ministério da Saúde reconhece e assume a necessidade da instituição de mecanismos de promoção da saúde integral da população negra e do enfrentamento ao racismo institucional no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas à superação das barreiras estruturais e cotidianas que incidem negativamente nos indicadores de saúde dessa população – precocidade dos óbitos, altas taxas de mortalidade materna e infantil, maior prevalência de doenças crônicas e infecciosas e altos índices de violência.
A Política também reafirma as responsabilidades de cada esfera de gestão do SUS – federal, estadual e municipal – na efetivação das ações e na articulação com outros setores do governo e da sociedade civil, para garantir o acesso da população negra a ações e serviços de saúde, de forma oportuna e humanizada, contribuindo para a melhoria das condições de saúde desta população e para redução das iniquidades de raça/cor, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, geracionais e de classe.
A partir disso, tem como propósito diminuir as desigualdades em saúde produzidas por injustos processos socioeconômicos e culturais através do estabelecimento de ações integrais de cuidado, atenção, promoção e prevenção em saúde voltadas para essas populações.
Os indicadores de saúde, quando cruzados com as características socioeconômicas, revelam a importante relação entre saúde, seus determinantes sociais e a organização do sistema de saúde. A compreensão deste conjunto é fundamental para instrumentalizar a elaboração de políticas e programas voltados para o combate às desigualdades, principalmente na saúde, em que se busca construir um SUS equitativo no acesso e pautado na integralidade da saúde.
De acordo com o Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, volume 2, número especial, publicado em outubro de 2023:
“A ausência de incentivos, monitoramento e recursos bem como a baixa adesão dos municípios têm dificultado a implementação de ações concretas que deem conta de abarcar o que propõe a PNSIPN, ou seja, contribuir para a redução das desigualdades étnico-raciais. Essas iniquidades manifestam-se em vários indicadores de morbimortalidade, desfechos e agravos, mesmo após ponderar por fatores socioeconômicos e demográficos. Isso tem sido evidenciado por uma série de pesquisas, abarcando desde doenças crônicas até a saúde materna, passando pela saúde infantil, pela saúde mental e também pelo enfrentamento de violências diversas no cotidiano.
A PNSIPN tem enfrentado barreiras para ser efetivada nos municípios. Essa dificuldade se dá em parte devido à falta de incentivos e de repasses financeiros, o que caracteriza a ausência de priorização da temática pela gestão federal, complicando a institucionalização da política em todas as esferas do SUS.
Para o combate das desigualdades raciais na saúde já existe um arcabouço jurídico conquistado pelos movimentos sociais negros — a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. A consolidação e a implementação em maior escala desta política, que pode ser entendida como uma ação afirmativa, é fundamental não só para reduzir problemas de saúde urgentes e sensíveis à população negra, mas também para garantir um atendimento permanente mais adequado e cuidadoso a uma população que enfrenta múltiplas vulnerabilidades, quando não sobreposição de opressões.
É necessário que as gestões municipais incorporem em seus planos municipais de saúde ações da PNSIPN, criando instâncias, projetos e programas voltados para a população negra. Isso pode ser feito observando-se o que os planos operativos discriminam, mas também há margem para inovações. Ao longo dos anos (2008, 2013, 2017) foram criados planos operativos para a PNSIPN. Repensar ações, processos, objetivos, indicadores e metas desses planos é uma tarefa premente. ”
Doenças genéticas ou hereditárias mais comuns na população negra:
– Anemia falciforme: Doença hereditária, decorrente de uma mutação genética ocorrida há milhares de anos, no continente africano. A doença, que chegou ao Brasil pelo tráfico de escravos, é causada por um gene recessivo, que pode ser encontrado em frequências que variam de 2% a 6% na população brasileira em geral, e de 6% a 10% na população negra.
– Diabetes mellitus (tipo II): Esse tipo de diabetes se desenvolve na fase adulta e evolui causando danos em todo o organismo. É a quarta causa de morte e a principal causa de cegueira adquirida no Brasil. Atinge com mais frequência os homens negros (9% a mais que os homens brancos) e as mulheres negras (em torno de 50% a mais do que as mulheres brancas).
– Hipertensão arterial: A doença, que atinge 10% a 20% dos adultos, é a causa direta ou indireta de 12% a 14% de todos os óbitos no Brasil. Em geral, a hipertensão é mais alta entre os homens e tende ser mais complicada em negros, de ambos os sexos.
– Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase: Afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo. Apresenta frequência relativamente alta em negros americanos (13%) e populações do Mediterrâneo, como na Itália e no Oriente Médio (5% a 40%). A falta dessa enzima resulta na destruição dos glóbulos vermelhos, levando à anemia hemolítica e, por ser um distúrbio genético ligado ao cromossomo X, é mais frequente nos meninos.
Fontes:
Agência Brasília
Ministério da Saúde
Ministério Público Federal
Universidade Federal de Goiás